quinta-feira, 3 de outubro de 2019

DA PRÁTICA DA PACIÊNCIA NAS DOENÇAS

1. Em primeiro lugar, devemos praticar a paciência nas doenças. Estas são a pedra de toque que faz conhecer o espírito de uma pessoa e serve para distinguir o ouro do cobre. Certas religiosas [o texto foi dirigido originalmente à orientação espiritual de religiosas] parecem alegres, pacientes e devotas, enquanto passam bem de saúde; mas, quando são depois visitadas por qualquer doença, cometem mil defeitos e ficam inconsoláveis: são impacientes com todas as outras, mesmo com as que as tratam por caridade. Pela menor dor, pelo menor incômodo, rompem os gemidos, lamentam-se de todos, do médico, da superiora, das enfermeiras, acusando-as de negligentes e descuidadas. Eis o cobre que aparece, em lugar do ouro. 

'Mas, meu Padre, dirá alguma, eu sofro tanto e não posso lamentar-me e dizer meus queixumes?' — Eu não vos proíbo manifestar vossas dores, quando são grandes. Quando, porém, forem leves, é fraqueza queixar-vos com todas e querer que todas se mostrem penalizadas. E se os medicamentos não conseguirem livrar-vos dos vossos padecimentos, eu vos concito a não vos impacientardes, mas resignai-vos com a vontade de Deus. Uma outra exclama: 'Onde está a caridade? Vede como as minhas irmãs se esqueceram de mim e me abandonaram neste leito de dor!' — Pobre doente, eu me compadeço de ti, não pela enfermidade do corpo, mas pela pouca paciência que tens, a qual te faz duplamente enferma, do corpo e da alma. 

As irmãs se esqueceram de ti, mas tu também te esquecestes de Jesus Cristo, que, por teu amor, morreu abandonado em uma cruz. De que te serve queixar-te desta ou daquela? Queixa-te de ti mesma, de teres tão pouco amor a Jesus Cristo, e por isso tão pouca paciência. Como dizia São José Calasans: 'se os enfermos tivessem paciência não se ouviriam tantos lamentos'. Escreve Salviano que muitas pessoas não poderiam ser santas, se gozassem de boa saúde. Com efeito, falando especialmente das mulheres santas, lê-se em suas vidas que quase todas foram vítimas de diversas enfermidades. Santa Teresa, durante quarenta anos, não passou um só dia sem sofrimentos. É por isso que Salviano acrescenta que as pessoas consagradas ao amor de Jesus Cristo são enfermas e enfermas querem ser.

2. Diz aquela outra: 'Eu não me lamento de ser doente, mas sinto não poder ir ao coro, nem comungar, nem fazer oração, e ser pesada ao mosteiro'. Deixai-me responder ponto por ponto. Dizei-me, porque desejais ir recitar o ofício no coro e comungar na igreja? Para agradar a Deus? Pois bem. Se, porém, agradar a Deus é que não rezeis o ofício nem façais a comunhão, mas que fiqueis no leito a sofrer, para que vos haveis de afligir? O bem aventurado Padre Mestre Ávila escreveu a um sacerdote enfermo estas palavras: 'amigo, não persistais em considerar no que haveríeis de fazer, se tivésseis saúde; mas contentai-vos de estar enfermo pelo tempo que a Deus aprouver. Se procurais fazer a vontade de Deus, que coisa mais vos importa? estar com saúde ou estar enfermo?' E até dizia São Francisco de Sales que se serve mais a Deus com o sofrimento do que com o trabalho. 

