quinta-feira, 9 de outubro de 2014

A MINHA CRUZ


Também a mim Jesus quis dar uma cruz. E que melhor coisa Ele podia dar-me, depois de si mesmo, do que o Trono onde reinou na hora da sua máxima vitória, quando subjugou o inferno? Se Ele há de aparecer no último dia flanqueado pela cruz, não é justo e belo que eu me encaminhe para a eternidade levando-a sobre os ombros?

Às vezes relanceio os olhos em torno e vejo muitas cruzes arrastadas pelos meus irmãos. Ao vê-las tão de longe, parecem-me pequenas e ligeiras mas, se me aproximo a examiná-las, constato que são feitas como a minha e, às vezes, ainda mais pesadas. Não seria uma estultice perguntar a Deus porque me deu uma cruz? Eu sou filho de Adão e filho de Jesus: filho do primeiro culpado e filho do maior inocente; portanto? Portanto, devo também eu ter uma cruz para fazer penitência e santificar-me na imitação de Jesus.

Quem é que sabe que eu tenho uma cruz? Quase ninguém. E quem se compadece ao ver-me vergado ao peso dela? Bem poucos e, certos dias, absolutamente ninguém. As criaturas tendem mais para a alegria que para a dor: eis porque os dolentes são muitas vezes abandonados. Mas se poucos ou ninguém se ocupa de mim, há um que sabe tudo o que tenho sobre os ombros e me pesa no coração: é Jesus. Que alegria apresentar-me a Jesus e ser conhecido por Ele somente! Assim, posso confidenciar com Ele só, eu e Ele, falar-lhe dos meus sofrimentos, sem que o mundo venha tentar-me com os seus perigosos confortos. Ah! Quando se sofre, é muito mais fácil entendermo-nos com Jesus do que com as criaturas.

O mundo tem um critério que é uma verdadeira malícia. Quando alguém geme sob o peso da cruz que o esmaga, julga-se que ele seja um culpado e, em vez de se admirar a sua paciência e expiação, considera-se exclusivamente a sua culpa e ele é desprezado. Jesus, ao contrário, segue o critério oposto. Quando vou encontrá-lo, Ele olha-me sorrindo. Mas por quê? Não o tenho eu ofendido mil vezes? Sim, mas agora trago a cruz do sofrimento e da penitência, e é isto o que mais lhe agrada. Se comigo entrassem na igreja todos os reis da Terra cingindo as suas coroas e empunhando os seus cetros, Jesus, ao dar-nos audiência, receber-me-ia a mim de preferência, porque eu trago uma cruz e eles não.

Pobre coração o meu! Também tu lamentas de teres de arrastar uma cruz, tu que eras chamado para a alegria e para a felicidade. Pobre coração! De que serviriam todas as minhas penitências, se tu não fosses o primeiro a sofrer, e se não sofresses mais que todos os sentidos e que toda a minha alma? Todo o mal que eu pratiquei não veio porventura de ti? Foste tu que me afastaste de Jesus para me impelir a amar as criaturas; por isso toca-te agora a parte mais amarga da expiação. De resto, és tu que recebes todas as manhãs o teu Jesus; e desejarias que Jesus descesse a um coração sem encontrar nele ao menos um pouco do seu calvário, uma relíquia da sua cruz, uma reminiscência da sua paixão e morte? Ah! Se não tivesses também tu a tua cruz, em um só dia tornar-te-ias tão mau como dantes.

Eu beijo, embora chorando, a minha cruz, porque, se não fosse ela, eu não me teria avizinhando tanto do Tabernáculo. Ah! Quando se sofre, não bastam já ao coração as imagens santas; quer-se uma realidade vivente, falante e, sobretudo, amante; mas onde encontrá-la fora do Tabernáculo? Agora, depois de tantas dores suportadas, se me propusessem aliviar-me da minha cruz com a condição de me distanciar de Jesus Sacramentado, embora esteja cansado de sofrer e desejoso de repousar em paz, repeliria a oferta, como se repele um veneno. A cruz amargura-me a alma e o coração, é verdade; mas não tão completamente, que não lhes deixe intactas e livres as partes mais recônditas, mais secretas e mais delicadas; e é aqui exatamente que vem repousar o meu Jesus quando o recebo na Comunhão. Se a cruz me fere e me pesa externamente, Jesus me alegra e me conforta na parte mais viva e mais íntima do meu ser.

