III
DOS DONS DO ESPÍRITO SANTO CORRESPONDENTES À FÉ: DOM DE ENTENDIMENTO E DOM DE CIÊNCIA - VÍCIOS OPOSTOS: CEGUEIRA DO ESPÍRITO E INSENSIBILIDADE
É suficiente a virtude da fé para conhecer as verdades sobrenaturais na medida com que podemos conhecê-las neste mundo?
Com a cooperação de alguns dons do Espírito Santo, sim, Senhor (VIII, 2)*.
Quais são os dons do Espírito Santo destinados a cooperar com a fé?
Os de entendimento e ciência (VIII, IX).
De que maneira auxilia o dom do entendimento a virtude da fé, para conhecer as verdades reveladas?
Se se trata de verdades que não excedem a capacidade de nosso entendimento, fazendo que este, debaixo do influxo direto do Espírito Santo, penetre no sentido íntimo e mais recôndito dos enunciados divinos e das proposições que com eles guardam relação; e quando se trate de mistérios, fazendo-lhe ver que não se lhes opõe nenhuma outra verdade conhecida, apesar dos problemas e dificuldades que os mistérios apresentam (Ibid).
Logo, o dom do entendimento é o dom de iluminação por excelência?
Sim, Senhor, e quanto de claridade e puros gozos intelectuais da ordem sobrenatural há em nós, o devemos ao dom de entendimento, o qual faz frutificar na alma os germes da verdade infinita, objeto próprio e direto da virtude da fé.
Influi também o dom do entendimento na prática das virtudes?
Sim, Senhor; visto como tem por objeto por em relevo os bens sobrenaturais anunciados e prometidos na Revelação, com o intuito de que a vontade, divinizada pelo amor de caridade, as busque como meio de alcançar a eterna bem-aventurança (VIII, 3, 4, 5).
Podereis dizer-me em que se distinguem a fé e outros dons do Espírito Santo, tais como os de sabedoria, ciência e conselho, do dom do entendimento, suposto que a fé e os outros dons aperfeiçoam a mesma inteligência?
Sim, Senhor; a fé tem por objeto propor-nos três classes de verdades reveladas: umas referentes a Deus na ordem sobrenatural, outras às criaturas, e outras à direção e governo dos atos humanos. Pode o homem prestar-lhes assentimento, mediante a fé; porém, não pode compreendê-las, nem penetrar o seu sentido íntimo, de modo que lhe sirvam de base para formular juízo fundado e seguro. Manifestar o sentido íntimo, próprio e exclusivo das verdades reveladas é objeto do dom do entendimento; formar juízo reto e seguro, nas referentes a Deus, é o objeto próprio do dom da sabedoria; nas concernentes às criaturas é objeto do dom de ciência e no que diz respeito aos atos humanos é objeto do dom de conselho (VIII, 6).
Tomando em conta estas doutrinas, podeis explicar-me o objeto e alcance do dom de ciência?
É o dom da ciência uma virtude por mercê da qual, o cristão, no estado de graça e diretamente movido pelo Espírito Santo, conhece e distingue imediatamente, sem discurso, nem raciocínio, de modo direto, poderemos dizer, intuitivo, o que é objeto da fé, regra de bem proceder e ato virtuoso, daquilo que não é objeto de fé, e a maneira como havemos de servir-nos das criaturas para nos acercarmos da Verdade Suprema, objeto da fé e último fim de nossas ações (IX, 1, 3).
Tem este dom importância especial em nossos dias?
Sim, Senhor; porque é o remédio por excelência para uma das maiores pragas que afligem o gênero humano desde a época da Renascença.
A que praga vos referis?
A uma que prevaleceu até nos povos, em outro tempo, profundamente cristãos, o reinado da falsa ciência que, esquecida de como as criaturas devem servir de meios para nos acercarmos do Criador, na ordem especulativa converteu o estudo em arma para combater a fé e, na prática, renovou os costumes corrompidos dos antigos pagãos, tanto mais perniciosos, quanto sucediam a uma esplêndida floração das virtudes sobrenaturais praticadas pelos Santos.
