quarta-feira, 10 de março de 2021

TESOURO DE EXEMPLOS (55/57)

 

55. DEUS ME CHAMA

Um missionário lazarista, falecido na Itália em fins do século passado, pregava retiro a umas jovens de Constantinopla precisamente nos dias em que a cólera invadia a infeliz cidade. Na manhã do terceiro dia, bem cedo, viu o missionário chegar uma das jovens retirantes, que lhe disse:
➖ Padre, desejo confessar-me e fazer uma boa comunhão esta manhã. Depois da missa lhe direi o motivo.

Comungou com singulares mostras de fervor. Depois da ação de graças veio a dizer-lhe:
➖ Padre, esta noite, passei-a acordada e tive a sensação de que chegara para mim o momento da morte e minha alma, separada do corpo, era levada por meu anjo da guarda ao tribunal do soberano juiz. Já não era o Salvador tão bom e misericordioso, de que tantas vezes nos falam os padres, mas um juiz inexorável. Iam chegando de todas as partes do mundo inúmeras almas; muitas iam para o inferno, outras muitas para o purgatório, muitas poucas diretas para o céu.

Perturbada e atemorizada, levantei os olhos e - ó felicidade! - minha boa Mãe, a Imaculada, ali estava a olhar para mim com uma doçura infinita. Animada com esta vista, do fundo do meu coração saiu o grito que repetia muitas vezes na terra: 'Boa Mãe, Mãe do Perpétuo Socorro, socorrei-me, salvai-me!'. Estava eu aos pés do tribunal de Deus e a minha sorte eterna ia decidir-se num instante. De repente, uma voz melodiosa, como nenhuma outra da terra, se fez ouvir:
➖ Meu Filho, esta é minha filha.

Então Nosso Senhor, voltando-se para a sua gloriosa Mãe, disse-lhe com inefável carinho, que não se pode exprimir em linguagem humana:
➖ Pois é vossa: julgai-a Vós.
E por todo juízo a Rainha dos Santos abriu-me os braços e eu me refugiei neles. Era feliz por toda a eternidade!

Calou-se a jovem. Seu rosto brilhava como se ainda estivesse vendo aquela visão celeste. O missionário, mais impressionado do que deixava perceber, pregou naquela manhã sobre a necessidade da preparação para a morte. Apenas havia terminado, vieram chamá-lo com toda a urgência; uma das jovens que assistiam ao retiro acabava de cair de cama vítima da cólera. Naquele corpinho, que se retorcia com a violência da doença, reconheceu ele a jovem da visão.
➖ Padre, eu bem lhe dizia, Deus me chama!

E duas horas depois, com um sorriso celestial nos lábios, sua alma voava para a glória, repetindo pela última vez sua jaculatória favorita:
➖ 'Minha Mãe, Mãe do Perpétuo Socorro, socorrei-me, salvai-me!'

56. UM SACRISTÃO E UMA VOZ MISTERIOSA

Na pequena cidade de Ostra-Brama, Polônia, há uma bela igreja onde, há séculos, se venera uma devota imagem de Nossa Senhora das Dores. No mês de março de 1896, um forasteiro, falando polonês com sotaque russo, apresentou-se ao sacristão com dois grossos círios, dizendo que queria que ardessem diante da milagrosa imagem até se acabarem.
➖ Fiz promessa - disse - que fiquem acesos até amanhã depois da missa sem que se apaguem. 

Tendo um grande negócio, que amanhã se há de decidir e só me resta este tempo para recomendá-lo a Nossa Senhora. Se quiser, irei junto para colocá-los na igreja.
➖ Eu o farei com gosto - replicou o sacristão - mas o caso é que, quando se deixam luzes na igreja, tenho de passar a noite lá, por temor de um incêndio.
➖ Sei - disse o desconhecido - mas por esse seu trabalho dou-lhe agora mesmo dois rublos.

A filha do sacristão preparou ao pai a ceia e roupas quentes e o russo foi com ele acender os círios, rezou alguns minutos e foi-se embora. O sacristão, uma vez sozinho, tocou as Ave-Marias, fechou as portas, rezou sua oração da noite, sentou-se numa cadeira, na sacristia, e logo começou a cochilar. De repente ouve uma voz que lhe grita:
➖Apaga, apaga os dois círios!