Pensando bem, vejo que é uma estultice considerar as cruzes unicamente como um castigo dos pecados cometidos. Mais que um castigo, a cruz é uma honra, porque é uma participação da paixão de Jesus e produz na alma uma semelhança belíssima com Ele. Que coisas seriam todas as virtudes cristãs se não fossem embelezadas e enriquecidas por uma cruz? É inútil procurar uma santidade que sofra, porque é impossível haver sabor de virtude que não amadureça sobre o Calvário. Portanto, se sofro, sou honrado e santificado pelo meu próprio sofrimento, e devo agradecer a Jesus que, quando vem encontrar-me, traz-me sempre um pouco desta santidade; nem me devo maravilhar se, depois de feita a Comunhão, voltando às costumeiras ocupações, encontro muitas vezes uma cruz bela e preparada. É o presente de Jesus ao seu dileto.

A minha cruz é ainda santa, porque me foi dada por Jesus, e é destinada a santificar-me. Contudo, quando adoro Jesus junto do Tabernáculo e, mais ainda, quando o aperto ao coração na Comunhão, depois de lhe oferecer tudo o que a cruz me faz sofrer, não sei por que extravagância do espírito, quisera deixar ali a minha cruz e ir-me embora sem ela. É este um sinal evidentíssimo da pouca perfeição com que o visito e o recebo, e uma revelação da minha insensatez, visto demonstrar como eu tenho esquecido a sentença de Jesus: que não é digno d'Ele quem não arrasta a sua cruz. Se há uma coisa que deveria me fazer amar a cruz e me torná-la leve, é exatamente a Eucaristia; e eu hei de querer servir-me da Eucaristia para livrar-me das minhas cruzes?

Quando contemplo as imagens do Coração de Jesus, faz-me sempre uma singular impressão vê-lo com uma cruz implantada ao meio, com uma abertura no lado e todo cingido em torno por uma coroa de espinhos: são estes os símbolos dos seus sofrimentos imensos. Mas o que mais me impressiona é ver que, das feridas produzidas pela cruz, pela lança e pelos espinhos, saem tantas flamas, que são outros tantos símbolos do amor. Portanto, concluo comigo mesmo que o Coração de Jesus é feito de tal maneira que as feridas, que os homens lhe fazem, correspondem não a raios da indignação e da vingança, mas a chamas de amor. 

Oh! Se o meu coração se assemelhasse um pouco ao Coração de Jesus! Como me tornaria santo bem depressa, se a todo o golpe que Jesus me dá com a cruz, a toda a tribulação que me manda, eu soubesse responder, não com lamentos e impaciências, como estou acostumado, mas com outras tantas chamas de amor! E, todavia, se desejo que o meu coração se torne semelhante ao seu, devo desejar amá-lo em proporção daquilo que sofro e desejar sofrer ainda mais para poder amá-lo sempre mais. Assim deveria fazer. Mas, quanto estou longe do perfeito cumprimento do meu dever!

A minha Cruz... Pobre cruz! Um pouco a desejo, e outro pouco a temo: ora a encontro bela, e ora me causa repulsão: hoje beijo-a e amanhã dela me afasto. E pensar que esta cruz afinal não é minha, mas a própria Cruz de Jesus! Se a olho bem vejo ainda, aqui e além, pérolas de sangue que correm misturadas a gotas de pranto. São o Sangue de Jesus e as lágrimas de Maria. E porque não desejá-la sempre, não a encontrar sempre bela, não a beijar sempre? Certo que, se espero conhecer-lhe o mérito escutando a voz do mundo, a cruz me será sempre apresentada como uma coisa detestável. O melhor será arrastá-la sempre recorrendo a Jesus e rogando-lhe que me faça conhecer tal qual ela é, e amá-la quanto merece. Assim farei sempre; e Jesus me verá todos os dias afastado das criaturas, reconhecido aos pés d'Ele e, como um prisioneiro do Tabernáculo, a mover-me incessantemente entre a sua Cruz e o seu Coração.

