quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XLV)

XXIX

DA NECESSIDADE, NATUREZA E EFEITOS DO SACRAMENTO DA CONFIRMAÇÃO: INSTRUÇÃO QUE REQUER E OBRIGAÇÕES QUE IMPÕE

É suficiente a graça do batismo para levar em tudo vida digna de Jesus Cristo?
Não, Senhor; porque a graça do batismo é graça inicial ou de principiantes, se assim é lícito falar; comunica-nos a vida de Cristo, porém, não o vigor para crescermos e desenvolvermo-nos até à plenitude (LXV, 1; LXXII, 7, ad 1)*.

Que graças produzem tais resultados?
As da Confirmação e Eucaristia (LXV, 1).

Que entendeis por Confirmação?
O sacramento da Nova Lei, destinado a conferir a graça, em virtude da qual medra e se desenvolve o ser sobrenatural recebido no batismo (LXXII, 1).

Em que consiste?
Em ungir, em forma de cruz, com o crisma bento a fronte do confirmando, enquanto o ministro pronuncia estas palavras: 'Assinalo-te com o sinal da cruz e confirmo-te com o Crisma da salvação, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém' (LXXII, 2, 4, 9).

Que simboliza o Crisma empregado como matéria neste sacramento?
A plenitude da graça do Espírito Santo que conduz o cristão à vida perfeita para que, com a prática das virtudes, difunda, ao redor de si, o odor de Cristo. Por isso o Crisma está composto de azeite de oliveira, símbolo da graça, e da planta aromática por excelência, o bálsamo (LXXII, 2).

Que manifestações compreende a forma deste sacramento ou as palavras que o ministro pronuncia?
São três: nomeia-se a Santíssima Trindade, para dar a entender que ali está a fonte e manancial de toda a graça; diz-se: 'Eu te confirmo com o Crisma da salvação', para indicar que o efeito deste sacramento é conferir fortaleza e vigor, e imprime-se na fronte do confirmando o sinal da cruz, porque ele, instrumento do triunfo do nosso comandante e Rei, há de ser a bandeira, a divisa e o distintivo do soldado de Cristo, aprestado para os grandes combates da vida cristã (LXXII, 4) .

Logo, o sacramento da Confirmação é o sacramento da virilidade cristã, o que transforma o cristão menino em cristão homem, capaz de lutar e vencer os inimigos exteriores do nome de Cristo?
Sim, Senhor; e, por isso, o administra ordinariamente o bispo, a quem, por virtude do cargo, está encarregado tudo o que é perfeito na Igreja (LXXII, 11).

Se o sacramento da Confirmação é o que acabais de dizer, que necessidade têm os confirmados de ter padrinhos?
Porque, em toda milícia bem organizada, deve-se ter instrutores encarregados de adestrar os recrutas nas artes da milícia e da guerra (LXXII, 10).

Logo, têm os padrinhos da Confirmação dever estrito de velar pelos recém confirmados e iniciá-los nos caminhos e dificuldades da vida cristã?
Certamente que sim e seria muito de desejar que, na prática, tivessem cuidado mais exato de tão sagrada obrigação e a cumprissem melhor.

Imprime caráter este sacramento?
Sim, Senhor; e por isso não pode repetir-se (LXXII, 5).

Se alguém o receber sem as disposições convenientes, pode alcançar mais tarde os seus efeitos?
Sim, Senhor, porque, permanecendo o caráter, se logrará o fruto quando a alma ficar livre de obstáculos. Pela mesma razão, devemos revigorar a graça, própria deste sacramento, que é a graça de fortaleza espiritual, exercitando-nos com frequência em combater os inimigos da nossa fé.

Logo, este sacramento tem especial importância para os que vivem entre povos hostis à vida e nome cristãos?
Sim, Senhor; porque eles, mais que ninguém, necessitam de valor e fortaleza de ânimo para se manter fieis e para se  defender das arremetidas e ciladas de quantos os desprezam ou perseguem.

Que considerações deve fazer o cristão para não esmorecer e conservar o vigor adquirido na Confirmação?
Todo aquele que teve a ventura de receber este sacramento, e com ele a plenitude dos dons do Espírito Santo, deve ter sempre presente que leva gravada na alma com caracteres indeléveis, a insígnia gloriosa de soldado de Cristo e que, assim, como o ardor bélico e a fidelidade à bandeira são as primeiras e mais formosas virtudes militares, assim também não há qualificativo mais odioso e envilecedor que a nota de covarde, aplicada a quem com ela desonra o uniforme de combatente.

