quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

VISÕES DO INFERNO (V)


DE SÃO JOÃO BOSCO

Passarão cem anos, mil anos, e o Inferno estará apenas começando; passarão cem mil anos, cem milhões de anos, milhões de milhões de anos e de séculos…e o Inferno estará ainda apenas começando. Se um Anjo anunciasse a um condenado que Deus haveria de livrá-lo do Inferno depois de passar tantos milhões de séculos como gotas de água que há no mar, ou folhas de árvores e grãos de areia no mundo, essa notícia lhe causaria logo um consolo indizível. 'É certo, exclamaria, que é imenso o número de séculos que sofrerei, afinal, haverá um dia em que eles acabarão'. 

Mas, ai! passarão esses milhões de séculos e uma infinidade de outros, e o Inferno estará sempre apenas começando. Cada condenado quereria poder dizer a Deus: 'Senhor, aumentai quanto quiserdes minhas penas, e fazei-me permanecer aqui o tempo que quiserdes, contanto que me deis a esperança de ver este suplício acabar um dia!' Mas não! Esse término e essa esperança jamais chegarão.

Se ao menos o condenado pudesse iludir-se a si mesmo, pensando consigo: 'Quem sabe se Deus algum dia terá piedade de mim e me tirará deste abismo!' Mas, não! Jamais abrigará esta esperança! O condenado terá sempre presente a sentença de sua condenação eterna: 'Estes tormentos, este fogo, estes horríveis gritos, eu os terei para sempre'.

Sempre! verá escrito nas chamas que o devoram. Sempre! na ponta das espadas que o transpassam; Sempre!, nas horríveis fisionomias dos demônios que o atormentam; Sempre!, naquelas portas fechadas que jamais se abrirão para ele! Ó eternidade, ó abismo sem fundo! Ó mar sem limites! Ó caverna sem saída! Quem não tremerá pensando em ti? Ó maldito pecado, que tremendos suplícios preparas para quem te comete! Ah! Basta de pecados, basta de pecados em toda a minha vida!

O que deve encher-te de espanto é pensar que essa horrível fornalha está sempre aberta debaixo de teus pés e que basta um único pecado mortal para cair nela. Compreendes, meu filho, isto que lês? Um pecado que cometes com tanta facilidade merece uma pena eterna. Uma blasfêmia, uma profanação dos dias festivos, um furto, um ódio, uma palavra, um ato, um pensamento obsceno, bastam para condenar-te às penas do Inferno.

Ah! meu filho, ouve atentamente o meu conselho; se a consciência te censura de algum pecado, vai imediatamente confessar-te para principiar logo uma boa vida; põe em prática todos os conselhos do teu confessor e, se for necessário, faz uma confissão geral; promete fugir das ocasiões perigosas, das más companhias, e se Deus te chamar a deixar o mundo, obedece-Lhe com prontidão. Tudo o que se faz para evitar uma eternidade de tormentos é pouco, é nada: 'nenhuma segurança é excessiva quando está em jogo a eternidade', escreveu São Bernardo.

Oh! quantos jovens na flor da idade abandonaram o mundo, a pátria, a família e foram sepultar-se nas grutas e desertos, não vivendo senão de pão e água, às vezes só de algumas raízes!…E tudo isso para evitarem o Inferno! E tu, o que fazes, depois de merecer tantas vezes o Inferno pelo pecado? Lança-te aos pés de teu Deus e diz a Ele: 'Senhor, vede-me pronto a fazer tudo o que quiserdes; já Vos ofendi demais até agora; de hoje em diante não Vos quero mais ofender; enviai-me, se preciso, todos os males nesta vida, desde que possa salvar minha alma.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O DOM DA CIÊNCIA

A alma, estando desligada do mal pelo Temor de Deus e aberta às nobres afeições do dom de Piedade, experimenta a necessidade de saber como evitará aquilo que é objeto de seu temor e como encontrará o que deve amar. O Espírito Santo vem em seu socorro e lhe trás o que deseja, derramando o dom de Ciência. Por este dom precioso a verdade lhe aparece, ela sabe o que Deus pede e o que reprova, o que deve procurar e do que deve fugir. 

Sem a Ciência divina nossa vista corre o risco de perder-se por causa das trevas que muitas vezes obscurecem totalmente, ou em parte, a inteligência do homem. Essas trevas são provenientes, primeiramente, do fundo de nós mesmos, que carrega os traços, bem reais, da decadência do pecado original. São ainda causadas pelos preconceitos e máximas do mundo que enganam diariamente os espíritos que se creem os mais retos. Enfim, a ação de Satã, que é o príncipe das trevas, exerce-se em grande parte com o fim de envolver nossa alma na obscuridade ou perdê-la com a ajuda de luzes falsas.