(Excertos da obra 'Centelhas Eucarísticas', de original italiano, 1906; trad. de Adolfo Tarroso Gomes, 1924)

terça-feira, 7 de outubro de 2014

ABERRAÇÕES LITÚRGICAS (VI)


O que é isso? Um ET de Varginha? Um natimorto? Um alienígena saído de alguma nave sepulcral? Nada disso: eis aí Jesus Cristo, na figura de um extraterrestre, morrendo na cruz, na concepção da XII Estação da Via Sacra representada na diocese francesa de Belfort-Montbéliard, quadro que traz logo abaixo a legenda bíblica (Jo 19, 30):

Jésus meurt sur la croix

Quand il eut pris le vinaigre, Jésus dit: 'tout est consommé' et en inclinant la tête il rendit le souffle. 


E que porcaria poderia ser o quadro acima? Um festim de bêbados? Uma família de drogados? Uma amostra grátis de demência coletiva? Não; essa 'obra de arte' retrata nada mais nada menos que uma paródia da Última Ceia de Jesus, e está exposta publicamente no Museu da Diocese de Würburg, na Alemanha. Seis mulheres e duas crianças compõem os 12 personagens do quadro; 3 adultos e as duas crianças são apresentados em nudez completa. O infeliz visitante, ao se posicionar frontalmente ao quadro, vê o reflexo de sua imagem ocupar o lugar do Jesus ausente (como se mostra na foto), no centro do arranjo demencial. 

domingo, 5 de outubro de 2014

05 DE OUTUBRO - SANTA FAUSTINA KOWALSKA


Helena Kowalska nasceu em 25 de agosto de 1905, na aldeia de Glogowiec (Polônia), terceira de dez irmãos, em uma pobre família de camponeses. Desde tenra infância, distinguiu-se pela piedade e obediência, amor à oração e pelo propósito de dedicar sua vida à glória de Deus. Teve de deixar a casa paterna aos 16 anos para trabalhar como empregada doméstica em Aleksandrow, perto de Lodz, a fim de buscar a própria subsistência e ajudar sua família. 

Foi aí que experimentou, em uma de suas inúmeras revelações místicas, o chamado definitivo para a vida religiosa. Após muitas recusas em Varsóvia, capital da Polônia, ingressou em 1º de agosto de 1925 na Congregação das Irmãs de Nossa Senhora da Misericórdia, onde recebeu o hábito de noviça em 30 de abril de 1926, com o nome de Irmã Maria Faustina do Santíssimo Sacramento; em 1º de maio de 1933, Irmã Faustina fez os seus votos perpétuos.

Fui incumbida por Jesus com a missão de ser a alma do apostolado e da devoção à Divina Misericórdia, por meio de inúmeras mensagens, visões, conversações e revelações que recebeu de Jesus, as quais foram escritas e sistematizadas na forma de um Diário, por expressa determinação do Senhor, e que constitui uma obra de raro valor teológico, atualmente traduzido em dezenas de línguas e divulgado no mundo inteiro.  

(trecho original do 'Diário')

Em 22 de fevereiro de 1931, Santa Faustina teve a extraordinária visão de Jesus da Infinita Misericórdia, vestido de branco, com a mão direita levantada em atitude de bênção e com dois raios, um branco e outro vermelho, irradiando-se do peito. Ouviu a seguir a instrução de Jesus para que se pintasse um quadro segundo o modelo que ela estava vendo, com a inscrição: 'Jesus, eu confio em Vós' e a promessa que a alma que venerasse a imagem seria salva para a glória eterna pelo próprio Jesus. O quadro foi pintado, mais tarde, pelo artista Eugeniusz Kazimirowski. Entre outras dezenas de revelações e instruções impressionantes, Jesus ensinou a Faustina o Terço da Misericórdia e pediu expressamente à Igreja a instituição do domingo seguinte à Páscoa como sendo a Festa da Misericórdia.

(quadro original de Jesus de Infinita Misericórdia)

Irmã Faustina ofereceu a sua vida a Deus em sacrifício pelos pecadores e a eles ofereceu jejuns extenuantes e, por essa razão, foi submetida a numerosos sofrimentos. Padeceu várias doenças físicas e viveu experiências místicas extremamente dolorosas – da chamada noite escura aos sofrimentos espirituais relacionados ao cumprimento da missão que havia recebido de Jesus Cristo. Neste calvário particular, faleceu no dia 5 de outubro de 1938, com fama de santidade, aos 33 anos de idade e após 13 anos de vida religiosa. Foi beatificada em 1993 e proclamada Santa Maria Faustina Kowalski pelo papa João Paulo II no ano 2000. As suas relíquias são atualmente veneradas no Santuário da Divina Misericórdia, em Cracóvia.

