quinta-feira, 12 de março de 2020

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XLVII)

XXXVI

DO SANTO SACRIFÍCIO DA MISSA

Que entendeis por celebração do Santo Sacrifício da Missa?
Que o ato pelo qual se efetua o Sacramento da Eucaristia constitui um verdadeiro sacrifício ou imolação ritual, o único da religião católica, cujo culto, com exclusão dos demais, é agradável a Deus (LXXXIII, 1)*.

Por que o ato de que falamos constitui um verdadeiro sacrifício?
Porque consiste na imolação do mesmo Jesus Cristo, única vítima aceita aos olhos de Deus.

Por que é a imolação de Jesus Cristo?
Porque é o sacramento ou sinal da paixão com que o Redentor foi sacrificado no Calvário(LXXXII, 1).

Que entendeis quando afirmais que é sacramento ou sinal da paixão de Jesus Cristo?
Que assim como se separaram realmente o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo quando morreu na Cruz para redimir-nos do pecado, assim também, mediante o ato de consagrar primeiro o pão e depois o vinho, se separam sacramentalmente o Corpo e o Sangue de Cristo.

O que se conclui disso?
Que o sacrifício da missa é o mesmo sacrifício da Cruz.

Pode chamar-se reprodução daquele?
Propriamente, não, Senhor; porque o Sacrifício da Cruz teve lugar uma só vez e não se reproduz, e a missa não é reprodução, mas o mesmo sacrifício.

Pode chamar-se a missa representação do sacrifício da Cruz? 
Se com isso se intenta dizer que é só a sua imagem, não, Senhor, porque é o mesmo sacrifício; se bem que pode chamar-se representação, no sentido de que ele se nos apresenta diante dos olhos, para que de novo o presenciemos.

Como pode, pois, ser o mesmo sacrifício da Cruz, se ele já passou e se, além disso, Jesus Cristo então derramou o seu sangue e morreu e agora nem pode derramá-lo e nem morrer?
Porque da mesma maneira que o próprio Jesus Cristo que está nos céus, sem alteração nem mutação por sua parte, se faz presente na Eucaristia, ainda que com a aparência e forma exteriores das espécies sacramentais, assim também a paixão ou imolação que há tempo teve lugar no Calvário é a mesma que presenciamos no sacrifício, não com exterioridade de martírio cruento como aquela, mas em forma de sacramento; isto é, no altar se nos apresenta, no estado de separação indispensável para que haja sacrifício, o mesmo corpo e o mesmo sangue imolados e, portanto, separados na Cruz.

Logo, onde quer que se celebre o Santo Sacrifício da Missa, verifica-se realmente, ainda que em forma sacramental, o Sacrifício do Calvário?
Sim, senhor.

Logo, assistir à missa equivale a presenciar à paixão de Cristo?
Sim, senhor; equivale a presenciar ao grande sacrifício com que fomos redimidos, donde manam todas as graças e favores divinos, no qual Deus se compraz. Como ato de religião por excelência, é o único que dignamente o honra e o glorifica.

Logo, é este o motivo pelo qual a Igreja recomenda aos fiéis assistirem ao Santo Sacrifício da missa, com a maior frequência possível?
Sim, senhor; por isso não só o recomenda, senão que manda ouvi-la todos os domingos e dias festivos.

Que motivos escusam do cumprimento deste preceito?
A impossibilidade ou um inconveniente grave.

Que condições são necessárias para cumpri-lo devidamente?
Achar-se no lugar em que se celebra, não ter ocupado o corpo nem o pensamento em coisas incompatíveis com a participação em tão augusto sacrifício e não faltar durante os atos principais.

Que entendeis por atos ou partes principais, aos quais não se pode faltar, sob pena de não cumprir com o preceito?
Todos aqueles compreendidos entre o ofertório e a comunhão inclusive.

Qual é o modo mais proveitoso de ouvir a Santa Missa?
O de unir-se ao celebrante e seguir ponto por ponto as preces, ritos e cerimônias.

Logo, é conveniente ter livros litúrgicos para que os fieis a ouçam com maior aproveitamento?
Sim, senhor; e serão tanto mais úteis quanto melhor reproduzam o missal.

XXXVII

DA NATUREZA DO SACRAMENTO DA PENITÊNCIA E DA VIRTUDE DO MESMO NOME

Que entendeis por sacramento da penitência?
Um dos sete ritos sagrados instituídos por Jesus Cristo para restituir aos homens a graça do batismo, se depois dele têm a desgraça de perdê-la pelo pecado (LXXXIV, 1).

Em que consiste?
Em atos e palavras que significam, por parte do penitente, que ele detesta o pecado e, pela do sacerdote, que Deus lhe perdoa por intermédio do seu ministério (LXXIV, 2, 3).

Proporciona este sacramento grandes benefícios ao homem e deve ser, portanto, motivo de especial agradecimento a Cristo Nosso Redentor?
Indubitavelmente que sim porque, dada a fragilidade que afeta a natureza humana, sempre nos achamos em perigo de perder a vida sobrenatural recebida no batismo e, uma vez vítima da culpa, não teria o homem meio sacramental para repará-la e nem sair daquele estado, se Jesus Cristo não tivesse instituído o sacramento da penitência. Por isso se chama segunda tábua da salvação depois do naufrágio (LXXXIV, 6).

