sábado, 27 de fevereiro de 2021

GALERIA DE ARTE SACRA (XXVIII)

 

Esta é a pintura cristã mais antiga da América e que se mantém preservada até hoje, executada pelos índios astecas em 1539, no México. A obra representa o milagre da transubstanciação ocorrido durante uma missa celebrada por São Gregório, em que Cristo - em modelo parcial pintado acima da cintura, na forma do Homem das Dores - apareceu no altar diante de uma duvidosa assembleia, durante o culto pascal. A pintura, com 56 cm de largura e 68 cm de altura, foi totalmente executada com penas justapostas de aves diversas e fixadas sobre um painel de madeira (técnica chamada 'plumaria'), expressão máxima da arte da cultura asteca utilizada para a representação de uma obra singular da iconografia cristã. A obra de arte encontra-se atualmente no Museu dos Jacobinos, em Auch / França.

A obra de arte foi executada pelos índios astecas, a mando do então governador da cidade do México - Diego Huanitzin - e sob a orientação e os cuidados do religioso franciscano Pierre de Ghant, como um presente do povo asteca ao então papa Paulo III. Executada apenas vinte anos após a conquista espanhola, constitui, assim, um testemunho vivo dos primórdios da evangelização e conversão dos ameríndios ao cristianismo. O trabalho em plumaria asteca da Missa de São Gregório muito provavelmente tomou como base uma impressão trazida da Espanha de uma obra de natureza similar - a Missa de São Gregório de Israhel van Meckenem (1490). Em ambas as obras, os instrumentos da Paixão de Cristo (Arma Christi) são igualmente reproduzidos, incluindo-se a coluna da flagelação, os pregos, a esponja, o galo e o chicote do castigo, inseridos no altar ou em torno dele.

A Missa de São Gregório, de Israhel van Meckenem (1490/1500)

A obra possui um valor artístico e histórico incomensuráveis mas, como instrumento de culto religioso e devocional, parece transmitir uma ideia de irradiação divina, pelo movimento ordenado e iridescente das mudanças de posição das centenas de penas fixadas em um mosaico único, sob iluminação difusa ou pelo simples fluxo de ar. Tais características e simbolismo são comparáveis aos vitrais das catedrais góticas, como expressão comum de Cristo como lux mundi (a luz do mundo). Essa constitui a síntese e o propósito final da aplicação da técnica da plumaria à arte cristã.

 Retrato de Cristo, plumaria com penas de beija-flor e papagaio, de Juan Bautista Cuiris (1550)