(Santuário da Divina Misericórdia, em Cracóvia/ Polônia)

A PARÁBOLA DOS VINHATEIROS HOMICIDAS

Páginas do Evangelho - Vigésimo Sétimo Domingo do Tempo Comum



O Evangelho deste domingo apresenta mais um evento relativo aos enfrentamentos públicos de Jesus com os mestres da lei e os anciãos do Templo, na terça-feira santa, logo após o júbilo messiânico vivido pelo povo de Jerusalém naquele Domingo de Ramos. Nenhum outro apóstolo detalhou, com maior precisão e rigor, estes últimos acontecimentos que antecederam a Paixão e Morte de Nosso Senhor, do que São Mateus.

Àqueles homens duros de coração, letrados nos textos das Sagradas Escrituras e sabedores por excelência que 'a vinha do Senhor é a casa de Israel' (refrão do salmo 79), Jesus vai proclamar a perda e a devastação desta vinha, que será abandonada pelo seu dono e deixada à mercê das sarças e dos espinhos que a tornarão 'inculta e selvagem' (Is 5, 6). E que, mais além, será restaurada e tornada cultura de raro louvor porque 'o Reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que produzirá frutos' (Mt 21, 43). Trata-se de um testemunho explícito de que o juízo de Deus extrapola apenas o plano individual, mas alcança a dimensão de povos e nações e, portanto, de toda a humanidade por gerações.

A vinha do Senhor foi preparada, cercada, cuidada com zelo; depois, arrendada a vinhateiros para que dela cuidassem com o mesmo esmero e dela produzissem muitos frutos bons. Mas eis que estes maus zeladores corromperam a obra de Deus e produziram na vinha apenas frutos de injustiça e de iniquidade. Sabedores dos suas omissões e desvarios, e ensandecidos pela cobiça e pelo orgulho, fazem morrer não apenas os enviados do Senhor (os grandes profetas), mas o próprio filho do Senhor da vinha. Diante de passagens tão explícitas àqueles tempos e àqueles personagens, estes não parecem perceber que resumem a própria condenação nas suas próprias palavras: (o senhor da vinha) 'mandará matar de modo violento esses perversos e arrendará a vinha a outros vinhateiros, que lhe entregarão os frutos no tempo certo' (Mt 21, 41).

Nesta parábola Jesus nos interpela, a cada um de nós, a zelar pela vinha que somos, com zelo extremado de salvação eterna, fugindo das ciladas das vaidades e do orgulho humano dos vinhateiros homicidas. Não podemos matar em nós o puro amor cristão, não podemos matar os dons recebidos e as virtudes do coração, não podemos matar a graça santificadora do batismo, não podemos matar em nós a herança do Reino de Deus; mas devemos nos ocupar 'com tudo o que é verdadeiro, respeitável, justo, puro, amável, honroso, tudo o que é virtude ou de qualquer modo mereça louvor' (Fl 4, 8) porque, nas vinhas do Senhor, somente florescem as videiras que produzem frutos de vida eterna.

sábado, 4 de outubro de 2014

BREVIÁRIO DIGITAL - CATECISMO ILUSTRADO DE 1910 (III)



(Catecismo Ilustrado de 1910, parte III)

A CONTRIÇÃO PERFEITA

Contrição é uma dor da alma e uma detestação dos pecados cometidos. Deve acompanhá-la o propósito, quer dizer, uma firme vontade de emendar a vida e de não mais pecar. Para que a contrição seja legítima, deve ser interna e estar na alma, isto é‚ que não seja uma mera expressão feita com os lábios e sem reflexão: isto seria apenas contrição de boca.

Não é necessário manifestar exteriormente a contrição interna por meio de suspiros, lágrimas, etc; tudo isto pode ser sinal de contrição, não é, porém, sua essência. A essência da contrição está na alma, na vontade, em afastar-se deveras do pecado e converter-se para Deus. Além disto, a contrição deve ser geral, quer dizer, deve estender-se a todos os pecados cometidos ou, pelo menos, a todos os mortais. Deve, finalmente, ser sobrenatural e não meramente natural, pois esta nada aproveita.