Se tais são as obrigações que impõe este sacramento, deverá exigir-se do confirmando sólida instrução em matéria de fé e práticas cristãs?
Sim, Senhor. Na verdade, deve possuir o suficiente, não só para ordenar e dirigir a sua vida privada, mas também para defender o seu credo e a sua moral contra os assaltos de quem as combate (LXX, II, 4 ad 3).

XXX

QUAL DOS SACRAMENTOS REQUER  INSTRUÇÃO RELIGIOSA MAIS SÓLIDA, O DA CONFIRMAÇÃO OU O DA EUCARISTIA?

Há outro sacramento para cuja recepção se necessita de um conhecimento bastante completo dos mistérios da fé?

Sim, Senhor; o da Eucaristia e, se bem que o ensino religioso começa antes de receber o batismo quando os catecúmenos são adultos e como nos países cristãos se administra comumente o batismo em muito tenra idade, não surge a obrigação de instruí-los até à época da Confirmação ou a de receber a Eucaristia, suposto o sacramento da Penitência.

Qual dos dois requer maior instrução, o da Confirmação ou o da Eucaristia?
Ambos requerem a mesma instrução sólida, se o confirmando está na idade em que já obriga o preceito de receber a Eucaristia. Porém, como pode suceder, e de fato ocorre na prática, que muitos recebem antes da Confirmação a Eucaristia, podemos assentar como regra geral que o segundo não requer preparação catequética tão completa como o primeiro, porque o confirmado deve, como temos dito, possuir um cabedal de conhecimentos religiosos suficientes para poder resistir às argúcias dos seus inimigos. Não se esqueça, apesar disso que, depois de receber um ou ambos os sacramentos, está obrigado o cristão a continuar estudando com ardor e diligência os mistérios da nossa santa religião.

XXXI

DO SACRAMENTO DA EUCARISTIA

Que entendeis por sacramento da Eucaristia?
Um sacramento admirável e misterioso em que, sob as aparências ou espécies de pão e vinho, se dá em alimento o corpo e em bebida o sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, ali realmente presente em forma sacramental, no mesmo estado de vítima imolada como esteve no Calvário (LXXIII - LXXXIII).

É necessário este sacramento para nos salvarmos?
Sim, Senhor; porque simboliza e leva ao extremo a unidade da Igreja, corpo místico de Jesus Cristo, à qual forçosamente hão de pertencer quantos hajam de entrar reino uno dos céus. Porém, tenha-se presente que para conseguir este efeito, basta que o homem tenha pessoal e real intenção de receber o sacramento ou, pelo menos, a tenha habitual, como a têm os meninos, comunicada pela Igreja o batismo (LXXIII, 3).

Que nomes tem a Eucaristia?
Considerada como recordação da paixão do nosso Divino Redentor, chama-se Sacrifício, visto como  aquela imolação foi o sacrifício por excelência; enquanto realiza a unidade de seu corpo místico, que é a Igreja, tem o nome de Comunhão; o de Viático, como prenda da glória futura e o de Eucaristia ou Boa Graça, porque contém realmente Jesus Cristo, fonte e origem de todas as graças (LXXIII, 4).

Quando foi instituído?
Na tarde da Quinta-Feira Santa, véspera do dia da Paixão, para consolar os homens e compensar a ausência de Cristo, prestes a voltar para os céus, cumprida na terra a sua missão; para fazer compreender o enlace íntimo deste sacramento com a paixão do Redentor, única origem da graça, e para promover o seu culto, escolhendo para instituí-lo aquelas memoráveis e soleníssimas circunstâncias (LXXIII, 5).

Teve, na antiga lei, figuras que de uma maneira especialíssima o simbolizavam?
Sim, Senhor; como sacramento ou sinal externo, foi prefigurado no pão e vinho do sacrifício de Melquisedeque; enquanto contém realmente o corpo de Cristo, pelos sacrifícios do Antigo Testamento e, em especial, pelo mais solene de todos, a expiação; como manjar espiritual, pelo maná, e em todos os conceitos, pelo cordeiro pascal que, depois de imolado, se comia com pão ázimo e cujo sangue protegia contra as iras do anjo exterminador (LXXIII, 6).

XXXII

MATÉRIA E FORMA DO SACRAMENTO DA EUCARISTIA: TRANSUBSTANCIAÇÃO, PRESENÇA REAL E ACIDENTES EUCARÍSTICOS

Qual é a matéria do Sacramento da Eucaristia?
Pão de trigo e vinho de uva (LXXIV, 1, 2).

Que sucede na matéria no momento da consagração?
A substância do pão deixa de ser pão e a do vinho deixa de ser vinho (LXXIV, 2).

Em que se convertem as substâncias do pão e do vinho?
A do pão, no Corpo de Jesus Cristo e a do vinho, no seu Sangue (LXXV, 3, 4).

