quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

A BÍBLIA EXPLICADA (IX)

O que é o Santo Graal?


A palavra ‘graal’, etimologicamente, vem do latim tardio gradalis ou gratalis, que deriva do latim clássico crater, vaso. Nos livros de cavalaria da Idade Média, entende-se que é o recipiente ou cálice em que Jesus consagrou o seu sangue, na Última Ceia, e que depois foi utilizado por José de Arimateia (ver questão seguinte) para recolher o sangue e a água derramados ao lavar o corpo de Jesus. Anos depois, segundo esses livros, José levou-o consigo para as Ilhas Britânicas e fundou uma comunidade dos guardas da relíquia, que mais tarde ficaria ligada aos Templários.

É provável que esta lenda tenha nascido no País de Gales, inspirando-se em fontes antigas latinizadas,como poderiam ser as Actas de Pilatos, uma obra apócrifa do século V. Com a saga celta de Perceval ou Parsifal – relacionada com as histórias do rei Artur e desenvolvida em obras como Le Conte du Graal, de Chrétien de Troyes, Percival, de Wolfram von Eschenbach, ou Le Morte Darthur, de Thomas Malory – a lenda foi enriquecida e difundiu-se. O Graal converteu-se numa pedra preciosa que, guardada durante um tempo por anjos, foi confiada à guarda dos cavaleiros da Ordem do Santo Graal e do seu chefe, o rei do Graal. 

Todos os anos, na Sexta-feira Santa, desce uma pomba do céu e, depois de depositar uma hóstia sobre a pedra, renova o seu poder e a sua força misteriosa, que comunica uma perpétua juventude e pode saciar qualquer desejo de comer e beber. De vez em quando, umas inscrições na pedra revelam os nomes daqueles que estão chamados à bem-aventurança eterna na cidade do Graal, em Montsalvage. Esta lenda, pela sua temática, está relacionada com o cálice que utilizou Jesus na última ceia e sobre o qual existem várias tradições antigas. Fundamentalmente, são três. A mais antiga é do século VII, e conta que um peregrino anglo-saxônico afirma ter visto e tocado o cálice que utilizou Jesus, na igreja do Santo Sepulcro de Jerusalém. Era de prata e tinha duas asas à vista.

Uma segunda tradição diz que esse cálice é o que se conserva na catedral de São Lourenço de Gênova. É chamado o Sacro Catino. É de vidro verde, com a forma de um prato, e teria sido levado para Gênova pelos cruzados, no século XII. Segundo uma terceira tradição, o cálice da Última Ceia é aquele que se conserva na catedral de Valência (Espanha) e se venera como o Santo Cálice. Trata-se de um cálice de calcedônia, de cor muito escura, que teria sido levado para Roma por São Pedro e utilizado ali pelos seus sucessores até que, no século III, devido às perseguições, foi entregue à guarda de São Lourenço, que o levou para Huesca. Depois de ter estado em diversos outros lugares, teria sido levado para Valência no século XV.

Quem foi José de Arimateia?

José de Arimateia aparece mencionado nos quatro evangelhos no contexto da paixão e morte de Jesus. Era oriundo de Arimateia (Armathajim em hebraico), uma aldeia de Judá, atual Rentis, a 10 km a nordeste de Lydda, provavelmente o lugar de nascimento de Samuel (1 Sm 1, 1). Homem rico (Mt 27, 57) e membro ilustre do sinédrio (Mc 15, 43; Lc 23, 50), tinha um sepulcro novo cavado na rocha, perto do Gólgota, em Jerusalém. Era discípulo de Jesus, mas, do mesmo modo que Nicodemos, mantinha-o oculto por temor das autoridades judaicas (Jo 19, 38). Dele diz Lucas que esperava o Reino de Deus e não tinha consentido na condenação de Jesus por parte do sinédrio (Lc 23, 51). 

Nos momentos cruéis da crucifixão não teme dar a cara e pede a Pilatos o corpo de Jesus (no Evangelho de Pedro 2, 1; 6, 23-24, um apócrifo do século II, José solicita-o antes da crucifixão). Concedida a licença, desprega o crucificado, envolve-o num lençol limpo e, com a ajuda de Nicodemos, deposita Jesus no sepulcro que lhe pertencia e que ainda ninguém tinha utilizado. Depois de o fechar com uma grande pedra, vão-se embora (Mt 27, 57-60, Mc 15, 42-46, Lc 23,50-53 e Jo 19, 38-42). Até aqui chegam os dados históricos.

A partir do século IV, surgiram tradições lendárias de caráter fantástico nas quais se elogiava a figura de José. Num apócrifo do século V, as Actas de Pilatos, também chamado Evangelho de Nicodemos, conta-se que os judeus reprovaram o comportamento de José e de Nicodemos a favor de Jesus e que, por este motivo, José é enviado para a prisão. Libertado milagrosamente, aparece em Arimateia. Dali regressa a Jerusalém e conta como foi libertado por Jesus. 

Mais fabulosa ainda é a obra Vindicta Salvatoris (talvez do século IV), que teve uma grande difusão na Inglaterra e na Aquitânia. Neste livro, conta-se a marcha de Tito, comandando as suas legiões, para vingar a morte de Jesus. Ao conquistar Jerusalém, encontra José numa torre, onde tinha sido preso para que morresse de fome. No entanto, foi alimentado por um manjar celestial. Nos séculos XI-XIII, a lenda sobre José de Arimateia foi colorindo-se com novos detalhes nas Ilhas Britânicas e na França, incluindo-se nas histórias do santo Graal e do rei Artur. Segundo uma destas lendas, José lavou o corpo de Jesus e recolheu a água e o sangue em um recipiente. Depois, José e Nicodemos dividiram o seu conteúdo.

Outras lendas dizem que José, levando este relicário, evangelizou a França (alguns relatos dizem que teria desembarcado em Marselha com Marta, Maria e Lázaro), Espanha (onde São Tiago o teria consagrado bispo), Portugal e Inglaterra. Nesta última região, a figura de José tornou-se muito popular. A lenda o torna fundador da primeira igreja em solo britânico, em Glastonbury onde, enquanto dormia, o seu báculo criou raízes e floresceu. Na França, uma lenda do século IX refere que o patriarca Fortunato de Jerusalém, no tempo de Carlos Magno, fugiu para o Ocidente levando com ele os ossos de José de Arimateia, até chegar ao mosteiro de Moyenmoutier, onde chegou a ser abade. 

Todas estas lendas, sem qualquer fundamento histórico, mostram a importância que se dava aos primeiros discípulos de Jesus. O desenvolvimento destes relatos pode estar ligado a polêmicas circunstanciais de algumas regiões (como a Inglaterra ou a França) com Roma. O objetivo seria mostrar que determinadas regiões tinham sido evangelizadas por discípulos de Jesus e não por missionários enviados a partir de Roma. Em qualquer caso, nada têm a ver com a verdade histórica dos fatos.

(Da obra 'Jesus Cristo e a Igreja' - Universidade de Navarra)