Segue-se que a contrição, como todo o bem, deve proceder de Deus e da sua graça, e, com a graça de Deus, desenvolver-se na alma. Porém, não tenhas receio; basta que a peças, basta que tenhas boa vontade e te arrependas por algum motivo legítimo, sobrenatural, e Deus te dará a graça necessária. Se o motivo se funda na natureza ou somente na razão (por exemplo, nos danos temporais, na vergonha, doença, etc.), é muito fácil que a dor seja puramente natural e sem mérito; porém, se o motivo da contrição é alguma verdade da Fé, por exemplo: o inferno, o purgatório, o céu, Deus, etc, então a contrição é legítima, sobrenatural.

E esta contrição legítima e sobrenatural pode, por sua vez, ser de duas classes: perfeita e imperfeita; e com isto temos chegado a nossa matéria da contrição perfeita. Em poucas palavras, contrição perfeita é a contrição que procede de amor; imperfeita, a que procede do temor de Deus.

É contrição perfeita quando procede de amor perfeito a Deus. Pois bem, o nosso amor a Deus é perfeito quando o amamos porque Ele é em Si infinitamente perfeito, formoso e bom (amor de benevolência), e porque nos mostrou de uma maneira tão admirável o seu amor (amor de agradecimento).

É imperfeito o amor de Deus quando o amamos porque esperamos alguma coisa dEle. De modo que, com o amor imperfeito, pensamos sobretudo nos dons; com o perfeito, na bondade do doador; com o amor imperfeito, amamos mais os dons; com o perfeito amamos mais o doador, e isto não tanto pelos seus dons como pelo amor e bondade que nos dons se manifesta.

Do amor nasce a contrição. Será, pois, perfeita a contrição se nos arrependermos dos pecados por amor perfeito de Deus, quer seja de benevolência quer de agradecimento. Será imperfeita se nos arrependermos dos pecados por temor de Deus, porque pelo pecado perdemos a recompensa de Deus, o Céu, e merecemos seu castigo, o inferno ou o purgatório.

Na contrição imperfeita, fixamo-nos principalmente em nós e nas desgraças que, segundo a Fé nos ensina, nos acarretou o pecado. Na contrição perfeita, fixamo-nos sobretudo em Deus, na sua grandeza, na sua formosura, amor e bondade, vendo quanto o pecado O ofende, e que foi o pecado que Lhe ocasionou tantos sofrimentos e dores para nos redimir. Na contrição perfeita, não queremos unicamente o nosso bem, senão o bem de Deus.

Com um exemplo o verás melhor. Quando São Pedro negou o Divino Salvador, saiu fora e 'chorou amargamente (Lc 22,62). — Por que chora São Pedro? É, porventura, pensando na vergonha que vai ter diante dos outros apóstolos? Se assim fosse, a sua dor teria sido puramente natural e sem mérito. É porque receia que seu Divino Mestre lhe tire, como ele merece, o cargo de Apóstolo e Superior e o expulse do seu reino? Então seria boa contrição, mas somente imperfeita. Mas, não; Pedro arrepende-se e chora, antes de tudo, porque ofendeu a seu amado Mestre, tão bom, tão santo, tão digno de ser amado e por ser tão desagradecido ao seu imenso amor por ele. Tem, pois, verdadeira e perfeita contrição.

Agora dize-me: tens tu também, cristão de minha alma, algum fundamento, algum motivo, parecido com o de São Pedro, para te arrependeres dos teus pecados por amor, e por amor perfeito e agradecido? Sim, certamente, pois os benefícios que Deus te tem feito são mais que os cabelos da tua cabeça, e, considerando-os, podes dizer, em cada um deles, o que dizia São João: 'Amemos a Deus já que Ele nos amou primeiro' (Jo 4,19). E como te amou? 'Com amor eterno te amei' — disse Ele — 'e me compadeci de ti e te atrai a mim' (Jer 31,3).

Sim, com amor eterno te amou. Desde toda a eternidade, desde quando ainda não havia nem um átomo de ti sobre a terra, te olhou com aqueles seus olhos amorosos e que tudo penetram, e te preparou alma e corpo, céu e terra, com o amor com que uma mãe prepara todo o necessário para o filhinho que ainda não nasceu. Ele deu-te a saúde e a vida, Ele te deu e te dá, em cada dia, todos os bens naturais. Consideração esta que até aos pagãos pode fazê-los chegar ao conhecimento e amor perfeito de Deus; quanto mais a ti, cristão, que conheces outro gênero muito diferente de amor e de bondade, o amor e bondade sobrenatural de Deus para contigo; porque Deus se compadeceu de ti; e quando, com todo o gênero humano, estavas condenado pela culpa original, Deus enviou o seu Unigênito Filho, e Ele se fez teu Salvador e te remiu com seu sangue, morrendo na Cruz. 