Assustado, levanta-se, olha para todos os lados e não vê ninguém. Julga ter sido um sonho e torna a dormir; mas, pouco depois, desperta-o a mesma voz misteriosa:
➖ Apaga, apaga os círios!
Como não vê ninguém, para acabar com aqueles sonhos, acha que seria melhor apagar as velas; mas, lembrando de sua promessa e do dinheiro recebido, pôs-se a rezar o rosário até que, vencido pelo sono, adormece pela terceira vez. Desta vez, a voz desperta-o com mais força:
➖ Apaga, apaga depressa os círios.

Convencido afinal de que a voz vinha do alto, apaga os círios e fica tranquilo. Ao romper do dia, toca as Ave-Marias, prepara o altar para a missa e começam a chegar os fiéis e também sua filha. Esta, terminada a missa, pergunta ao pai por que apagara os círios. Inteira do que acontecera, após a saída dos fiéis, levaram os círios para examiná-lo, pois notaram que eles tinham um peso extraordinário.

O sacristão, com uma faca foi rasgando a cera e, no interior do círio, viu que o pavio penetrava num tubo de ferro. Suspeitando uma armadilha sacrílega, puseram os círios num barril de água e foram depressa avisar ao vigário e ao delegado de polícia. Descobriram, então, que os dois tubos estavam carregados com dinamite e calculados para explodir precisamente à hora da missa. Imagine-se a gratidão dos habitantes de Ostra-Brama para com Nossa Senhora por os ter livrado, com sua intervenção direta, do terrível atentado.

57. SALVO POR NOSSA SENHORA

Um jovem seminarista francês, por instigação de um parente, abandonou a vocação. Seus pais e mestres fizeram tudo para abrir-lhe os olhos e mantê-lo na vocação. Obstinou-se e partiu para a capital, onde conseguiu ótima colocação e ganhava bom dinheiro. Desgraçadamente, maus amigos o arrastaram aos vícios e de suas práticas religiosas só conservou o 'Lembrai-vos', oração que todas as noites rezava em louvor a Maria Santíssima.

Ao cabo de alguns anos perdeu a colocação e caiu na mais profunda miséria; e, como já não contava com o auxílio da religião, entregou-se ao desespero e resolveu acabar com a vida. Ia já lançar-se ao rio para afogar-se, quando, por inspiração singular, quis antes rezar o seu 'Lembrai-vos' a Nossa Senhora. Ajoelhou-se e rezou...

Ao levantar-se, um terror estranho se apoderou dele: parecia-lhe ver um abismo aberto e fogo abrasador diante de seus olhos; em sua mente agitada pelo remorso, começavam a despertar as recordações da infância. Percebeu que um passo apenas o separava do inferno. Fugiu atemorizado pelas ruas de Paris, sem saber aonde ia... Ao acaso? Não. Nossa Senhora guiou-lhe os passos até uma igreja, em que entrou arrastado por uma força invisível.

Uma grande multidão de fiéis rezava em silêncio diante da imagem de Maria adornada de luzes e flores.
O infeliz sentiu pouco a pouco renascer a sua confiança. Viu um padre que entrava no confessionário e foi ajoelhar-se aos pés dele. Era o Venerável P. Desgenettes, pároco de Nossa Senhora das Vitórias. Entretanto, o rapaz não tinha intenção de confessar-se; queria somente desabafar seu coração e contar a história da sua vida e de seus desvarios.

O padre recebeu-o com a bondade e doçura de uma mãe e, quando ele terminou o seu testemunho, disse:
➖ Meu filho, quero completar a sua história. Faz poucos meses que um bispo esteve pregando nesta igreja e recomendou às orações dos fiéis a um jovem, a quem queria muito, e que andava perdido em alguma parte desta capital. 

O pecador, entre lágrimas e soluços, ocultou o rosto entre as mãos. O pároco ouviu-lhe a confissão preparou-o para uma fervorosa comunhão, restituindo-lhe a paz da alma. O jovem reparou os escândalos que dera, indo pedir perdão aos seus pais, mestres e ao bondoso prelado e, por fim, entrou para uma ordem religiosa para fazer austeras penitências.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

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