O chamado 'crucifixo milagroso' consiste em uma escultura de madeira segundo o padrão da Escola Sienese do século XIV e atualmente exposto em uma capela lateral da Igreja de San Marcello al Corso, dedicada ao papa Marcelo I (papa e mártir da Igreja no período 308-309, num pontificado de apenas 7 meses) e localizada na chamada Via del Corso, uma das principais ruas urbanas do centro da cidade de Roma. Os restos mortais do papa Marcelo I, bem como de outros santos, encontram-se sob o altar-mor desta igreja. Em 22 de maio de 1519, um incêndio destruiu completamente a igreja e, além das paredes externas, o único artefato que sobreviveu foi o crucifixo de madeira do século XIV, que agora se encontra na Capela do Crucifixo, anexo da igreja.
(interior da Igreja de San Marcello al Corso)
Neste contexto, o crucifixo foi conduzido em procissão pelas ruas de Roma por 16 dias, entre 4 e 20 de agosto de 1522, para proteção da cidade contra a Grande Peste. As autoridades, temendo o contágio, tentaram impedir a procissão religiosa, mas o povo ignorou a proibição e, milagrosamente, a epidemia foi sanada após as procissões. Desde então, a procissão do 'crucifixo milagroso' foi perpetuada pelos séculos e é sempre renovada a cada ano, durante a Quinta-feira Santa, num trajeto que se estende desde a igreja de San Marcello al Corso até a Basílica de São Pedro.
Em algumas ocasiões especiais, o 'crucifixo milagroso' é retirado da capela. Em 1600, foi levado à Basílica de São Pedro para o jubileu proposto pelo papa Inocente X. Durante a quaresma do Grande Jubileu de 2000, o crucifixo foi exposto no Altar da Confissão na Basílica de São Pedro e o papa São João Paulo II celebrou o 'Dia do Perdão' diante da cruz milagrosa. E, agora, no dia 27 de março passado, foi novamente exposto publicamente durante as cerimônias da bênção eucarística Urbi et Orbi, proclamada pelo papa Francisco na Praça de São Pedro.
Houve um grave porém desta vez. A escultura de madeira antiga ficou exposta à chuva, sem quaisquer proteções especiais, por mais de duas horas durante o evento, fato que causou severos danos à relíquia, com a infiltração da umidade, escorrimento da água pela escultura e consequente perda de parte considerável dos pigmentos e da pintura original. Infelizmente, em nome da encenação marcante, o crucifixo permaneceu exposto às intempéries, ao contrário dos cuidados aplicados ao ícone bizantino de Salus Populi Romani (imagem da Virgem Maria com o Menino Jesus, como 'Protetora do Povo Romano', que foi objeto recente de uma restauração impecável - veja vídeo abaixo), também utilizado no evento com o papa Francisco, mas devidamente confinado em moldura estanque de alta tecnologia e sob controle rígido de temperatura interna.
Após a constatação dos problemas, a escultura de madeira do crucifixo foi levada aos laboratórios do Vaticano para avaliação dos danos e início imediato das tarefas de restauração e reconstrução da obra de arte e da relíquia milagrosa por equipe técnica de vários especialistas e por tempo indeterminado.
(restauração do ícone bizantino Salus Populi Romani)