quarta-feira, 20 de outubro de 2021

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XVIII)

Capítulo XVIII

Dores do Purgatório - Santa Perpétua - Santa Gertrudes - Santa Catarina de Gênova - Irmão João de Via

Como já dissemos, a dor dos sentidos tem diferentes graus de intensidade: é menos terrível para aquelas almas que não têm pecados graves para expiar, ou que, já tendo cumprido a parte mais rigorosa de sua expiação, aproximam-se do momento de sua libertação. Muitas daquelas almas não sofrem mais do que a dor da perda, e até já começam a perceber os primeiros raios da glória celestial e a ter um antegozo da bem-aventurança.

Quando Santa Perpétua (Cf. Mar., eh. 7) viu o seu irmão mais novo Dinócrates no Purgatório, a criança não parecia ter sido submetida a nenhuma tortura cruel. A própria mártir escreve o relato dessa visão em sua prisão em Cartago, onde foi confinada pela fé em Cristo durante a perseguição sob Septimus Severus no ano de 205. O purgatório apareceu para ela sob a forma de um deserto árido, onde ela viu o seu irmão Dinócrates, que morrera aos sete anos. A criança tinha uma úlcera no rosto e, atormentado pela sede, tentava em vão beber das águas de uma fonte que estava diante dele, mas cuja borda era muito alta para se alcançar. 

A santa mártir compreendeu que o seu irmão estava no lugar de expiação e que implorava pela ajuda de suas orações. Ela então orou por ele e, três dias depois, em outra visão, viu o mesmo Dinócrates no meio de lindos jardins. Seu rosto era lindo, como o de um anjo; ele estava vestido com um manto brilhante; a beira da fonte estava abaixo dele, e ele bebia copiosamente daquelas águas refrescantes em uma taça de ouro. A santa então compreendeu que a alma de seu irmão mais novo agora desfrutava da bem-aventurança do Paraíso.

Lemos nas Revelações de Santa Gertrudes que uma jovem religiosa do seu convento, por quem nutria um amor especial pelas suas grandes virtudes, morreu nos mais belos sentimentos de piedade (Revelationes Gertrudiana ac Mechtildiana - Henri Oudin, Poitiers, 1875). Enquanto recomendava fervorosamente essa querida alma a Deus, ela ficou extasiada e teve uma visão. A irmã falecida foi mostrada a ela em pé diante do trono de Deus, rodeada por uma auréola brilhante e em ricas vestes. 

No entanto, ela parecia triste e preocupada; seus olhos estavam abaixados, como se ela tivesse vergonha de aparecer diante de Deus; parecia que ela queria fugir e se esconder. Gertrudes, muito surpresa, perguntou à Divina Esposa das Virgens a causa desta tristeza e constrangimento por parte de uma alma tão santa. 'Dulcíssimo Jesus' - ela exclamou - 'Por que a tua infinita bondade não convida a tua cônjuge a se aproximar de ti e a entrar na alegria do seu Senhor? Por que você a abandona assim, triste e receosa?'. Então Nosso Senhor, com um sorriso amoroso, fez um sinal para que aquela alma santa se aproximasse; mas ela, cada vez mais perturbada e após alguma hesitação e toda trêmula, retirou-se.

A essa visão, a santa dirigiu-se então diretamente à alma. 'O que minha filha! - disse à alma - 'você foge diante do Nosso Senhor que a chama? Você, que desejou tanto Jesus durante toda a sua vida, agora afasta-se quando Ele abre os braços para recebê-la?' 'Ah minha querida Mãe' - respondeu a alma - 'eu ainda não sou digna de comparecer perante o Cordeiro Imaculado. Ainda tenho algumas impurezas que contraí na terra. Para se aproximar do Sol da Justiça, é preciso ser tão puro quanto um raio de luz. Ainda não tenho aquele grau de pureza que Ele requer dos seus santos. Saiba que ainda que a porta do Céu fosse aberta para mim, eu não deveria ousar cruzar o limiar antes de estar totalmente purificada de todas as menores impurezas. Parece-me que o coro das virgens que rodeiam o Cordeiro me afastariam com repulsa e horror'. 'E, mesmo assim' - continuou a abadessa - 'vejo-te rodeada de luz e de glória!' 'O que você vê' - respondeu a alma - 'é apenas a orla da vestimenta da glória. Para usar este manto celestial, não devemos reter nem mesmo a sombra do pecado'.

Esta visão nos mostra uma alma muito perto da glória do Céu; mas a sua revelação sobre a santidade infinita de Deus foi de uma ordem muito diferente daquela que conhecemos. Este conhecimento pleno faz com que ela busque, como uma bênção, a expiação que sua condição requer para torná-la digna da visão do Deus três vezes santo. 

Este é exatamente o ensinamento de Santa Catarina de Gênova. Sabemos que esta santa recebeu uma luz particular de Deus sobre o estado das almas no Purgatório. Ela escreveu uma obra intitulada 'Um Tratado sobre o Purgatório', que goza de uma autoridade igual à das obras de Santa Teresa. No Capítulo VIII dessa obra, ela assim se expressa: 'O Senhor é misericordioso. Ele está diante de nós com os braços estendidos para nos receber em sua glória. Mas vejo também que a Essência Divina é de tal pureza que a alma, a menos que esteja absolutamente imaculada, não pode suportar esta visão. Se ela encontrar em si mesma o menor átomo de imperfeição, em vez de habitar com uma impureza na presença da Divina Majestade, ela preferiria mergulhar nas profundezas do Inferno. Encontrando no Purgatório um meio de apagar as suas impurezas, ela se lança ali prontamente e se considera feliz que, por meio de uma grande misericórdia de Deus, seja dada a ela um lugar onde possa se libertar dos obstáculos à felicidade suprema'.

A História da Ordem Seráfica (Parte 4., n. 7; cf. Merv., 83) faz menção a um santo religioso chamado Irmão João de Via, que morreu piedosamente em um mosteiro nas Ilhas Canárias. O seu enfermeiro, o Irmão Ascensão, estava na sua cela rezando e recomendando a Deus a alma dos defuntos, quando de repente viu diante de si um religioso da sua Ordem, mas que parecia transfigurado. Ele estava tão radiante que a cela se encheu de uma bela luz. O irmão, quase fora de si de espanto, não o reconheceu, mas aventurou-se a perguntar quem era e qual era o motivo da sua visita. 'Eu sou' - respondeu a aparição - 'o espírito do irmão João de Via. Agradeço-lhe as orações que elevou ao Céu em meu favor e venho pedir-lhe mais um ato de caridade'. 

'Saiba que, graças à misericórdia divina, estou no lugar da salvação, entre os predestinados para o Céu - a luz que me rodeia é uma prova disso. No entanto, ainda não sou digno de ver a face de Deus por causa de uma omissão que não foi expiada. Durante a minha vida mortal, omiti, por minha própria culpa, e por várias vezes, a recitação do Ofício dos Defuntos, conforme prescrito pela Regra. Rogo-te, meu querido irmão, pelo amor que tens a Jesus Cristo, que rezes esses ofícios de tal forma que a minha dívida seja paga e eu possa me deleitar da visão do meu Deus'. O Irmão Ascensão dirigiu-se de imediato ao seu superior e relatou o que havia acontecido, apressando-se a rezar os ofícios como solicitado. Então a alma do bem-aventurado Irmão João de Via apareceu novamente a ele mas, desta vez, mais brilhante do que antes, pois já estava na posse da felicidade eterna.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)