A fé que nos foi infundida no batismo é a luz de nossa alma. Pelo dom de Ciência, o Espírito Santo produz, na virtude da fé, raios tão vivos, que dissipam todas as trevas. As dúvidas, então, se esclarecem, o erro se desvanece e a verdade aparece com todo seu fulgor. Vemos cada coisa na sua verdadeira claridade que é a claridade da fé. Descobrem-se os deploráveis erros que estão em curso no mundo, que seduzem tão grande número de almas, dois quais, talvez tenhamos sido, nós mesmos, durante muito tempo, vítimas.

O dom de Ciência nos revela o fim que Deus se propôs na criação, aquele fim fora do qual os seres não poderiam encontrar nem o bem nem o repouso. Ensina o uso que devemos fazer das criaturas, que nos são dadas não para tropeço, mas para nos ajudar em nossa marcha para Deus. Sendo-nos, assim, manifestado o segredo da vida, nossa estrada torna-se segura, não hesitamos mais e nos sentimos dispostos a nos retirar de todo caminho que não nos conduza àquele fim.

É esta Ciência, dom do Espírito Santo, que o Apóstolo tem em vista quando, falando aos Cristãos diz: 'Antes éreis trevas; agora sois luz no Senhor: andeis agora como filhos da luz'. Daí vem a firmeza e a segurança da conduta cristã. A experiência pode faltar algumas vezes e o mundo se perturba com o pensamento de dar algum temível passo em falso; mas o mundo não conta com o dom de Ciência. 'O Senhor conduz o justo por vias retas e para assegurar seus passos lhe deu a Ciência dos santos'.

Todos os dias esta lição é dada. O Cristão, por meio da luz sobrenatural, escapa a todos os perigos e, se não tem experiência própria, tem a experiência de Deus. Seja bendito, Divino Espírito, por essa luz que derramais e mantendes em nós com tão amável perseverança. Não permitais que nunca procuremos uma outra. Somente ela nos baste; fora dela só há trevas. Guardai-nos das tristes inconsequências em que muitos se deixam levar imprudentemente, aceitando um dia vossa conduta e depois se entregando às opiniões do mundo; levando uma vida que não satisfaz nem ao mundo nem a Vós.

Precisamos, pois, amar esta Ciência que nos destes para que sejamos salvos; o inimigo de nossas almas inveja em nós essa Ciência salutar; quer substituí-la por suas sombras. Não permitais, Divino Espírito, que ele consiga seu pérfido desígnio e ajudai-nos sempre a discernir o que é verdadeiro do que é falso, o que é justo do que é injusto. Que segundo a palavra de Jesus, nosso olhar seja simples, afim de que nosso corpo, quer dizer o conjunto de nossos atos, de nossos desejos e de nossos pensamentos, esteja na luz; salvai-nos daquele olho que Jesus chama de mau e que torna tenebroso o corpo inteiro.

(Excertos da obra 'Os Dons do Espírito Santo', de Dom Prosper Gueranger, Ed. Permanência, 2007)

domingo, 16 de fevereiro de 2014

'E EU VOS DIGO...'

Páginas do Evangelho - Sexto Domingo do Tempo Comum


Nas palavras: 'Em verdade, Eu vos digo: antes que o céu e a terra deixem de existir, nem uma só letra ou vírgula serão tiradas da Lei, sem que tudo se cumpra' (Mt 5, 18), Jesus proclama que a Boa Nova do Evangelho trazida à humanidade, como instrumente de resgate e não de abolição à Antiga Lei, está fundada na Verdade Absoluta, imutável no espaço e no tempo, desde os nossos primeiros pais até o último homem da face da terra. O pecado é o mesmo ontem e hoje, e os Dez Mandamentos modelam a história humana na dimensão divina.

A plenitude do exercício do Decálogo é a via de santificação perfeita. O Céu é uma porta aberta para os que se consomem e se alimentam da Verdade de Cristo, emanada da vivência profunda dos valores do Evangelho e não apenas sedimentados no alicerce frágil das exterioridades enormes da antiga Lei Mosaica: 'Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da Lei e dos fariseus, vós não entrareis no Reino dos Céus' (Mt 5, 20). Nesta contextualização, Jesus vai passar dos conceitos formais expressos por 'vós ouvistes...' às premissas mais abrangentes da Nova Lei: 'e eu vos digo...' Assim, do pecado gravíssimo do homicídio formal, Jesus anuncia que na própria ira contra o próximo já se manifesta a gravidade do pecado. O pecado do adultério não se restringe ao ato consumado e definitivo, que era castigado com a morte, mas é igualmente perverso no desejo; o juramento falso é um ato abominável, mas é igualmente pecaminoso o simples juramento sobre qualquer coisa.

