sábado, 13 de novembro de 2021

VERSUS: VONTADE DIVINA X VONTADE HUMANA

Santo Agostinho afirmou a verdade absoluta da visão humana de Deus: 'Se Deus fosse compreensível, não seria Deus'. Assim, é absolutamente inútil tentar estabelecer premissas para a ação da Providência Divina sob o viés dos pensamentos humanos. É algo incomensuravelmente vão: Deus age sob atributos infinitos, que não podem ser, nem tangencialmente, apreendidos, compilados ou interpretados sob os limites anêmicos da inteligência humana. A compreensão de Deus é um exercício de fé e nada mais, absolutamente nada mais, do que isso.

Quando se desconsidera ou se exclui essa verdade absoluta, o relativismo pondera sobre questões sem respostas, acondicionadas aos pendores e elucubrações humanas. Neste contexto, por exemplo, o inferno parece algo inconcebível para muitos frente ao princípio da misericórdia infinita de Deus; ou, por exemplo, uma pessoa que se esmerou na caridade nesta vida mas que não professou a verdadeira Igreja de Cristo, não teria, por merecimento próprio, a glória celeste?; ou ainda, como que uma mãe que perdeu um filho ainda pequeno e não batizado poderia alcançar o Céu e, ao seu filho falecido em tenra idade, o Céu lhe seria negado*?

Nenhum ser humano tem a mínima noção dos limites que separam a justiça e a misericórdia de Deus. Mas, como todos os atributos divinos, a Vontade de Deus é infinita e imutável. E a doutrina de Cristo é absolutamente clara: há um só batismo, há uma só Igreja, há um único caminho da salvação, fora do qual todos se perdem. Quem não pertence a Cristo nessa terra, não terá lugar com Cristo no Céu. Em inúmeras ocasiões, Jesus deixou muito claro que a porta é estreita, assinalou com absoluta clareza os mandamentos da lei divina, estabeleceu de forma inequívoca os sacramentos da salvação e os pilares de sua Igreja. O que está fora, não é de Cristo.


'Mas quem és tu, ó homem, para contestar a Deus? Porventura o vaso de barro diz ao oleiro: 'Por que me fizeste assim?' Ou não tem o oleiro poder sobre o barro para fazer da mesma massa um vaso de uso nobre e outro de uso vulgar? (Rm 9, 20-21)

O relativismo humano, na sua expressão de anemia de ousar cobrar contas a Deus, busca impor concessões impossíveis à soberana liberdade de Deus no plano da salvação. Deus quer que todos os homens se salvem, mas serão salvos somente os que Deus quiser e estes serão aqueles que, dentre todos acondicionados à Vontade de Deus, foram os que utilizaram eficazmente as graças recebidas para serem merecedores de testemunhas vivas da redenção de Cristo. E a nenhum homem foi concedido o privilégio de conhecer aqui o epicentro dos mistérios divinos: Deus não reparte igualmente as suas graças e assim o faz porque assim o quer.

Na realidade, Deus não tem 'obrigação' de salvar ninguém. Ele não 'deve' nada a homem algum. Ainda que não existissem os anjos e os homens - ainda que Nossa Senhora não tivesse existido - Deus seria ainda Deus em plenitude. Ninguém tem 'direito' ao Céu, à salvação, à glória, à visão beatífica. Tudo isso é dom gratuito de Deus para a obra prima de sua criação. E, na eternidade, não estarão automaticamente juntos os que porventura viveram juntos nesta terra porque no Céu estarão apenas os que Deus quiser e os que quiseram assim como Deus.

* limbo, lugar onde, segundo a tradição católica, repousarão eternamente as almas daqueles que morreram somente com o pecado original