Que nome tem esta conversão ou troca?
O nome de Transubstanciação (LXXV, 4).

Que expressa a palavra transubstanciação?
A conversão de toda a substância do pão na substância do Corpo de Cristo e de toda a substância do vinho na substância do seu Sangue.

Quem é capaz de efetuar tão estupenda transformação?
Só a Onipotência Divina (Ibid).

Converte-se no Corpo e Sangue de Cristo somente a substância ou tudo o que existe no pão e no vinho?
Somente a substância, permanecendo sem alteração os acidentes (LXXV, 2 ad3).

Que entendeis quando afirmais que permanecem os acidentes?
Que continuam, no mesmo estado, a extensão ou quantidade, a figura, a cor, o gosto, a resistência e as mais propriedades ou entidades sensíveis, por meio das quais temos o conhecimento do pão e vinho, antes da consagração.

Por que não se transformam também os acidentes?
Porque são necessários para se manter e assegurar a presença sacramental de Jesus Cristo (Summa contra gentes, livro IV cap. LXIII).

Que aconteceria se os acidentes se transformassem em Corpo e Sangue de Cristo?
Que o que foi pão e vinho desapareceria absoluta e totalmente (Ibid).

Que se segue, pelo contrário, com a permanência das espécies sacramentais?
Que, ligados a elas, mediante as suas respectivas substâncias, estão o Corpo e Sangue de Cristo do mesmo modo como o estavam as substâncias do pão e vinho, de sorte que, assim como antes da transubstanciação, ao tocar os acidentes, tínhamos nas mãos as substâncias do pão e do vinho temos, depois da transubstanciação, o Corpo e o Sangue de Cristo (Ibid).

O que há sob as espécies depois da consagração é identicamente o mesmo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo?
Sim, Senhor (LXXV, 1).

Acha-se Jesus Cristo inteiro e completo no sacramento da Eucaristia?
Sim, Senhor; porque, se bem que sob as espécies do pão, em virtude das palavras sacramentais, só está o Corpo e sob as do vinho, o Sangue, por concomitância e já porque é impossível separar na sua humanidade os dois elementos, como foram separados na cruz, onde quer que esteja o corpo, ali está o sangue e a alma e onde se ache o sangue, o acompanham a alma e o corpo. Quanto à divindade não há dificuldades, pois nunca, nem mesmo durante a morte do Redentor, se separou a pessoa divina de cada um dos componentes de sua humanidade (LXXVI, 1, 3).

Está Jesus Cristo inteiro em cada parte das espécies sacramentais?
Enquanto as espécies permanecem indivisas, está completo em todo o Sacramento e quando se fracionam, está tantas vezes inteiro e completo, quantas partes se hajam feito (LXXVI, 3).

É possível ver, tocar ou de algum modo chegar ao Corpo de Jesus Cristo no estado sacramental?
Não, Senhor; porque aquelas espécies acessórias aos nossos sentidos não são acidentes do Corpo de Cristo, único meio de chegar à sua substância (LXXV, 4-8).

Que se deduz desta verdade?
Que as espécies sacramentais o encerram como prisioneiro, e por sua vez o protegem, de sorte que, quando algum desalmado intente enfurecer-se contra o Corpo de Cristo, só consegue profanar o Sacramento.

São inalteráveis as espécies sacramentais depois da consagração?
Não, Senhor; decompõem-se e transformam-se depois de poucos momentos de ingeridas como alimento, e também se corrompem abandonadas por muito tempo à ação dos agentes atmosféricos (LXXVII, 4).

Que sucede quando as espécies deixam de ser os acidentes do pão e do vinho consagrados?
Que no mesmo instante cessa a presença eucarística de Jesus Cristo, pelo fato de desaparecer o motivo que o retinha enlaçado aos acidentes e, mediante os acidentes, ao lugar por eles ocupado (LXXVI, 6 ad 3).

Logo, a presença eucarística de Jesus Cristo num lugar depende exclusivamente da consagração e da permanência dos mesmos acidentes do pão e do vinho consagrados?
Sim, Senhor; visto que a razão de tal presença não pode advir das mudanças operadas no Corpo impassível de Cristo, mas no pão e no vinho (Ibid).

Como se faz a consagração?
Pronunciando, com as devidas condições, a forma da Consagração (LXXVIII).

Qual é esta forma?
Para consagrar o pão: 'Isto é o meu Corpo'. Para consagrar o vinho: 'Este é o Cálice do meu Sangue, o Sangue do novo e eterno testamento, que por vós e por muitos será derramado em remissão dos pecados'.

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)