Jesus exorta, em todas estas passagens, a se cumprir, em tudo e para todos, a santificação em plenitude, traduzida na observância radical dos seus Mandamentos e na fuga da ocasião de pecado por todos os meios disponíveis, pelos mais extremos possíveis: 'Se o teu olho direito é para ti ocasião de pecado, arranca-o e joga-o para longe de ti! De fato, é melhor perder um de teus membros, do que todo o teu corpo ser jogado no inferno. Se a tua mão direita é para ti ocasião de pecado, corta-a e joga-a para longe de ti! De fato, é melhor perder um dos teus membros, do que todo o teu corpo ir para o inferno' (Mt 5, 29 - 30).

Não ceder ao pecado sob concessão alguma. Não afrontar a graça divina por nenhum propósito humano. A verdadeira santificação exige, portanto, vigilância extrema e oração constante. A superação da fragilidade de nossas limitações implica decisões claras e firmes em favor da pureza evangélica e aos ditames de Cristo, nosso Divino Mestre: 'Seja o vosso ‘sim’: ‘Sim’, e o vosso ‘não’: ‘Não’. Tudo o que for além disso vem do Maligno' (Mt 4, 37).

sábado, 15 de fevereiro de 2014

A ORIGEM DO MAL

Houve uma batalha no céu. Miguel e seus anjos tiveram de combater o Dragão. O Dragão e seus anjos travaram combate,

mas não prevaleceram. E já não houve lugar no céu para eles.

Foi então precipitado o grande Dragão, a primitiva Serpente, chamado Demônio e Satanás, o sedutor do mundo inteiro. Foi precipitado na terra, e com ele os seus anjos.

(Ap 12, 7 - 9)


palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos:

Filho do homem, entoa um cântico fúnebre sobre o rei de Tiro, e dize-lhe: Eis o que diz o Senhor Javé: Eras um selo de perfeição, cheio de sabedoria, de uma beleza acabada.

Estavas no Éden, jardim de Deus, estavas coberto de gemas diversas: sardônica, topázio e diamante, crisólito, ônix e jaspe, safira, carbúnculo e esmeralda; trabalhados em ouro. Tamborins e flautas, estavam a teu serviço, prontos desde o dia em que foste criado.

Eras um querubim protetor colocado sobre a montanha santa de Deus; passeavas entre as pedras de fogo.

Foste irrepreensível em teu proceder desde o dia em que foste criado, até que a iniquidade apareceu em ti.

No desenvolvimento do teu comércio, encheram-se as tuas entranhas de violência e pecado; por isso eu te bani da montanha de Deus, e te fiz perecer, ó querubim protetor, em meio às pedras de fogo.

Teu coração se inflou de orgulho devido à tua beleza, arruinaste a tua sabedoria, por causa do teu esplendor; precipitei-te em terra, e dei com isso um espetáculo aos reis.

À força de iniquidade e de desonestidade no teu comércio, profanaste os teus santuários; assim, de ti fiz jorrar o fogo que te devorou e te reduzi a cinza sobre a terra aos olhos dos espectadores.

Todos aqueles que te conheciam entre os povos ficaram estupefatos com o teu destino; acabaste sendo um objeto de espanto; foste banido para sempre!

(Ez 28, 11 - 19)

SANTINHOS (I)

'Santinhos' são pequenos cartões impressos que retratam santos, cenas ou pinturas religiosas, produzidos desde época remota e comumente em grandes quantidades, para disseminação da cultura religiosa entre os católicos. São especialmente confeccionados e distribuídos nas festas de devoção de um santo, como pagamento de promessas ou como lembrança da realização de datas festivas e/ou eventos religiosos públicos ou particulares (batismo, primeira comunhão, crisma, etc). As fotos abaixo apresentam alguns exemplos destes 'santinhos'.










quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

OS FILHOS ESQUECIDOS DE MARIA


Depois de termos afirmado mil vezes que a Virgem Santíssima a ninguém deixa de atender, depois de proclamar-Lhe a bondade e o poder, talvez alguém estranhe ser esta leitura consagrada a passar em revista: os que Ela não protege nem auxilia.

