terça-feira, 7 de abril de 2020

DEUS QUER QUE SEJAMOS SANTOS


Um grande gênio, talvez o maior que o mundo já tenha visto, um homem que havia passado a sua juventude numa vida desregrada, que tinha esvaziado a taça dos prazeres e havia sido um joguete das heresias do seu tempo; vencido finalmente pela graça, converteu-se e chegou a uma elevada santidade. Santo Agostinho – pois é dele que se trata – apesar do sangue africano que fervia nas suas veias, apesar das paixões tempestuosas e longos hábitos viciosos, apesar das dificuldades de toda espécie, deu-se inteiramente a Deus. Certo dia – é ele mesmo quem nos narra nas suas confissões (Livro 8, cap. 11) – solicitado pela graça e hesitante em renunciar aos seus hábitos, ele viu crianças, moças, todas as idades da vida, virgens, viúvas, tornadas veneráveis pela virtude e parecia-lhe ouvir uma voz a convidá-lo suavemente e dizer-lhe: 'também tu não poderias fazer o que estes e aquelas estão fazendo?' Então, respondendo ao apelo da graça, Santo Agostinho entregou-se a Deus e tornou-se um dos maiores santos. Ele é um dos mais belos triunfos da graça de Deus, conforme digo a vocês frequentemente. Deus faz tudo para o louvor e glória da sua graça (Ef 1,6). Em Santo Agostinho, a graça triunfou plenamente.

Durante esta oitava de Todos os Santos, perguntei-me a mim mesmo com as mesmas palavras: 'O que estes e aquelas fizeram, tu não serias capaz de fazer?' e devemos todos nos perguntar olhando para os santos e as santas no céu. Digam-me: 'que motivos temos para não nos tornarmos santos?' Ah, posso adivinhar, cada um está tentado a responder: eu tenho isso, aquilo outro, nunca poderia tornar-me um santo. Mas estejam certas de que todos os santos tiveram 'isso e aquilo' e muito mais; não há ninguém entre nós que tenha maiores dificuldades do que as que venceram os santos que agora triunfam no céu. Parece-me haver muitas razões para nos estimular a sermos não apenas bons cristãos, monges corretos, boas monjas, mas também santos e santas. São João Berchmans tinha escrito no seu pequeno diário, como primeira resolução: 'Farei profissão, publicamente, em todo lugar e por tudo, que quero tornar-me santo'. Digo a vocês a mesma coisa, estou muito longe de ser santo, estou a milhões de milhas, mas desejo tornar-me santo. 

Vejamos então esta noite por que devemos nos tornar santos. A primeira razão é porque Deus o quer: 'A vontade de Deus é a vossa santificação' (1Tes 4,3). Ele quer não apenas que nos salvemos, mas que nos tornemos santos. E por que deseja Deus que nos tornemos santos? Porque ele mesmo é santo: 'Sede santos porque eu sou santo' (Lv 19,2). Deus é o santo dos santos. Ele é a própria santidade. Nós somos suas criaturas. Ele deseja que a criatura seja feita à sua imagem, ainda mais nós que somos seus filhos, e, convenhamos, devemos ser santos como nosso Pai dos céus. Escutem o que dizia o Cristo Jesus: 'Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito' (Mt 5,48). Vós sois filhos do Deus três vezes santo e absolutamente perfeito, sede portanto santos e perfeitos.

Em seguida, há uma segunda razão. É que, quanto mais formos santos, tanto mais faremos triunfar o sangue de Jesus. Um dos sentimentos que mais afligiu o coração de Jesus durante a sua agonia no Jardim das Oliveiras foi pensar que o seu sangue vertido permaneceria inútil para tantas almas: quæ utilitas in sanguine meo?'que proveito (tiram) do meu sangue?' (Sl 29,10) Ele compreendia que uma única gota desse sangue, que era o sangue de um Deus, teria bastado para purificar milhares de mundos, para santificar bilhões de almas. Ele iria derramar por nós todo esse seu sangue, que continha a virtude infinita da sua divindade e, no entanto, é preciso dizer: 'que proveito tiram do meu sangue?' O grande desejo do Coração de Jesus é a glória do seu Pai, e por isso desejava ardentemente – 'tenho desejado ardentemente' (Lc 22,15) – derramar todo o seu sangue para a glória do seu Pai, a fim de nos salvar e assim oferecer inúmeras almas ao Pai, a fim de nos santificar e nos fazer dar muitos frutos, porque 'nisto é glorificado o meu Pai' (Jo 15,8). 

Mas quem responde a esse desejo de nosso Senhor? Quantas almas há que não observam as leis de Deus, e tantas outras guardam os mandamentos, mas muito poucas se abandonam a Ele, se dão a Ele como santos e produzem frutos. As almas que o fazem respondem ao desejo de Jesus Cristo; elas fazem valer esse precioso sangue; elas são a glorificação desse sangue divino. No céu, toda a multidão dos eleitos canta: 'vós nos redimistes, Senhor, no vosso sangue, povos de todas as nações' (Ap 5,9). Se nos tornarmos santos, cantaremos por toda a eternidade esse cântico que canta o triunfo do sangue de Jesus. Um dos maiores triunfos desse cântico é quando, como ocorrido com Santo Agostinho, ele muda um homem escravo das suas paixões e dos seus erros em um grande amante de Deus, quando ele triunfa sobre todas as suas dificuldades. 

