XLI
DOS PRECEITOS RELATIVOS À JUSTIÇA CONTIDOS NO DECÁLOGO: DOS TRÊS PRIMEIROS E DOS QUATRO ÚLTIMOS
Existem preceitos relativos à virtude da Justiça e suas anexas e com o seu complemento, o dom de piedade?
Sim, Senhor; todos os preceitos do Decálogo (CXXXII, 1)*.
Logo, o Decálogo limita-se a preceituar estas virtudes?
Sim, Senhor; e os mandamentos referentes a outras são posteriores e à maneira de complemento e explicação dos primeiros (CXXII, 1).
Por que?
Porque, sendo os mandamentos do Decálogo primeiros princípios da lei moral, devem ter por objeto matérias de justiça, e a justiça se encarna no conceito da coisa devida e na vontade de dá-la, chave das relações humanas fundadas na virtude (Ibid).
Como se classificam os preceitos do Decálogo?
Em dois grupos, chamados Tábuas da Lei.
Quais são os que compreende a primeira tábua?
Os três primeiros, referentes à religião ou às relações do homem com Deus.
Em que ordem estão dispostos?
Os dois primeiros removem os principais obstáculos que se opõem ao culto divino; a superstição ou o culto dos falsos deuses e a irreligião ou falta de acatamento ao verdadeiro Deus; o terceiro indica o único culto digno de Deus (CXXII, 2, 3).
Que obrigações impõe o terceiro mandamento do Decálogo?
As de abster-se de trabalhos servis e dedicar-se aos do serviço de Deus (CXXII, 4 ad 3).
Que entendeis por abster-se de trabalhos servis?
A obrigação de abandonar qualquer trabalho manual dispensável para a manutenção da vida material ou não imposto por uma necessidade urgente e inadiável, em um dia da semana que, na atual disciplina, é o domingo, e nas festas de preceito que são em toda a Igreja, as da Natividade, Circuncisão, Epifania, Ascensão, Festa de Corpus Christi, a Imaculada Conceição, a Assunção, festa de São José, São Pedro e São Paulo e Todos os Santos (CXXII, 3, ad 3; Código, 1247).
A que obriga o mandamento de empregar-se nas obras do serviço divino?
Obriga a estar desimpedido para ouvir missa aos domingos e dias de festa, sob pena de pecado mortal (Ibid).
Aquele que, em dia de preceito, não pode ouvir missa, fica obrigado a praticar algum outro exercício de piedade?
Não, Senhor; porém, certamente faltará à obrigação de santificar as festas o que desejasse passar estes dias sem exercitar ato algum de religião.
Quais são os mandamentos que contem a segunda tábua?
Os que se referem à virtude da piedade para com os pais e aos deveres de estrita justiça para com o próximo (CXXII, 5, 6).
XLII
DA FORTALEZA COMO VIRTUDE E COMO ATO: O MARTÍRIO — VÍCIOS OPOSTOS: COVARDIA, INDIFERENÇA E TEMERIDADE
Qual é a terceira virtude cardeal?
A fortaleza (CXXII-CXL).
Que entendeis por fortaleza?
Uma perfeição moral da parte afetiva sensível cujo objeto é afrontar com denodo e intrepidez os grandes riscos ou moderar os ímpetos da audácia nos perigos de morte em guerra justa, mantendo sempre o homem no cumprimento do dever (CXXIII, 1-6).
Tem esta virtude algum ato em que se condense toda a sua perfeição?
Sim, Senhor; o martírio (CXXIV).
Que entendeis por martírio?
Um ato da virtude da fortaleza mediante o qual não teme o cristão a morte, para dar testemunho da verdade, nesta espécie de guerra privada que deve sustentar contra os perseguidores do nome de Cristo (CXXIV, 1-5).
Que vícios se opõem à virtude da fortaleza?
De um lado, a covardia, própria de quem desmaia e se aterra nos transes da morte; e a impassibilidade diante do perigo, vício de quem não o evita, podendo e devendo fazê-lo. De outro lado, a temeridade, pecado dos que postergam os conselhos da prudência para ir ao encontro do perigo (CXXV-CXXVII).