Não há, porém, o que estranhar, pois a confiança que elogiamos e recomendamos não é uma confiança qualquer e desarrazoada. Há uma confiança (...) que, em vez de honrar, ofende à Virgem: também vós vos sentiríeis ofendido, insultado, se um vilão contasse convosco para ajudá-lo a realizar um projeto criminoso. Mas para obter de Maria os mais altos favores do céu, será bastante depositarmos nEla uma confiança que se limite a não A desgostar, ou deverá esta confiança satisfazer outras condições importantes? Haverá, porventura, quem, apesar de confiar nEla, nada obtenha da Mãe do céu? Sim, e não são poucos, e são todos os que ficam inertes, hesitantes, mudos em sua fé.

Os inertes

É voz do povo que diz 'para o céu não se vai de carrinho'. Esta locução familiar não passa de eco fiel da sentença mais explícita proferida por Jesus: é estreito o caminho que leva à vida. No entanto, será crível? Há uns tantos que parecem pensar exatamente o contrário e dão a crer que encontraram o bem-aventurado carrinho no qual, sem cansaço nenhum, chegarão lá em cima. Esse automóvel privilegiado seria a confiança em Maria. Não que se suponham autorizados pela confiança na Virgem Santíssima a viver no pecado: não, pelo contrário, detestam-no e dele fogem, sobretudo do pecado mortal; mas, tirando isso, contam que Maria fará todo o resto. Do sério aviso do Espírito Santo: 'afasta-te do mal e faze o bem', cumprem de certo modo a primeira parte e facilmente deixam a Maria a tarefa de cumprir neles a segunda, fazendo-os progredir no bem. Reconhecem que haveria virtudes por adquirir, defeitos por vencer, reformas por fazer na sua vida exterior, no modo de cumprir os deveres mais importantes: mas, para que preocupar-se tanto com isso? Põem a confiança em Maria e lá do céu Ela há de arranjar tudo. E o mais admirável é ver como não raro se queixam de não serem bastante ajudados pela Virgem e amargamente lamentam fazerem tão escassos progressos na virtude.

Não julgueis que sejam poucas essas almas: 'Eis o que geralmente acontece', escreve uma autoridade no assunto, o Pe. Tiago Michel, S.J. [O Desânimo na Trilha da Piedade]: 'uma alma deve lutar para combater seus defeitos, suas más inclinações; pede a Deus que a livre dessa luta e, portanto, o Senhor deve fazer tudo e ela pode ficar descansada. Pretende o milagre operado por Deus em São Paulo. Ouvi-la-eis dizer: ‘se meus defeitos desagradam a Deus, por que não me livra deles? Pois isto não está nas mãos dEle? Por que não endireita as más inclinações do meu coração? Quantos outros transformou!’. E enquanto espera pelo milagre, nada faz para seguir a ordem divina, para tornar-se melhor. É fácil compreender que semelhante disposição não é de molde a atrair as bênçãos e o auxílio de Deus. Quem quer servir o Senhor sem combate e sem violência contra si mesmo, está contraditando a palavra de Jesus'.

Querida alma, acaso estarás reconhecendo teu retrato nestas palavras? Terás também no passado pretendido obter da Virgem Santíssima o milagre de teu adiantamento espiritual sem esforço teu, sem violência contra ti mesmo para te adiantares no bem? Se assim foi, terias de incluir-te no número dos que chamamos inertes, e não seria mais um mistério a teus olhos o pouco fruto colhido. Doravante, desempenha a tua parte, trabalha, sofre, combate e depois confia em Maria. Certamente Ela te ajudará.

Os hesitantes

Consideremos agora a segunda classe dos que a Virgem não ajuda. São os que hesitam e os que duvidam. Confiam na Mãe do céu, pois não, mas de que modo e com que fervor no coração? Não lhes é na verdade a confiança bastante viva, bastante forte para triunfar completamente de todos os obstáculos e dominar todas as insídias do inimigo das almas, o demônio. Este (...) odeia a confiança cristã das almas que, desconfiando totalmente de si, se entregam a Deus e à Mãe do céu, e assim se tornam invencíveis, fortes da própria força de Deus. Bem conhecendo o demônio o poder e a bondade de Maria, sabendo quanto Lhe agrada o apelo de uma alma que a Ela se entrega inteiramente, emprega todos os meios de suscitar nessa alma dúvidas, desconfianças, receios, a fim de impedi-la de recorrer a Maria com toda a confiança. Não conseguirá resultado tão grande quanto deseja? (...) Procurará pelo menos lhe esfriar a confiança, fazê-la duvidar, hesitar, como se tivesse razões para temer que inúteis ou pouco menos lhe sejam as súplicas e as fagueiras esperanças. Admira, pois, que tão débil confiança não mereça ser por Maria recompensada com pronto e solícito auxílio?

