XXI
DA DESCIDA AOS INFERNOS
Por que quis Jesus Cristo descer aos infernos?
Para evitar a nossa descida e para vencer ao demônio, libertando aos que ali tinha detidos; e para demonstrar como o seu poder alcança até os infernos, já que pode visitá-los e iluminá-los com o resplendor da sua luz (LII, 1)*.
A que infernos desceu?
À parte dos infernos em que, por consequência do pecado original, estavam detidos os justos que já não tinham pecados pessoais que purgar. Somente ali penetrou para consolar e alegrar aos antigos patriarcas; porém, daquele lugar fez notar os efeitos da sua presença em todos os âmbitos: no inferno dos condenados, para confundir a sua incredulidade e pertinácia; no purgatório, para infundir alentos às almas atribuladas que ali padeciam com a esperança de ser admitidas na glória logo que terminasse o tempo da sua expiação (LII, 2).
Esteve ali muito tempo?
Tanto quanto o seu corpo no sepulcro (LII, 4).
Levou consigo, ao sair, as almas dos justos?
Sim, Senhor; no primeiro instante em que a sua alma penetrou naquela morada comunicou aos justos a graça da visão beatífica e, ao abandonar aqueles lugares para unir-se ao corpo na ressurreição, quis que o acompanhassem todos para nunca mais se separarem dele (LII, 5).
XXII
DA GLORIFICAÇÃO DE JESUS CRISTO: A RESSURREIÇÃO
Foi necessário que Jesus Cristo ressuscitasse glorioso?
Sim, Senhor; porque Deus estava obrigado a manifestar a sua Justiça, exaltando àquele que se havia humilhado até à morte, e morte de cruz; porque era conveniente esta suprema prova da divindade de Cristo, para robustecer a nossa fé, arraigar a esperança, orientar e conformar a nossa vida transformada em ressurreição espiritual com a de Jesus ressuscitado e, finalmente, para que o Redentor desse manifestações, em sua própria pessoa, dos maravilhosos dotes da vida gloriosa que nos destina e que começou com a sua ressurreição (LIII, 1).
Quais foram os dotes do corpo de Cristo ressuscitado?
O corpo de Cristo ressuscitado foi o mesmo que ficou pendente da cruz e que os discípulos desencravaram e depositaram no sepulcro; porém, desde o momento da ressurreição, possuiu os dotes gloriosos da impassibilidade, da subtileza, da agilidade e da claridade que, como transbordamento da glória da alma em liberdade, com toda a abundância e plenitude se lhe comunicavam, fazendo participante o corpo da sua perfeição (LIX, 1-3).
Conserva o corpo de Cristo, depois da ressurreição, as cicatrizes dos pés, das mãos, e do lado?
Sim, Senhor, e é conveniente que as conserve afim de que contribuam para a sua glória, como troféus de vitória sobre a morte e porque serviram para convencer aos discípulos da verdade da ressurreição e porque são no céu como uma súplica viva, dirigida à clemência e misericórdia do Pai, e porque servirão para confundir os inimigos da Cruz no dia do juízo final (LIV, 4).
XXIII
DA ASCENSÃO DE JESUS CRISTO: AUTORIDADE E PODER JUDICIAL
Onde se encontra agora o corpo glorioso de Jesus Cristo?
No céu, para onde o Redentor, quarenta dias depois da ressurreição, subiu por virtude própria, à vista de seus discípulos, que do alto do monte das Oliveiras o contemplavam (LVII, 1).
Que significa a expressão 'Jesus Cristo subiu ao céu e está assentado à direita de Deus Pai'?
Significa que, sem sobressaltos, aflições, nem temores para o futuro, goza e desfrutará eternamente o repouso da bem-aventurança celestial e que, igual ao Pai, no uso de um privilégio exclusivo, é Rei do universo e julga a todos os seres da criação (LVII, LVIII).
Por que se atribui especialmente a Cristo o poder judicial?
Primeiramente, porque Jesus Cristo, enquanto Deus, é a Sabedoria do Pai, e o ato de julgar é um ato da Sabedoria e da verdade; em segundo lugar, porque Jesus Cristo, enquanto homem, é pessoa divina, e na sua natureza humana radica a dignidade de chefe da Igreja e, portanto, de todos os homens, já que todos hão de comparecer diante do tribunal de Deus; além disso, porque possui em toda a sua plenitude a graça santificante, que dá capacidade ao homem espiritual para emitir juízo reto e acertado; finalmente, porque merece ser denominado juiz dos céus e da terra aquele que, neste mundo, sofreu os rigores de um processo e que condena os injustos para defender os foros da Justiça divina (LIX, 1-4).
Começou Jesus Cristo a exercer o poder judicial, que constitui a prerrogativa mais excelsa da sua realeza, desde o momento em que subiu aos céus e tomou assento à direita de Deus Pai?
Sim, Senhor, e tudo quanto desde então ocorre no mundo, o movimento do universo, o desenvolvimento e evolução do gênero humano, o ciclo dos seres inanimados, as ações dos anjos bons e maus com sua influência nos acontecimentos. Ele o dirige e governa; e não só tem direito à realeza e mando enquanto Deus, de Quem a Providência é um dos atributos, mas também enquanto homem, por ser Filho de Deus e pessoa divina, e também porque, com a sua morte e paixão, conquistou tão elevado cargo e dignidade (LIX, 5).
Esta ação judicial tão intensa e minuciosa que Jesus Cristo vem exercendo desde o dia da sua Ascensão não faz inútil o juízo universal que há de realizar-se no fim dos tempos?
