Doutrina Moral
Sobre o Vício do Orgulho - Exame Prático
136. São Tomás [2a 2æ, qu. clxii, art. 1] define o orgulho como uma afeição desordenada contra a razão correta, pela qual o homem se estima a si mesmo e deseja ser estimado pelos outros acima do que realmente é; e como essa afeição se opõe ao raciocínio correto, é certamente um pecado que participa da gravidade de um pecado mortal, porque está em oposição direta à virtude da humildade. São Paulo coloca os orgulhosos na mesma categoria daqueles que 'Deus entregou aos sentimentos depravados e considerou dignos de morte' [Rm 1,28.32], embora às vezes seja apenas um pecado venial, quando a razão não está suficientemente esclarecida ou não há pleno consentimento da vontade [D. Th., loc. cit., art 5].
137. O orgulho está entre os pecados mortais porque é dele que derivam tantos outros pecados, e é por isso que São Paulo, vendo as inúmeras maldades do mundo, chamou a atenção de seu discípulo Timóteo, dizendo: 'Vê quantos são arrogantes, orgulhosos, blasfemos, desobedientes aos pais' [2Tm 3,2], sem amor pelo próximo ou por Deus. De onde você acha que todos esses vícios têm origem? Esta é a fonte: o amor desordenado que todos têm por si mesmos: 'Os homens são amantes de si mesmos', eis a explicação que São Paulo dá para isso e, como observa Santo Agostinho, 'Todos esses males fluem da fonte que ele menciona primeiro: o amor próprio' [Tr. 123 em Jo. lib. iv, De Civ. Dei, c. xiii] e, como diz o mesmo santo, 'esse excesso de amor próprio é apenas orgulho'.
Portanto, podemos concluir disso que quem vence o orgulho vence toda uma série de pecados; de acordo com a explicação dada por São Gregório [Lib. 31, Mor. c. xvii] deste texto de Jó: 'De longe fareja a batalha, a voz troante dos chefes e o alarido dos guerreiros' [Jó 39,25].
138. O orgulho ocupa o primeiro lugar entre os pecados capitais e São Tomás não apenas o coloca entre os pecados capitais, mas acima deles, como transcendendo todos eles, o rei dos vícios que inclui em seu cortejo todos os outros vícios, por isso é chamado na Sagrada Escritura: 'a raiz de todo o mal' [1Tm 6,10] e 'o princípio de todo o pecado' [Eclo 10, 15], porque, assim como a raiz da árvore está escondida sob a terra e envia toda a sua força para os galhos, o orgulho permanece escondido no coração e influencia secretamente todos os pecados por meio de sua ação. Portanto, sempre que cometemos um pecado mortal, estamos na realidade nos opondo e dirigindo nossa própria vontade contra a vontade de Deus.
Jó fala assim do pecador: 'Ele se fortaleceu contra o Todo-Poderoso' [Jó 15,25] e, nesse sentido, também se pode dizer do orgulho que é o maior de todos os pecados, porque os orgulhosos se rebelam contra Deus, colocando-se em oposição a Ele, e não se importam em desagradá-lo para agradar a si mesmos, deixando o Todo Poderoso para se apegar à sua própria insignificância, como diz Santo Agostinho: 'Abandonando Deus, ele busca sua própria vontade e, ao fazê-lo, aproxima-se da insignificância; por isso, os orgulhosos, segundo as Escrituras, são chamados de praticantes de sua própria vontade' [Lib. IV, De Civ. Dei, cap. xiv], o que equivale a dizer, como São Paulo: 'amantes de si mesmos'. E o mesmo santo padre faz esta reflexão: mesmo os pecados veniais cometidos mais por fraqueza do que por malícia podem se tornar mortais se forem agravados pelo orgulho: 'Os pecados se insinuam pela fraqueza humana e, embora pequenos, tornam-se grandes e pesados se o orgulho aumenta o seu peso e a sua medida' [Lib. de Sancta Virginit. cap. ii].
Mas, como Deus jurou detestar esse vício: 'O Senhor Deus jurou por sua própria Alma: Eu detesto o orgulho de Jacó' [Am 6,8], pode ser surpresa que Ele o castigue mais do que todos os outros vícios? Santo Agostinho observa com singular força que, entre todos os pecados pelos quais os pecadores caem, nenhum é tão grande, tão ruinoso ou tão grave quanto o orgulho: 'Entre todas as quedas dos pecadores, nenhuma é tão grande quanto a dos orgulhosos' [Sl 35,12-13].
139. Consideremos agora onde reside o terrível perigo desse vício:
(i) Porque, enquanto todos os outros vícios destroem apenas as virtudes opostas, como a devassidão destrói a castidade, a ganância destrói a temperança e a ira destrói a mansidão, etc., o orgulho destrói todas as virtudes e, segundo São Gregório, é como um câncer que não apenas corrói um membro, mas ataca todo o corpo: 'como uma doença pestilenta generalizada' [lib. xxxiv, Mor., cap. 18].