Tratemos, portanto, de reagir contra as dúvidas, as hesitações, os receios que em nós há de suscitar o demônio, e em todas as ocasiões lembremo-nos de que Maria é boa e poderosa e, de mais a mais, quer e pode socorrer-nos. De certo modo, a confiança obriga a Virgem a nos abençoar e Ela não é capaz de resistir a uma oração animada por viva e grande fé. Ser mais ou menos rapidamente socorrido dependerá da maior ou menor intensidade da confiança com que nos lançarmos a seus pés ou, ainda melhor, nos seus braços maternais. Por isto, assim resumiremos o que foi dito: mais favores de Maria recebe quem nEla mais vivamente confia.

Os mudos

Falta considerarmos a última classe dos devotos que raramente em si mesmos experimentam os dulcíssimos efeitos da confiança em Maria. São os mudos para o suplicante apelo da oração. Não que dela pretendam descuidar-se inteiramente: na verdade, às vezes dirigem alguma [oração] à Mãe do céu; mas, 'para que insistir tanto?', pensam eles; 'pois Maria não vê as nossas necessidades? Não podemos rezar constantemente: Ela saberá compadecer-se de nós e da mesma forma nos ajudará, pois confiamos nEla'.

A essas almas, que parecem ter esquecido o Evangelho e as vivíssimas exortações à oração que ele contém, dizei que os santos obtinham muito porque muito oravam; dizei que a oração é a chave dos tesouros celestes, o segredo infalível e necessário para obter favores e graças: ouvir-vos-ão encolhendo os ombros e talvez respondam que não são santos nem lhes sobre tempo para empregá-lo assim. Rezar o terço todos os dias? Fazer uma novena de orações, de comunhões, de práticas espirituais? É demais para eles. Visitar uma igreja e aos sábados impor-se uma mortificação, um pequeno sacrifício em honra a Maria? Mas se soubésseis em que condições se acham! Não são freiras ou frades, não vivem num convento, para regular assim a vida. 

E desejaríamos perguntar-lhes então: em que fazeis consistir a vossa devoção, a vossa confiança em Maria? Talvez simplesmente no desejo que tendes de ser socorridos e protegidos por Ela? Onde está, pois, o fervor da oração, a viva expressão de vossos sentimentos de confiança, de amor, de fé na grandeza e na bondade da Virgem? Onde aquele ardor na invocação, a perseverança nas súplicas e nas orações a que Deus e a Mãe do Céu exclusivamente reservam as mais assinaladas graças e os milagres? Não procederam assim os que os obtiveram e os que ainda os obtêm? Não procede assim o pobre mendigo que encontrais na rua e ao qual dais uma esmola? Se, contentando-se com o muito desejar intimamente ser socorrido, não implorasse a compaixão dos transeuntes, quantas vezes à noite regressaria ao tugúrio sem um ceitil! Vós, portanto, que desejais de Maria receber grandes mercês, não vos limiteis, por amor de Deus, a confiar no seu Coração [Imaculado]: fazei alguns pequenos sacrifícios, rezai com fervor e Ela vos atenderá.

(Excertos da obra 'Ó Maria, confio em Vós', do Pe. David Ardito, Edições Paulinas, 1946).

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

A BÍBLIA EXPLICADA (X)

O que era o Sinédrio?

O Sinédrio era a Corte Suprema da lei judaica, que tinha a missão de administrar a justiça interpretando e aplicando a Torá, quer oral quer escrita. Ao mesmo tempo, assumia a representação do povo judaico perante a autoridade romana. De acordo com uma antiga tradição, tinha setenta e um membros, herdeiros – segundo se supunha – das tarefas desempenhadas pelos setenta anciãos que ajudavam Moisés na administração da justiça, junto com o próprio Moisés. Desenvolveu-se, integrando representantes da nobreza sacerdotal e das famílias mais notáveis, possivelmente durante o período persa, isto é, a partir do século V-IV a.C. É mencionado pela primeira vez, embora com o nome gerousía (conselho de anciãos), no tempo do rei Antíoco III da Síria (223-187 a.C.). Com o nome de synedrion está testemunhado desde e reinado de Hircano II (63-40 a.C.). Nesses momentos era presidido pelo monarca Asmoneu, que também era sumo sacerdote.