Não, Senhor; porque até então não haverá ocasião propícia para manifestar a plenitude e alcance do poder e da Soberania de Cristo; só quando se fechar o livro da história, se poderá apreciar em conjunto, não só o valor dos atos, mas também o de suas consequências e, portanto, premiar ou castigar a cada criatura conforme o total de seus merecimentos.
Governa Cristo aos anjos com os mesmos títulos com que rege aos homens?
Não, Senhor, porque, se bem que o Filho de Deus recompensa aos anjos bons com a glória eterna e castiga aos maus com o suplício da eterna condenação, nem os premia nem os castiga, enquanto homem, mas somente como Deus; os homens, ao contrário, recebem de Cristo, enquanto homem, o poderem entrar na posse da bem-aventurança; e dos seus lábios ouvirão os réprobos, no dia do juízo final, a sentença definitiva que os condena aos suplícios eternos. Apesar disto, os mesmos anjos, assim como os demônios, estão sujeitos ao poder soberano do Filho de Deus feito homem, desde o momento da sua Encarnação e, de um modo especial, desde o dia da sua Ascensão e entrada triunfal no céu. Todas as ações e intentos para salvar ou perder os homens ficam submetidos ao foro judicial de Jesus Cristo e os primeiros receberão dele, enquanto homem, o suplemento da recompensa devido aos seus bons ofícios, assim como os maus o aumento de pena de que os faz merecedores a sua perversidade (LIX, 6).
XXIV
DOS SACRAMENTOS INSTITUÍDOS POR CRISTO PARA COMUNICAR AOS HOMENS O FRUTO DA REDENÇÃO: NATUREZA, NÚMERO E CONVENIÊNCIA, NECESSIDADE E EFICÁCIA DOS SACRAMENTOS
Que meios estabeleceu Jesus Cristo para comunicar aos homens o fruto dos mistérios realizados em sua divina pessoa?
Os Sacramentos (LX, Prólogo).
Que entendeis por sacramento?
Uma coisa ou um ato sensível, acompanhado de certas palavras que precisam e particularizam o seu sentido, e aplicação, que significam e produzem na alma determinadas graças destinadas a conformar a nossa vida com a de Cristo (LX – LXIII).
Quantos são os sacramentos?
São sete: Batismo, Confirmação, Eucaristia, Penitência, Extrema Unção, Ordem e Matrimônio (LXI, 1).
Poderíamos achar alguma razão de conveniência que nos explicasse por que são sete?
Sim, Senhor, achamo-la na analogia existente entre o desenrolar da vida corporal e da vida da graça. Podemos considerar o homem como indivíduo e como ser social. Como indivíduo, tem necessidades e requer perfeições de duas classes, umas diretas e ordinárias e outras extraordinárias e indiretas; são perfeições do primeiro grupo, antes de tudo, a necessidade de existir, a de crescer e desenvolver-se e a de alimentar-se e nutrir-se. Acidentalmente pode contrair enfermidades, e neste caso, necessita de remédio para recuperar a saúde e regime higiênico para restabelecer-se. Pois, na ordem espiritual há um sacramento, o do Batismo, que nos comunica a vida da graça; outro, o da Confirmação que fortalece e desenvolve, e o da Eucaristia, pão do céu e alimento sobrenatural. Para o caso de enfermidade contraída depois do batismo, dispomos da medicina espiritual do sacramento da Penitência, e da Extrema-unção para apagar os vestígios da enfermidade passada. Para socorrer as necessidades do homem como ser social, existem outros sacramentos, o da Ordem, destinado a que jamais faltem ministros na Igreja e o do Matrimônio, cujo fim é a propagação do gênero humano (LXV, 1).
Qual dos sete Sacramentos tem a primazia e é como o centro para onde convergem todos os outros?
O da Eucaristia. Nele, como mais tarde veremos, está Cristo substancialmente, enquanto que os outros só têm o seu poder e virtude. Todos os outros se ordenam para este, ou para realizá-lo, como o Sacramento da Ordem, ou para tornar-nos capazes de sua recepção ou dispor-nos para recebê-lo dignamente, como o batismo, a confirmação, a penitência e a extrema-unção, ou pelo menos, para simbolizá-lo, como o Matrimônio. Além disso, quase todas as cerimônias relativas à administração dos outros sacramentos, até as do batismo quando o neófito é adulto, terminam com a recepção da Eucaristia (LXV, 3).
É facultativa e de simples conselho a recepção de todos os sacramentos ou é absolutamente, necessária para alcançar a graça correspondente a cada um?
É absolutamente necessária no sentido de que, se se deixam de receber por malícia ou negligência, nunca se receberá a graça correspondente e, além disso, há três que reproduzem um efeito particular, impossível de alcançar se não se recebeu de fato (LXV, 4).
Quais são e qual é o seu efeito?
O batismo, a confirmação e a ordem; e o efeito a que nos referimos é o caráter que imprimem (LXIII, 6).
Que entendeis por caráter?
Uma qualidade, espécie de potência espiritual da parte superior da alma, que nos faz participantes do Sacerdócio de Cristo, ou para exercermos faculdades hierárquicas anexas a este sacerdócio ou para sermos admitidos à participação dos benefícios que se derivam dos atos da hierarquia sacerdotal (LXIII, 1-4).
É indelével o caráter impresso na alma?
Sim, Senhor e durará eternamente naqueles que, uma vez o tenham recebido, para sua maior glória no céu se foram dignos dele ou para maior confusão no inferno para aqueles que não souberam cumprir as obrigações que ele impõe (LXIII,5).
Qual é o que imprime na alma a imagem de Cristo e faz a homem apto para participar dos bens do seu sacerdócio?
O caráter do sacramento do batismo (LXIII, 6).
* referências aos artigos da obra original
('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)