Assim ninguém pode dizer: a santidade é impossível para mim. O que é que poderia nos impedir de chegar à santidade, torná-la impossível? Deus a deseja para nós, ele nos quer santos: 'essa é a vontade de Deus, a vossa santificação' (1Tess 4,3) Jesus não zomba de nós quando diz: 'Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito' (Mt 5,48). Ele não nos pede algo impossível. O que é impossível às nossas forças não o é para a graça de Deus. Então não digamos: a santidade é para os santos, não é para mim. Vocês se lembram da passagem de Santo Agostinho onde ele diz que nós não devemos temer as dificuldades, e onde ele nos mostra que as pessoas de todas as idades, de todas as posições passaram por isso: 'Por que temes os caminhos difíceis das paixões e tribulações? Ele mesmo (o Cristo) passou por ele! Respondes com força. Até ele. Os apóstolos passaram por ele! Ainda respondes: de acordo. Em seguida muitas pessoas passaram por ele! Enrubesces! Mulheres, jovens, rapazes e moças passaram por ele!' 

... Há uma terceira razão que nos estimula a envidar todos os nossos esforços para nos tornar santos – talvez ela não impressione a vocês tanto quanto a mim: é o pensamento da morte. A morte é algo de grandioso. Trata-se de um momento solene e terrível. Nosso bem-aventurado Pai diz que devemos tê-la sempre diante dos olhos (Rb 4,47). Eu confesso a vocês que eu a tenho constantemente diante dos olhos. Isso não me provoca tristeza nem mau humor, mas pensar sobre a morte me é habitual. Quando estava na Inglaterra, como vocês sabem, estive à beira da morte e eu não saberia expressar o que é encontrar-se nesse momento do qual São Paulo diz: 'É horrendo cair nas mãos de Deus vivo' (Hb 10,31). Somente a experiência pode nos fazer compreender o que se sente naquele momento. Quando estive muito perto da eternidade, a ponto de quase entrar no mundo, nesse mundo do qual não fazemos a menor ideia, a minha alma foi tomada de um verdadeiro pavor. Foi então que tomei a decisão, caso Deus me deixasse vivo, de trabalhar a ser tal que no momento da morte eu não teria mais receio. Quando se é santo, já não se teme a morte. 

Suarez, no momento de morrer, se voltou para os que o rodeavam e lhes disse: 'não sabia que era tão doce morrer'. Muitas de vocês conhecem o relato da morte tão consoladora da Madre Maria José, a santa priora do Carmelo de Louvain, falecida há alguns anos. Era uma alma muito unida a Deus, que gozava de uma grande reputação de santidade. Ela sofria muito, e os médicos não conseguiam compreender que ela estivesse sempre alegre em meio a tantos sofrimentos. Tive a felicidade de ser seu diretor e amigo íntimo, e eu a considerava uma verdadeira santa. Pouco tempo antes da morte dela, entrei para confessá-la, porque já não podia sair do leito, e como eu via que a morte não tardaria, perguntei-lhe: 'nada perturba a senhora?' 'Não', disse ela, 'absolutamente nada'. 'Mas a senhora foi superiora durante 30 anos, teve tantas responsabilidades, não haverá algo que a inquiete?' 'Não, eu estou perfeitamente em paz. Sei que sou muito imperfeita, mas tenho uma confiança ilimitada em Deus'. Então acrescentou: 'desejo tanto ir ao céu; permita-me morrer'. Eu estava a princípio decidido a não lhe dar a permissão, mas ela insistiu. Ao final, mudei de parecer e lhe disse: 'sim, eu a dou'. Ela me agradeceu com uma grande efusão de alegria e me perguntou: 'quando?' Respondi-lhe: 'então que seja no dia 8 de setembro (Natividade da Virgem Maria)'. 

De fato, no dia 8 de setembro o Senhor veio buscá-la. Nesse dia, ela recebeu o Viático, depois ela entrou numa espécie de êxtase, e, radiando de felicidade, ouviu-se que ela dizia as seguintes palavras: 'vejo o Bem-Amado!' Eis uma morte! Fechamos os olhos e nos encontramos nos braços do Bem-Amado. Asseguro a vocês [religiosas de Maredret, na Bélgica, a quem eram dirigidas esta conferência de Dom Columba, em novembro de 1917] que uma vida de sacrifícios, de sofrimentos e de generosos esforços seria um preço muito módico para se comprar uma tal felicidade. E essa pode ser a felicidade de cada uma de vocês. Santa Teresa dizia que quando ela assistia à morte de uma das suas filhas, ela sempre via o Cristo na cabeceira da cama, ajudando as suas esposas nesse momento supremo. Que consolação!