(ii) Porque os outros vícios só devem ser temidos quando estamos dispostos ao mal; mas o orgulho, diz Santo Agostinho, insinua-se mesmo quando estamos tentando fazer o bem: 'outros vícios devem ser temidos nos pecados, o orgulho deve ser temido mesmo nas boas ações' [Epist. cxviii] E Santo Isidoro diz: 'O orgulho é pior do que todos os outros vícios, pois brota até mesmo da virtude e sua culpa é menos sentida' [Lib. de Summ. Bono].
(iii Porque, depois de termos lutado contra os outros vícios e os termos vencido, podemos justamente regozijar-nos, mas assim que começamos a regozijar-nos por termos triunfado sobre o orgulho, ele triunfa sobre nós e vence-nos precisamente naquele ato pelo qual nos louvamos por tê-lo vencido. Santo Agostinho diz: 'Quando um homem se alegra por ter vencido o orgulho, este levanta a cabeça de alegria e diz: eis que eu triunfo assim porque tu triunfas' [Aug., Lib. de Nat. et Gr. cap. xxvii].
(iv) Porque se os outros vícios crescem rapidamente, também podemos nos livrar deles rapidamente; mas o orgulho é o primeiro vício que aprendemos e também o último a nos abandonar, como diz Santo Agostinho: 'Para aqueles que estão retornando a Deus, o orgulho é a última coisa a ser vencida, pois foi a primeira causa de seu afastamento de Deus' [Enarr. 2 in Ps. cxviii].
(v) Porque, assim como precisamos de alguma graça especial de Deus para nos capacitar a realizar qualquer uma das boas obras que dizem respeito à nossa salvação eterna, não há vício que impeça tanto o influxo da graça quanto o orgulho; porque 'Deus resiste aos orgulhosos' [Tg 4,6].
(vi) Porque o orgulho é o sinal característico e mais significativo dos réprobos, como diz São Gregório: 'O orgulho é o sinal mais manifesto dos perdidos' [Lib. 34. Mor. cxviii].
(vii) Porque os outros vícios são facilmente reconhecíveis e, portanto, é fácil odiá-los e corrigi-los; mas o orgulho é um vício que não é tão facilmente conhecido, porque se mascara e se disfarça de muitas formas, chegando mesmo a assumir a aparência da virtude e da humildade; sendo assim um vício oculto, é menos fácil escapar dele, como ensina a máxima de Santo Ambrósio: 'As coisas ocultas são mais difíceis de evitar do que as coisas conhecidas' [Epístola 82].
140. Este último perigo é para nós o maior de todos, e ainda mais porque nós mesmos parecemos cooperar para não reconhecer esse vício, inventando subterfúgios e artifícios para esconder sua feiúra e estudando inúmeros pretextos para nos enganarmos, acreditando que o orgulho não é orgulho e não reina em nosso coração no momento em que é mais dominante do que nunca.
Assim como a humildade é geralmente chamada de fraca e desprezível pelos amantes cegos deste mundo, o orgulho é chamado de coragem e grandeza, e os orgulhosos são considerados proativos, dignos, de comportamento nobre e bom julgamento, sustentando sua posição com honra, mantendo sua reputação, mantendo sua posição e cumprindo os deveres de seu estado. Que vocabulário de vaidade! Mas vamos contrapor a ele o vocabulário da verdade que foi usado por Jó: 'Eu disse à podridão: Tu és meu pai; aos vermes: minha mãe e minha irmã' [Jó 17,4].
Se você peneirar essas expressões mundanas, descobrirá que delas emana a quintessência do orgulho mais consumado. Esta é, de fato, a única coisa que peço a vocês: que, se infelizmente foram enganados por outros, pelo menos não se enganem a si mesmos. Estudem para conhecer seus próprios males, se desejam ser curados deles. Recomendo-lhes apenas que se dediquem a aprender a verdade e aproveitem este conselho: se o conhecimento dessa verdade lhes parecer difícil, é sinal de que vocês são orgulhosos.
É o próprio São Tomás que os convencerá disso. Vocês podem aprender a verdade de duas maneiras: pelo intelecto e pelos afetos. O homem orgulhoso não a conhece pelo intelecto, porque Deus a esconde dele, como disse Cristo: 'Tu escondeste estas coisas aos sábios e prudentes' [Mt 11, 25]; e menos ainda a conhecerá com seus afetos, porque ninguém que se deleita na vaidade pode se deleitar na verdade: 'Quando os orgulhosos se deleitam em sua própria excelência' - explica Santo Agostinho - 'eles se afastam da excelência da verdade' [D. Th. 2a 2æ, qu. clxii, art. 3].
O homem orgulhoso não tem nenhum prazer em sermões, meditações ou instruções sobre a verdade eterna; na verdade, todos estes são enfadonhos para ele. Se você descobrir algum sinal disso em si mesmo, deve concluir imediatamente que é orgulhoso e humilhar-se um pouco - você que lê esta doutrina -para que o Pai eterno lhe dê luz, assim como Cristo disse: 'Eu te bendigo, ó Pai, porque revelaste estas coisas aos pequeninos' [Mt 11,25].
('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)