sexta-feira, 19 de agosto de 2022

VERSUS: OS SETE GRAUS DA HUMILDADE (II)

 II. A rudeza ao vestir, como Elias (São Bernardo*)

* (Obras Completas de San Bernardo, BAC Editorial, 1993)

'Era um homem coberto de pelos que trazia um cinto de couro em volta dos rins' (II Rs 1,8)


A carne de Jesus Cristo não é pura, imaculada, santa? Perfeitamente submetida ao espírito? Pois o corpo de Jesus Cristo não é perfeito instrumento da sua alma, exatamente como Deus o imaginou? Sim; mas a nossa carne é uma carne de pecado, impura, desregrada, rebelde ao espírito, corrompida e fonte de toda a corrupção. É dessa carne que derivam todas as obras que São Paulo chama – obras carnais, e pelas quais devia o nosso corpo ser castigado, afligido, flagelado.

Que fez o nosso Redentor? Colocou-se na situação em que devíamos estar; depôs em lugar da nossa a sua carne imaculada; revestiu-se de todas as nossas sensualidades, luxúrias, impurezas, imaginações torpes, complacências, impurezas, lascivas, de todos os nossos desejos impudicos. Na Agonia do Jardim o vemos revestido de todas as iniquidades de todos os povos, em todos os gêneros de pecado. Hoje, na Flagelação, o vemos como que de um modo especial revestido dos pecados da sensualidade, vingando a honra de nosso corpo, firmando a dignidade de nossa carne.

Eis a grande significação do mistério que, pois, não é senão uma substituição. É a carne inocente de Jesus Cristo pagando os pecados da nossa carne culpada. E basta que por uma sincera penitência apliquemos a nós próprios os méritos dessa expiação, para que satisfaçamos a Justiça Divina, que em Jesus Cristo viu a responsabilidade da pena, mas não a malícia da falta; pelo que os sofrimentos de Jesus Cristo não nos eximem da penitência, mas dão aos nossos atos de mortificação valor infinito.

Eis o ensino, a lição e o exemplo que convinham a todos os tempos; mas se há um século em que o mistério de Flagelação tenha alta significação, é o nosso, em que devemos estudá-lo, meditá-lo e admirá-lo, não simplesmente de um modo estético, como fonte de ternura, compaixão e lágrimas para o nosso coração; não lamentá-lo simplesmente como um atentado inaudito da justiça romana, uma prevaricação descomunal do Direito, um excesso brutal da crueldade judaica; mas adorá-lo como um mistério de salvação.

Foi porque Ele viu, em toda a série dos séculos, as misérias da nossa concupiscência, que deixou correr para nós, como uma fonte de vida, o sangue da sua flagelação; e é para que nos aproveitemos dela que o Evangelho para todo o sempre imortalizou o mistério e a Igreja perpetuamente nos tem reproduzido.

(Excertos da obra 'A Paixão', pelo Pe. Júlio Maria de Lombaerde)