E em ti pensava com entranhado amor quando agonizava no horto das Oliveiras, e quando derramava o seu sangue com os açoites e os espinhos, e quando subia arrastando a pesada Cruz pelo longo e áspero caminho do Calvário; e quando, cravado nela, se desfazia em sangue entre indizíveis tormentos. Em ti pensava com entranhado amor, como se tu foras o único homem da terra. Que tens a concluir daqui? 'Amemos a Deus já que Ele nos amou primeiro' (Jo 4,19).

E Deus te atraiu a Ele pelo batismo, graça capital e primeira da tua vida, e pela Igreja, em cujo seio foste então admitido. Quantos há que, só a força de trabalhos e canseiras, conseguem encontrar a verdadeira Fé, e a ti te a ofereceu Deus desde o berço, por puro amor. Atraiu-te a Ele e te atrai sempre pelos sacramentos e pelas inumeráveis graças interiores e exteriores de que te enche todos os dias, pois, em verdade, estás nadando, como em um imenso mar, na bondade e amor de Deus. E este amor quer ainda coroá-lo colocando-te consigo no Céu e fazendo-te eternamente feliz. Que lhe deves por tanto amor? Não é verdade que deves corresponder a ele? Amemos também a Deus já que Ele nos amou primeiro. 

Pois, vamos a contas e dize-me: Como tens pago a Deus, tão bom e amoroso, o seu amor e bondade para contigo? Dir-me-ás, sem dúvida, que com ingratidão e pecados. E pesa-te essa ingratidão? Sem dúvida que sim e queres ressarcir a tua pesada ingratidão, amando quanto possas tão grande e amoroso benfeitor. Pois, olha, se assim é, já tens contrição perfeita, contrição de amor de Deus. Para facilitar, chama-se a esta contrição de amor de Deus, contrição de amor ou de caridade.

Na mesma contrição de caridade, há uma mais levantada, que é quando alguém ama a Deus porque Ele é em si infinitamente formoso, glorioso, perfeito e digno de amor, prescindindo do seu amor e misericórdia para conosco. Há estrelas — e com esta comparação julgo que entenderás melhor — que, por estarem muito longe de nós, não as podemos distinguir e, contudo, são tão grandes e formosas como o sol, que tão prodigamente nos dá o calor e a vida. Pois assim, ainda quando o homem não tivesse visto nem gozado nunca do amor de Deus, eterna estrela do céu, ainda quando Deus não tivesse criado o mundo nem criatura alguma, seria apesar disso grande, formoso, glorioso e digno de ser amado, porque é em si mesmo e para si, o bem mais excelente, o mais perfeito e digno de amor. Isto e não outra coisa quer dizer essa expressão que, mais de uma vez, terás encontrado nos devocionários e nas fórmulas do ato de contrição e te terá parecido talvez algum tanto obscura. Detém-te, pois, agora e contempla o amor de Deus; contempla-o, sobretudo, nos amargos sofrimentos do Salvador, a cuja luz o compreenderás tão facilmente como facilmente te arrebatará o coração. 

(Excertos da obra 'A contrição Perfeita', de J. de Driesch, 1913) 

PRIMEIRO SÁBADO DE OUTUBRO


Mensagem de Nossa Senhora à Irmã Lúcia, vidente de Fátima: 
                                                                                                                           (Pontevedra / Espanha)

‘Olha, Minha filha, o Meu Coração cercado de espinhos que os homens ingratos a todo o momento Me cravam, com blasfêmias e ingratidões. Tu, ao menos, vê de Me consolar e diz que a todos aqueles que durante cinco meses seguidos, no primeiro sábado, se confessarem*, recebendo a Sagrada Comunhão, rezarem um Terço e Me fizerem 15 minutos de companhia, meditando nos 15 Mistérios do Rosário com o fim de Me desagravar, Eu prometo assistir-lhes à hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação.’
* Com base em aparições posteriores, esclareceu-se que a confissão poderia não se realizar no sábado propriamente dito, mas antes, desde que feita com a intenção explícita (interiormente) de se fazê-la para fins de reparação às blasfêmias cometidas contra o Imaculado Coração de Maria no primeiro sábado seguinte.