É esta uma das principais causas dos males que afligem a sociedade moderna?
Sim, Senhor.
Onde, pois, acharemos um poderoso remédio contra os males desta sociedade ímpia e afastada de Deus?
Na virtude da fé, e em seus inseparáveis aliados, quando o homem está em graça, os dons de entendimento e ciência.
Quais são os vícios opostos a estes dons?
Ao dom da ciência, se opõe a ignorância; ao do entendimento, a cegueira do espírito e a insensibilidade ou embrutecimento dos sentidos.
Donde provêm estes vícios, especialmente estes dois últimos?
Particularmente dos pecados carnais que asfixiam a alma (XV, 3)
IV
PRECEITOS CONCERNENTES À FÉ - O ENSINO CATEQUÉTICO E A SUMA DE SANTO TOMÁS DE AQUINO
Existem na lei divina preceitos concernentes à fé?
Sim, Senhor; e particularmente na lei nova.
Por que não se exigiu do povo Judeu conhecimento e fé explícita dos mistérios em concreto, ou pelo menos dos principais, o da Trindade e o da Encarnação, como se exige, hoje de todos os homens? Porque o mistério da Encarnação não existia no Antigo Testamento senão em sua figura e promessa, e estava reservada a Jesus Cristo a missão de revelá-lo conjuntamente com o da Santíssima Trindade.
Por conseguinte, que coisas estavam obrigados a crer os fiéis da antiga lei?
Explicitamente, nada em particular, nem em concreto dos dois grandes mistérios; implicitamente, tudo, já que acreditavam na inefável grandeza de Deus e confiavam nas suas divinas promessas (XVI, 1).
Era isto suficiente para que seus atos de fé fossem atos de virtude sobrenatural?
Sim, Senhor.
É nossa fé mais completa e perfeita que a dos Judeus?
Sim, Senhor.
Em que consiste esta superioridade?
Em que a eles apenas foi dado entrever de uma maneira vaga e simbólica os mistérios sobrenaturais da glória, que a nós, ainda que velados e entre sombras, expressamente se nos declaram.
Estamos obrigados a meditar neles com frequência e a exercitar-nos em penetrar o mais recôndito do seu sentido, mediante os dons do Espírito Santo?
Sim, Senhor; e com o fim de facilitar-nos o cumprimento desta obrigação, emprega a Igreja todo o zelo e diligência em ensinar aos fiéis as verdades da fé.
Que método emprega ordinariamente a Igreja?
O de ensinar o catecismo.
Logo, têm obrigação todos os fiéis de aprender o catecismo na medida que lho permitam as suas faculdades?
Sim, Senhor.
Tem o Catecismo importância e autoridade especiais?
Sim Senhor; porque é uma iniciação no estudo e conhecimento das mais sublimes e deslumbradoras verdades da ordem sobrenatural.
Quem exerce o magistério catequético?
A Igreja, por intermédio dos seus maiores gênios e doutores.
Podemos dizer que o ensino do catecismo é fruto dos dons do Espírito Santo, na Igreja de Deus?
Sim, Senhor; porque no fundo se reduz a propor aos fiéis, com maior ou menor extensão, o mais apreciado e maravilhoso fruto dos dons do Espírito Santo, a Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino.
Tem a Suma Teológica grande e especialíssima autoridade na Igreja de Cristo?
Sim, Senhor; a Igreja impõe a todos os que ensinam em seu nome a obrigação de inspirar-se nela e ensinar as suas doutrinas (Código de Direito Canônico, 589, 1366).
É, por conseguinte, digno do maior encômio, o labor dos que a este ensino se dedicam?
Sim, Senhor; porque é o meio mais seguro para que ninguém se desvie do que ensina a fé e do que exige a razão.
* referências aos artigos da obra original
('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)