Se o homem recai, depois de recebê-lo, pode de novo recorrer a ele?
Sim, senhor; porque Jesus Cristo, compadecido do miserável estado do pecador, não limitou um número determinado as vezes que ele pode recorrer em demanda de perdão, contanto que sincera e lealmente se arrependa (LXXXIV,10).

Existe alguma virtude cujo ato seja indispensável na recepção do sacramento da penitência?
Sim, senhor; a virtude da penitência (LXXXV).

Em que consiste?
Na qualidade sobrenatural que inclina o homem a reparar a ofensa feita a Deus fazendo, livre e espontaneamente, tudo quanto está em suas mãos para satisfazer à justiça divina e, deste modo, obter o perdão (LXXXV, 1, 5).

Necessita a virtude da penitência o concurso de outras virtudes para produzir o seu ato próprio?
Tem esta virtude a propriedade característica de necessitar com o concurso de todas as demais. Pressupõe e requer fé na paixão de Cristo, causa meritória do perdão; implica a esperança na remissão e o ódio ao pecado enquanto se opõe ao amor de Deus que, por sua vez, pressupõe a caridade. Como virtude moral, tem apoio e direção na prudência que, como temos dito, mantém em justos limites os atos de todas as virtudes morais; como espécie da virtude da justiça, já que o seu objeto é obter o perdão de Deus, compensando a ofensa com uma satisfação voluntária; precisa utilizar-se da temperança para abster-se dos prazeres e da fortaleza para impor-se ou, pelo menos, suportar dura satisfação e penitência (LXXXV, 3 ad4).

Que objetivo tem a satisfação na penitência?
Aplacar a ira de Deus, justamente irritado, reconciliar-nos com o mais amoroso Pai, gravemente ofendido e volver à graça do mais amante Esposo, vilmente enganado (LXXXV, 3).

Deve o homem que tem a desgraça de ofender a Deus exercitar-se em frequentes atos da virtude da penitência?
O ato de arrependimento e dor interior de haver ofendido a Deus deverá ser, em certo modo, contínuo; quanto às mortificações e outras obras exteriores satisfatórias, se bem que têm um limite, além do qual não se deve passar, como sempre temos motivos para supor que a nossa satisfação seja incompleta, no nosso interesse está não nos darmos por satisfeitos, para satisfeitos nos acharmos no momento de comparecer ao tribunal de Deus; com mais a vantagem de praticar todas as virtudes cristãs, sempre que nos exercitarmos em atos de penitência (LXXXIV, 8, 9).

XXXVIII

EFEITOS DO SACRAMENTO DA PENITÊNCIA

É efeito próprio deste sacramento perdoar os pecados?
Sim, senhor; naqueles que o recebem com as devidas disposições.

Que pecados se perdoam no sacramento da penitência?
Todos os sujeitos ao poder das chaves [potestas clavium: a Igreja recebeu as chaves do Reino dos Céus para que se opere nela a remissão dos pecados pelo sangue de Cristo e pela ação do Espírito Santo], que são tantos quanto o homem pode cometer depois do batismo.

É possível alcançar o perdão dos pecados sem o sacramento da penitência?
Para obter a remissão dos pecados mortais é indispensável que o pecador tenha vontade ou desejo de submetê-los ao poder das chaves, pela forma e modo que lhe seja possível; para obter perdão dos veniais, suposto o estado de graça, é suficiente um ato fervoroso de caridade, sem recorrer ao sacramento (LXXXVII, 2 ad 2).

Se, obtido o perdão no sacramento da penitência, o homem recai nos mesmos ou outros pecados mortais, revestem-se estes de maior gravidade?
Sim, senhor; não porque de novo se lhe imputem os perdoados, mas porque a recaída agrava os novos com os vícios de ingratidão e desprezo da misericórdia e bondade de Deus (LXXXVIII, 1, 2).

Logo, a ingratidão e desprezo da misericórdia e bondade divinas que a recaída leva consigo, constituem pecado distinto dos demais que se tenham cometido?
Se o pecador propôs e intentou diretamente tal desprezo, sim senhor; caso contrário, são circunstâncias agravantes dos novamente cometidos (LXXXVIII,4).

Imputa Deus ao homem e torna a debitar-lhe os pecados perdoados no tribunal da penitência?
Não, senhor, porque Deus jamais se arrepende dos favores concedidos (LXXXIII,1).

Recobram valor e vida no sacramento da penitência os bens espirituais de que o homem fica privado ao cometer o pecado mortal?
Certamente que sim; recobra, em primeiro lugar, o bem essencial que é a graça e o direito à glória, no mesmo grau em que, antes de pecar, o possuía, se as disposições com que recebe o sacramento equivalem ao antigo fervor e caridade; em maior grau, se são maiores e, em menor, se são menores. O mérito contraído no exercício das virtudes revive íntegro para ser premiado com recompensa acidental (LXXXIX, 1-4; 5 ad 6).

Logo, é importantíssimo receber este sacramento com as melhores disposições?
Sim, senhor; pois, como tenho dito, o fruto guarda com elas uma direta proporção.

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)