Logo, é possível pecar por excesso de valor?
Não, Senhor; é, porém, possível pecar por excesso nesta matéria, nos arrebatamentos de ousadia não refreados pela razão, executar atos que pareçam de valor e em realidade não o sejam (CXXVII, 1 ad 2).
XLIII
DAS VIRTUDES ANEXAS À FORTALEZA: A MAGNANIMIDADE — VÍCIOS OPOSTOS: PRESUNÇÃO, AMBIÇÃO, VANGLÓRIA, PUSILANIMIDADE
Existem virtudes parecidas com a da fortaleza na maneira de obrar, ainda que em matéria menos difícil?
Por um conceito, parecem-se a magnanimidade e a magnificência, e, por outro, a paciência e a perseverança (CXXVIII).
Em que se distinguem estes dois grupos de virtudes?
Em que, as duas primeiras, têm semelhança com a fortaleza, porque os seus atos são árduos e difíceis, e as duas últimas porque têm por objeto conservar alentos e serenidade nas grandes aflições e situações violentas (Ibid).
Qual é o objeto próprio da magnanimidade?
Infundir no ânimo alento e esperanças para levar ao fim empresas ilustres e gloriosas (CXXIX, 1, 2).
Logo, tudo é grande na magnanimidade?
Sim, Senhor; é a virtude própria dos grandes corações.
Opõe-se-lhe algum vício?
Sim, Senhor, muitos; uns por defeito, outros por excesso.
Quais são os que se lhe opõem por excesso?
A presunção, a ambição e a vangloria (CXXX -CXXXII).
Em que se diferenciam?
Em que a presunção nos arrasta a iniciar empresas superiores às nossas forças; a ambição, a procurar honras indevidas ao nosso estado e merecimentos; e a vanglória, a procurar fama e nomeada sem objeto, ou por falta de méritos em que apoiá-las ou por não serem ordenadas para o seu verdadeiro fim, que é a glória de Deus e o bem do próximo (Ibid).
A vanglória é pecado capital?
Sim, Senhor; porque é a grande propensão dos homens e arrasta-os a cometer uma multidão de pecados, o prurido de alardear a sua própria valia e excelência (CXXXII, 4).
Quais são as suas filhas ou os vícios que dela se derivam?
São os de jactância, hipocrisia, pertinácia, discórdia, emulação e desobediência (CXXXII, 5).
Que vício se opõe por defeito à magnanimidade?
A pusilanimidade (CXXXIII).
Por que é pecado a pusilanimidade?
Por ser contrária à lei natural que obriga a todos os seres a desenvolver a sua atividade, contribuindo para isso com todos os meios e energias de que estejam dotados (CXXX, 1).
Logo, é censurável a conduta dos que, por desconfiança em si mesmos ou por humildade mal entendida, não fazem frutificar todos os talentos que receberam de Deus?
Sim, Senhor (Ibid).
XLIV
DA MAGNIFICÊNCIA — VÍCIOS OPOSTOS: MESQUINHARIA E DESPERDÍCIO
Em que consiste a virtude da magnificência?
Em projetar e empreender obras de difícil execução, sem recuar diante da grandeza do trabalho nem dos gastos necessários para levá-las a cabo (CXXXIV, 1, 2).
Logo, o exercício desta virtude supõe grandes riquezas e ocasião propícia para empregá-las no culto de Deus ou em proveito e utilidade dos nossos concidadãos?
Sim, Senhor (CXXXIV, d).
É por conseguinte, a virtude própria dos ricos e poderosos?
Sim, Senhor.
Que vícios se lhe opõem?
A mesquinharia ou avareza, que obriga a mesurar e cercear, mais do que é justo, os gastos necessários para as obras em projeto ou execução e o vício do desperdício ou dos gastos supérfluos e injustificados, em relação com a obra construída (CXXXVI, 1-3).
* referências aos artigos da obra original
('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)