Herodes, o Grande, no começo do seu reinado, mandou executar grande parte dos seus membros –quarenta e cinco, segundo Flávio Josefo (Antiquitates Iudaicae 15, 6) – porque o conselho se tinha atrevido a recordar-lhe os limites em que devia levar a cabo seu poder. Substituiu-os por personagens submissos aos seus desejos. Durante o seu reinado, e depois, no tempo de Arquelau, o Sinédrio teve pouca importância.

Na época dos governadores romanos – também na de Pôncio Pilatos – o Sinédrio exerceu de novo as suas funções judiciais, em processos civis e penais, dentro do território da Judeia. Nesses momentos, as suas relações com a administração romana eram fluidas e o relativo âmbito de autonomia que gozava estava em consonância com a política romana habitual nos territórios conquistados. Contudo, o mais provável é que nesses momentos a potestas gladii, isto é, a capacidade de decretar uma sentença de morte, estaria reservada ao governador romano (praefectus) que, como era habitual nesses momentos, teria recebido do imperador amplos poderes judiciais, e entre eles essa potestade. 

A reunião dos seus membros durante a noite para interrogar Jesus não foi mais do que uma investigação preliminar para delinear as acusações que mereciam a pena capital e apresentá-las contra Jesus, na manhã seguinte, no processo perante o prefeito romano.

Quem foi Caifás?

Caifás (Joseph Caiaphas) foi um sumo sacerdote contemporâneo de Jesus. É citado várias vezes no Novo Testamento (Mt 26,3; 26,57; Lc 3,2; 11,49; 18,13-14; Jo 18, 24.28; At 4,6). O historiador judeu Flávio Josefo disse que Caifás acedeu ao sumo sacerdócio por volta do ano 18, nomeado por Valério Grato, e que foi deposto por Vitélio por volta do ano 36 (Antiquitates Iudaicae, 18.2.2 e 18.4.3). Estava casado com uma filha de Anás. Também segundo Flávio Josefo, Anás tinha sido o sumo sacerdote entre os anos 6 e 15 (Antiquitates Iudaicae, 18.2.1 e 18.2.2). De acordo com estas datas, e com o que assinalam também os evangelhos, Caifás era o sumo sacerdote quando Jesus foi condenado à morte na cruz. 

A sua longa permanência no sumo sacerdócio é um indício muito significativo de que mantinha relações muito cordiais com a administração romana – também durante a administração de Pilatos. Nos escritos de Flávio Josefo, são mencionados em várias ocasiões os insultos de Pilatos à identidade religiosa e nacional dos judeus, e as vozes de personagens concretos que se elevaram protestando contra ele. A ausência do nome de Caifás – que era e o sumo sacerdote precisamente nesse momento – entre aqueles que se queixaram dos abusos de Pilatos, manifesta as boas relações que havia entre ambos. Essa mesma atitude de aproximação e colaboração com a autoridade romana é a que se reflete também no que contam os evangelhos durante o processo de Jesus e a sua condenação à morte na cruz. 

Todos os relatos evangélicos coincidem em afirmar que após o interrogatório de Jesus, os príncipes dos sacerdotes concordaram em entregá-Lo a Pilatos (Mt 27, 1-2; Mc 15, 1; Lc 23, 1 e Jo 18, 28). Para ver como entenderam os primeiros cristãos a morte de Jesus, é significativo o que narra São João no seu evangelho, acerca das deliberações prévias à condenação: 'um deles, chamado Caifás, que era o Sumo Sacerdote naquele ano, disse-lhes: 'Vós não sabeis nada, nem considerais que vos convém que morra um homem pelo povo e que não pereça toda a nação!'. Ora ele não disse isto por si mesmo [assinala o evangelista], mas, como era Sumo Sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus devia morrer pela nação, e não somente pela nação, mas também para unir num só corpo os filhos de Deus dispersos' (Jo 11, 49-52). 

Em 1990, apareceram na necrópole de Talpiot em Jerusalém doze ossários, um dos quais com a inscrição Joseph bar Kaiapha, com o mesmo nome que Flávio Josefo atribui a Caifás. Trata-se de ossários do século I, e os restos contidos nesse recipiente podiam muito bem ser os do personagem mencionado nos evangelhos.

(Da obra 'Jesus Cristo e a Igreja' - Universidade de Navarra)