sábado, 6 de agosto de 2022

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XXXVII)

Capítulo XXXVII

Razões da Expiação no Purgatório - Intemperança da Língua - O Religioso Dominicano - Irmãs Gertrudes e Margarida - São Hugo de Cluny e o Infrator da Regra do Silêncio 

Acabamos de ver como a imoderação no uso das palavras é expiada no Purgatório. Padre P. Rossignoli fala de um religioso dominicano que incorreu nos castigos da Justiça Divina por falta semelhante. Este religioso, um pregador cheio de zelo, uma glória para sua Ordem, apareceu depois de sua morte a um de seus irmãos em Colônia. Ele estava vestido com vestes magníficas, usando uma coroa de ouro na cabeça, mas sua língua estava terrivelmente atormentada. Esses ornamentos representavam a recompensa de seu zelo pelas almas e a sua perfeita observância em todos os pontos de sua Regra. No entanto, sua língua foi torturada porque ele não havia sido suficientemente cauteloso em suas palavras, e sua língua nem sempre moldavam os lábios sagrados de um padre e de um religioso.

O exemplo a seguir é extraído de Cesarius. Num mosteiro da Ordem de Citeaux, diz este autor, viviam duas jovens religiosas, chamadas Gertrudes e Margarida. A primeira, embora virtuosa, não cuidou suficientemente de sua língua; ela frequentemente se permitia transgredir a regra do silêncio prescrita, às vezes até em coro, antes e depois do canto do Ofício. Em vez de se recolher com a reverência devida àquele lugar santo, dirigia palavras inúteis à irmã, que se colocava ao lado dela, de modo que, além de sua violação da regra do silêncio e sua falta de piedade, ela foi objeto de desvirtuação para a sua Irmã de Ordem. 

Ela morreu ainda jovem. Pouco tempo depois de sua morte, a Irmã Margarida dirigiu-se ao coro e viu de repente a Irmã Gertrudes chegar e ocupar o mesmo assento que ocupava em vida. Muda de espanto, a irmã chegou quase a desmaiar diante essa visão. Quando se recuperou suficientemente, foi contar à Superiora o que acabara de ver. Esta admoestou-lhe a não preocupar-se em demasia e que, caso a falecida aparecesse outra vez, perguntasse a ela, em nome de Deus, o motivo de sua aparição.

No dia seguinte, a falecida reapareceu da mesma forma e, seguindo a orientação da Superiora, a de acordo com a ordem da prioresa, a Irmã Margarida lhe perguntou: 'Minha querida Irmã Gertrudes, de onde você vem e o que você quer?'. 'Venho' - disse ela- 'para satisfazer a Justiça de Deus neste lugar onde pequei. Foi aqui, neste santo santuário, que ofendi a Deus com palavras inúteis e contrárias ao respeito religioso, para desonra de muitos e pelo escândalo que vos dei em particular. Ah se você soubesse' - acrescentou ela - 'o quanto sofro! Sou devorada pelas chamas e, em particular, a minha língua é terrivelmente atormentada'. Ela desapareceu em seguida, depois de ter pedido orações em sua intenção.

Quando São Hugo, que sucedeu a Santo Odilo em 1049, governava o fervoroso mosteiro de Cluny, um de seus religiosos, que havia sido descuidado na observância da regra do silêncio, tendo falecido, apareceu ao santo abade para pedir a ajuda de seu orações. Sua boca estava cheia de úlceras terríveis, como castigo imposto ás suas muitas palavras vãs. São Hugo estabeleceu então sete dias de silêncio à sua comunidade, que foram passados ​​em recolhimento e oração. Então o falecido reapareceu, livre de suas úlceras e com semblante radiante, testemunhando a sua gratidão pelo socorro caridoso que recebera dos seus irmãos. Se tal é o castigo das palavras vãs, qual não deveria ser o das palavras mais passíveis de recriminação?

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)