sábado, 11 de janeiro de 2014

OS SILÊNCIOS DE MARIA

A vida de Maria possui muitos e eloquentes silêncios, desses que falam mais que mil discursos. O primeiro deles é aquele que se refere à vida antes da anunciação. Quem era Maria? Os Evangelhos nada falam sobre o passado de Maria. Omitem o nome de seus pais e não nos dão qualquer informação. O evangelista Lucas revela que ela era imaculada, cheia da graça de Deus, virgem prometida a José. E só. Antes disso, um grande e misterioso silêncio, que nos deixa curiosos e sem respostas. 

Somente Maria sabia quando seria a plenitude dos tempos (cf. Gl 4, 4), o kairós em que a Palavra se haveria de transformar. O segundo silêncio de Maria sobre o mistério da encarnação gerou a dúvida de José, que depois seria visitado em sonhos pelo anjo (cf. Mt 1, 20s). O terceiro silêncio de Maria poderíamos buscá-lo em sua vida oculta, no lar de Nazaré. Desde a gruta de Belém, ao exílio no Egito e no retorno à Galileia, a mãe de Jesus guardou silencioso recolhimento em seu coração. Ela, até o início da vida pública, não diria nada, a ninguém, a respeito de seu Filho. Ela não procurava, como nós, as glórias do mundo que os homens dão às pessoas importantes. Ela apenas curtiu os grandes e fecundos silêncios de Deus. Um silêncio que nós hoje não sabemos fazer... 

Na vida pública de Jesus encontramos o quarto silêncio de Maria. Mesmo acompanhando o filho em tantas atividades missionárias, enquanto Jesus evangelizava com discursos, denúncias, curas e grande sinais, ela o fazia de outro modo. Com oração, presença e silêncio. Nesse período, ela só falou em Caná, lugar privilegiado do primeiro milagre. Primeiro disse ao Filho que o vinho faltara naquela festa. Depois, aos serventes (e continua dizendo a nós) o façam tudo que ele disser a vocês! (cf. Jo 2, 5). 

Maria esteve presente e silenciosa na cruz. De pé e calada (cf. Jo 19, 25). O quinto e expressivo silêncio de Maria, que coroa sua vida terrena, aconteceu depois da ascensão de Jesus. Depois da subida do Filho aos céus, cai um silêncio profundo sobre a vida de Maria. Onde morou depois ? Quantos anos mais ainda viveu? Na caminhada da Igreja que nasce sente-se a presença de Maria; sente-se um silêncio, uma animação. No silêncio de Maria a Igreja aprende a caminhar na direção do Reino. Do Antigo Testamento, Maria tirou as lições silenciosas de aceitação à soberana vontade de Javé: Por acaso a argila pergunta ao oleiro: ‘O que estás fazendo ?’(cf. Is 45, 9b). 

Sentindo-se barro nas mãos do artista, Maria acolhe, no silêncio da fé e da humildade, suas missões. Em suas pregações, Jesus haveria, posteriormente, de exaltar essa silenciosa humildade: ‘Quem se humilha será exaltado’ (cf. Lc 14, 11)”. Nos livros sapienciais do Antigo Testamento, encontramos o silêncio como figura de algo eficaz: Enquanto um silêncio profundo envolvia todas as coisas, e a noite estava pela metade, a tua Palavra, todo-poderosa veio do alto do céu, do seu trono real, e lançou-se sobre a terra (cf. Sb 18, 14ss). 

Jesus, há quem diga, aprendeu o cerne das bem-aventuranças no silêncio do seio de Maria, sua mãe. Nesse silêncio expressivo Cristo foi gerado. Ali 'o verbo se fez carne', a Palavra tornou-se homem, a salvação começou a tomar corpo, a Igreja surgiu. Silêncio pode significar uma porção de coisas. No caso de Maria, não é passividade, mas introspecção; não é apatia, mas revolucionária e transformante atividade. É seiva humilde alimentando um majestoso cedro. 

O silêncio de Maria não é estéril ou inócuo. Pelo contrário, ele é rico em revelações, prodigioso em encontros. É difícil tirar-se lições do silêncio. Em geral o que comove, convence e efetua mudanças, são as palavras, os discursos, os debates. No caso de Maria, mãe de Jesus, dá-se o inverso. Ela é a mãe silenciosa que ama, crê, sofre, espera... e por isso seu exemplo de silêncio traz consigo uma carga evangelizadora superior a milhares de palavras.

(Excertos da obra 'O silêncio de Maria', de A.M. Galvão)