Eis então as razões para nos tornarmos santos. Mas o que é um santo? A fim de formarmos um conceito exato da santidade, vejamos o que significa a palavra 'santo'. Como vocês sabem, há um duplo sentido, uma dupla face, e encontramos esses dois sentidos na palavra grega e na palavra latina. Em grego dizemos hagios e em latim sanctus. Ora, o que significam essas palavras? Hagios significa puro, separado do tudo o que é terra, matéria, criatura, sujeira. Sanctus quer dizer consagrado, entregue a Deus. Deus em si mesmo é o hagios por essência, Ele está infinitamente afastado do tudo o que é matéria, de tudo o que é criado, de tudo o que não é Ele mesmo: 'tu habitas na santidade, glória de Israel' (Sl 21,4). Ele é também o sanctus todo entregue a si mesmo, norma e fonte de tudo o que é grande, justo, sábio, bom, santo. Ele é a própria santidade.

Mas Ele deseja ver em nós esses dois aspectos da santidade: a separação de tudo que seja matéria, sentido, contaminação, pecado, e a consagração do nosso ser a Deus. Para nós, monges e monjas, no dia em que dissemos: 'eis que tudo deixamos' (Mt 19,27), demos um grande passo nesse primeiro elemento da santidade hagios. Através dos nossos votos, nós nos separamos do mundo, de tudo o que apaixona os homens. Pelo voto de pobreza, renunciamos às riquezas. Pelo voto de virgindade, a tudo o que é voluptuosidade, sensualidade. Por fim, pelo nosso voto de obediência, a tudo o que não vem de Deus em nós, à nossa vontade, ao nosso próprio juízo. Tudo isso deixamos de lado, disso nos separamos. Quando chegarmos à perfeição dos nossos votos, estaremos no mais alto grau de separação de tudo o criado possível aos homens. 

No entanto, não dissemos apenas: 'eis que tudo deixamos'. Dissemos também: 'e Vos seguimos'. Aqui encontramos o segundo aspecto da santidade sanctus: nós nos consagramos, nos entregamos a Deus. Uma vez realizados esses dois elementos, nos tornamos santos, mas não é fácil chegar lá. Para nos encorajarmos olhemos para a multidão dos santos que louvam a Deus no céu, que formam o Corpo místico de Cristo, seu complemento, sua plenitude, como diz São Paulo: 'que é seu corpo e sua plenitude' (Ef 1,23). Eles formam essa Igreja toda bela e toda pura, que o Cristo Jesus purificou com o seu precioso sangue e que ele apresentará ao Pai, no dia do Juízo, sem ruga nem mancha, mas santa e imaculada (Ef 5,27). Digamos que Deus marcou para nós um lugar nesse Corpo místico de Cristo e que a perfeição para nós consiste em realizar o que Deus quer para cada um de nós.

Enfim e acima de tudo, peçamos a Deus as graças que nos são necessárias para chegar à santidade. Gosto muito da oração do XII domingo depois de Pentecostes: 'Deus onipotente e misericordioso' – quando dissermos as palavras 'onipotente' e 'misericordioso', não as pronunciemos da boca para fora, mas façamos um ato de fé na onipotência de Deus! Se a nossa oração é frequentemente tão fraca, é porque não temos fé bastante nessa onipotência de Deus, não dizemos como o Cristo: 'Pai, tudo é possível para ti' (Mc 14,36). Deus onipotente, sim, meu Deus, estou convencido de ser muito miserável, mas tu és poderoso o bastante para fazer de mim um santo, apesar das minhas faltas e fraquezas. Creio nisto! Certo dia, alguém disse a São Francisco de Sales: 'Serás um santo!' 'Sim', respondeu ele, 'Deus pode fazer esse milagre'. Eu também digo a mesma coisa.

E Deus misericordioso. A misericórdia é a bondade diante da miséria. Ora, a bondade de Deus é tão infinita quanto o seu poder. Então a sua misericórdia é infinita: 'O Senhor é bom para com todos, e sua misericórdia se estende a todas as suas obras' (Sl 144,9). Creio, meu Deus, que sois todo-poderoso, creio também que sois a misericórdia infinita e que, se eu falhei muitas vezes convosco, vós jamais falhareis comigo. Dai-me as vossas graças. Concedei-me correr sem obstáculo até o cumprimento das vossas promessas. Só de vós é que pode vir a graça de vos servir dignamente: 'Deus onipotente e misericordioso, de quem vem o dom de ser servido dignamente e de modo louvável pelos vossos fiéis, concedei-nos, vos pedimos, que corramos em direção às vossas promessas sem ofensas'.

A conclusão de tudo o que acabo de dizer a vocês é a seguinte: Deus quer a nossa santidade, a nossa perfeição. Ele nos deu, no sangue de Cristo Jesus, o preço da nossa santidade; separemo-nos de tudo o que não é Deus, demo-nos, consagremo-nos a Ele sem reservas; peçamos-lhe, por uma prece cheia de fé e confiança, que nos ajude a adquirir a santidade. Então encontraremos sempre nele a Luz, as forças que nos são necessárias e, unidos a todos os santos e santas do céu, glorificaremos por toda a eternidade Aquele que é admirável nos santos, nos seus santos: Deus admirável nos seus santos (Sl 67,36).

(Bem aventurado Columba Marmion)