sábado, 5 de setembro de 2015

A FÉ EXPLICADA (XVIII): A DESCIDA DE JESUS AOS INFERNOS

Descensus Christi ad Infera

A descida de Jesus aos infernos (ou mansão dos mortos) constitui depósito da fé cristã manifesta explicitamente no chamado Símbolo Apostólico, sendo objeto da mais antiga tradição, expostas num grande número de escritos eclesiásticos de naturezas diversas. No contexto do Símbolo Apostólico, a 'mansão dos mortos' tem uma contextualização muito distinta da concepção moderna, expressando o lugar sombrio (o sheol dos judeus ou o hades dos pagãos) que seria habitado pelos que morreram antes de Cristo. 

Inserida no contexto dos mistérios da Morte, Paixão e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, o descensus ad infera constitui uma expressa manifestação da vitória de Cristo sobre o demônio e de pregação e de libertação dos que morreram justamente: Jesus desceu aos infernos (mansão dos mortos) e não ao inferno (lugar dos condenados) como Mediador e Salvador da humanidade pecadora, para trazer a salvação a todos os justos que viveram e morreram antes de sua morte e ressurreição, inseridos, então, no plano salvífico de sua Redenção, do mesmo modo aplicada a todos os justos que vivem e morrem após a sua Páscoa.  


DESCIDA DE CRISTO AOS INFERNOS

'O que está acontecendo hoje? Um grande silêncio reina sobre a terra. Um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio porque o Rei está dormindo; a terra estremeceu e ficou silenciosa, porque o Deus feito homem adormeceu e acordou os que dormiam há séculos. Deus morreu na carne e despertou na mansão dos mortos.

Ele vai, antes de tudo, à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Faz questão de visitar os que estão mergulhados nas trevas e na sombra da morte. Deus e seu Filho vão ao encontro de Adão e Eva cativos, e agora libertos dos sofrimentos. O Senhor entrou onde eles estavam, levando em suas mãos a arma da cruz vitoriosa. Quando Adão, nosso primeiro pai, o viu, exclamou para todos os demais, batendo no peito e cheio de admiração: 'O meu Senhor está no meio de nós'. 


E Cristo respondeu a Adão: 'E com teu espírito'. E tomando-o pela mão, disse: 'Acorda, tu que dormes, levante dentre os mortos, e Cristo te iluminará. Eu sou o teu Deus, que por tua causa me tornei teu filho; por ti e por aqueles que nasceram de ti, agora digo, e com todo o meu poder, ordeno aos que estavam na prisão: 'Saí!'; e aos que jaziam nas trevas: 'Vinde para a luz!'; e aos entorpecidos: 'Levantai-vos!' 

Eu te ordeno: Acorda, tu que dormes, porque não te criei para permaneceres na mansão dos mortos. Levanta-te, obra de minhas mãos; eu sou a vida dos mortos. Levanta-te, obra das minhas mãos; levanta-te, ó minha imagem, tu que foste criado à minha semelhança. Levanta-te, saiamos daqui; tu em mim e eu em ti, somos uma só e indivisível pessoa.

Por ti, Eu, o teu Deus, me tornei teu filho; por ti, Eu, o Senhor, tomei tua condição de escravo. Por ti, eu, que habito no mais alto dos céus, desci à terra, e fui mesmo sepultado abaixo da terra; por ti, feito homem, tornei-me como alguém sem apoio, abandonado entre os mortos. Por ti, que deixaste o jardim do paraíso, ao sair de um jardim fui entregue aos judeus e num jardim, crucificado.


Vê em meu rosto os escarros que por ti recebi; para restituir-te o sopro da vida original. Vê nas minhas faces as bofetadas que levei para restaurar, conforme à minha imagem, a tua beleza corrompida. Vê em minhas costas as marcas dos açoites que suportei por ti para retirar dos teus ombros os pesos dos pecados. Vê minhas mãos fortemente pregadas à árvore da cruz, por causa de ti, como outrora estendeste levianamente tuas mãos para a árvore do paraíso. 

Adormeci na cruz e por tua causa a lança penetrou no meu lado, como Eva surgiu do teu, ao adormeceres no paraíso. Meu lado curou a dor do teu lado. Meu sono vai arrancar-te do sono da morte. Minha lança deteve a lança que estava voltada contra ti.

Levanta-te, vamos daqui. O inimigo te expulsou da terra do paraíso; Eu, porém, já não te coloco no paraíso mas num trono celeste. O inimigo afastou de ti a árvore, símbolo da vida; eu, porém, que sou a vida, estou agora junto de ti. Constituí anjos que, como servos, te guardassem; ordeno agora que eles te adorem como Deus, embora não sejas Deus. 

Está preparado o trono dos querubins, prontos e a postos os mensageiros, constituído o leito nupcial, preparado o banquete, as mansões e os tabernáculos eternos adornados, abertos os tesouros de todos os bens e o reino dos céus preparado para ti desde toda a eternidade.'

(De uma antiga homilia para o Sábado Santo, século IV)