segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

O SINAL DA CRUZ (III)


In hoc Signo vinces - 'Por este Sinal vencerás'

III

A primeira razão do Sinal da Cruz ter sido dado aos homens é a de nos tirarmos do pó, pois é um sinal divino que nos enobrece. Mas por que tirados do pó? Dize-me: quem é que entra chorando no mundo? Que sempre vive sujeito a todas as enfermidades? E que durante largo tempo é incapaz de prover as suas próprias necessidades? Todavia, este ser é a Imagem de Deus e do Rei da Criação e é necessário que ele não se degrade. Mas eis que Deus, tocando-o, imprime na sua fronte um Sinal Divino que o enobrece e este título de nobreza, este Sinal Divino, é o Sinal da Cruz. Sinal divino, porque vem do Céu e não da terra. Percorre todos os países e todos os séculos; não encontrarás em parte alguma o homem que imaginou o Sinal da Cruz, o santo que o inventou ou o Concilio que o impôs.

Quem é, pois, o autor e o instituidor do Sinal da Cruz? Para o encontrar, é necessário transpor todos os séculos, todas as criaturas visíveis, todas as hierarquias angélicas; é necessário subir até ao Verbo Eterno que é — a Verdade em Pessoa. Escuta uma testemunha nas melhores condições de saber o que se refere. Seu testemunho é tanto mais irrecusável, quanto é certo tê-lo valorizado com o timbre do próprio sangue. É’ o grande Bispo de Cartago, São Cipriano, que exclama: 'Senhor, Vós que sois o Sacerdote Santo, nos legastes três coisas imorredouras: o Cálice do Vosso Sangue, o Sinal da Cruz e o Exemplo das Vossas Dores'. E Santo Agostinho acrescenta: 'Ó Senhor Jesus Cristo, Vós quisestes que este sinal ficasse impresso sempre em nossa fronte'.

O brasão do católico é o Sinal da Cruz. Sou católico; portanto, o Sinal da Cruz fala da minha origem e fala a todos da nobreza da minha gente. Uma gente a que pertencem legiões inteiras de Doutores, de Virgens, de Mártires, de poetas, de oradores, de filósofos, de artistas, de grandes legisladores, de reis, beneméritos, guerreiros ilustres, qual é? Esta gente chama-se — a grande População Católica — a qual temos a graça de pertencer. E o Sinal da Cruz é o brasão desse grande povo.

O primeiro sentimento que o Sinal da Cruz desenvolve em nós enobrecendo-nos aos nossos olhos é o respeito por  nós mesmos. O respeito dos outros para conosco mede-se por aquele respeito que temos por nós mesmos. A crueldade, a hipocrisia, a devassidão e o vício só podem inspirar temor. Os homens da atualidade, velhos ou moços — homens todos que nunca fazem o Sinal da Cruz — eles se respeitam? 

Façamos um ensaio de análise... a parte mais nobre do homem é a alma. E da alma, a faculdade mais nobre é a inteligência, dada pelas mãos do próprio Deus para receber a verdade e só a verdade — mas a inteligência é hoje conspurcada e profanada pela mentira e pelo erro. Porventura, o homem de hoje respeita a própria inteligência? E' para satisfazer os nobres anseios da inteligência que hoje ele procura a verdade? Não. Nem gosto mais tem ele pelas fontes puras de onde jorra a verdade, pois os oráculos divinos, os sermões ou os livros ascéticos ou de filosofia cristã causam-lhe náusea. Se porventura pudésseis penetrar o íntimo de uma inteligência batizada, parecerias estar num depósito de trastes ou loja de peças velhas! Encontrarias ali em  misturada confusão — ignorância, contos vãos, frivolidades, preconceitos, mentiras, erros, dúvidas, objeções estultas, impiedades, tolices, negações e inutilidades — triste espetáculo!

Se tua mão não toca em tua fronte para fazeres o Sinal Divino, tocará a miúdo o que nunca deveria tocar. Se não queres armar, com o sinal protetor, os teus olhos, nem os teus lábios, nem o teu peito; então teus olhos mancham-se olhando o que nunca deveriam ver; teus lábios, como mudos faladores, não dizem o que deviam dizer, para dizerem o que para sempre deviam calar; e o teu peito, altar profanado, arde em chamas cujo nome, só em si, já é uma vergonha. Eis então a tua história íntima.

O homem que nunca faz o Sinal da Cruz perde a estima da própria vida. Ele a vilipendia e a desperdiça, porque não a leva a sério: da noite faz dia para o dia lhe ser noite e não recusa nada às tendências e ao gosto, consumindo o seu tempo sem relação com a eternidade. Tudo isso é como tecer teias de aranha, caçar moscas e construir castelos de papelão. Levar a vida a sério é bem aproveitá-la como o exige o seu Único Proprietário — Aquele que dispõe de tudo; Aquele que um dia nos pedirá contas, não apenas do conjunto, mas de tudo; não só dos anos, mas dos minutos. Fatigado, enfim, no caminho das bagatelas e das iniquidades, o que pode esperar então o homem desprezador do Sinal Divino? 

(Excertos adaptados da obra 'O Sinal da Cruz', do Monsenhor Gaume, 1862)