'Os dons extraordinários não devem ser temerariamente pedidos, nem deles devem presunçosamente ser esperados frutos de obras apostólicas (Lumen Gentium, nº 33)
Quando souberdes ou ouvirdes dizer que Deus concede favores [sobrenaturais] às almas, nunca Lhe supliqueis que vos leve por esse caminho, nem aspireis a isso. Ainda que tal caminho vos pareça muito bom, devendo ser apreciado e reverenciado, não convém agir assim por algumas razões.
Em primeiro lugar, porque é falta de humildade desejar o que nunca merecestes; portanto, creio que não a tem muita quem assim se comporta... E julgo que eles (os favores sobrenaturais) nunca ocorrerão, uma vez que o Senhor, antes de conceder essas graças, dá um grande conhecimento próprio. E como entenderá sinceramente quem alimenta tais ambições, que já recebe grande misericórdia em não estar no inferno?
Em segundo lugar, porque é muito fácil haver engano ou risco de o haver. O demônio não precisa senão de uma porta aberta para armar mil embustes.
Em terceiro lugar, porque a própria imaginação, quando há um grande desejo, leva a pessoa a acreditar que vê e ouve aquilo que deseja, tal como os que, querendo uma coisa durante o dia e pensando muito sobre isso, sonham com ela à noite.
Em quarto lugar, porque é extremo atrevimento eu desejar escolher um caminho, já que não sei qual o melhor. Pelo contrário, devo deixar que o Senhor, que me conhece, me leve por aquele que me convém, para em tudo fazer a sua Vontade.
E, em quinto lugar, julgais que são poucos os sofrimentos padecidos por aqueles a quem o Senhor concede essas graças? Não, são imensos e se manifestam de diversas maneiras. E sabeis vós se seríeis pessoas capazes para padecê-los?
Por último, porque talvez por aí mesmo onde pensais ganhar, perdereis – como ocorreu a Saul, por ser rei (I Rs 15, 10-11). Enfim, irmãs, além dessas há outras. Crede-me que o mais seguro é não desejar senão o que Deus deseja, pois Ele nos conhece e nos ama mais do que nós mesmos. E não poderemos errar se, com a determinação da vontade, agirmos sempre assim.
(Santa Teresa de Ávila)