Dizeis que, estando enfermas, não podeis fazer a oração. Por que? concede que não possais aplicar o espírito a meditação; mas que vos impede de lançar os olhos sobre o crucifixo e de lhe oferecer as penas que padeceis? Ora, que mais bela oração poderíeis fazer do que sofrer e vos resignar com a vontade de Deus, unindo as vossas dores as de Jesus Cristo e assim apresentá-las a Nosso Senhor? Dizeis, enfim, que neste estado, em vez de ser útil, sois pesada à comunidade. Mas, como vos conformais com a vontade divina, deveis supor que vossas irmãs se conformem também, vendo que, se sois pesada ao convento, não é por vossa culpa, mas pela vontade de Deus. Ai! estes desejos e estes sentimentos não nascem do amor de Deus, mas do amor próprio, porque quereríamos servir ao Senhor não como lhe agrada, mas como nos apraz. 

3. Eia pois! Abraçai com resignação todas as enfermidades, que Deus vos envia, se quereis deveras dar-lhe prazer e, ao mesmo tempo, dar bom exemplo às vossas irmãs. Oh! como edifica a religiosa que, no meio dos maiores sofrimentos e ainda mesmo achando-se em perigo de morte, mostra sempre o rosto sereno, não se lamenta dos médicos nem das irmãs, mas agradece a todos o menor cuidado ou serviço que lhe prestam, e aceita com submissão os remédios que lhe aplicam, por mais amargos e dolorosos que sejam! Santa Liduvina passou trinta e oito anos estirada em uma tábua, abandonada, coberta de chagas e cruciada de dores, e jamais se lamentou de qualquer coisa, mas tudo suportou com calma e resignação. 

... Quando sofrermos alguma dor, lancemos um olhar sobre tantos santos mártires, que tiveram suas carnes dilaceradas com unhas de ferro ou mesmo queimadas com lâminas ardentes; e, sustentados pelo seu exemplo, tenhamos coragem de oferecer a Deus qualquer dor, que padeçamos. À paciência nas doenças, é necessário unir a paciência no rigor das estações. Quando faz muito frio ou muito calor, algumas se inquietam e se lamentam, principalmente se lhes faltam algumas vestes ou alguns alívios que desejariam. Longe de proceder assim, bendizei essas criaturas como ministras da vontade de Deus, e dizei como os três moços atirados na fornalha: 'fogo e calor, gelo e frio, bendizei ao Senhor'. 

4. Sobretudo no tempo da doença, devemos nos resignar com a morte, se a hora for chegada, e com a morte que a Deus aprouver enviar-nos. E que coisa é esta vida, senão uma contínua tempestade, em que estamos sempre em perigo de nos perdermos? São Luiz Gonzaga, que morreu na flor da mocidade, abraçou com alegria a morte, dizendo: 'agora eu me acho na graça de Deus, como espero: depois, eu não sei o que será de mim: por isso deixo esta terra satisfeito, se apraz a Deus chamar-me à outra vida'. Mas dizeis vós: 'São Luiz era santo e eu sou uma pecadora'. Ouvi o que vos responde o Bem aventurado Padre Mestre Ávila: 'todo aquele que se acha com boa disposição, embora medíocre, deve desejar a morte, para evitar o perigo de perder a graça divina, no qual sempre se vive nesta terra'. Que há de melhor do que adquirir, por uma boa morte, a certeza de não perder mais a amizade de Deus? 

Mas, replicais, até o presente, eu nada ganhei para o céu; eu quereria viver ainda para fazer alguma coisa antes de morrer. E se Deus não vos chama agora à outra vida, como sabeis que, prolongando os vossos dias, não fareis ainda pior do que dantes e que, por novos pecados, não acabareis por vos condenardes? Afinal, se não tivéssemos outro motivo, deveríamos abraçar com resignação a morte, quando se apresenta, porque ela nos livra dos pecados. Neste mundo ninguém está isento de pecados, ao menos veniais. Isto é o que fazia dizer São Bernardo: 'para que desejarmos viver, sabendo quanto mais multiplicarmos nossos dias, mais havemos de multiplicar os pecados?' Além disso, se amamos a Deus, devemos anelar ir vê-lo e amá-lo face à face no paraíso; ora, se a morte não nos abrir a porta, não poderemos entrar na pátria celestial. É por isso que Santo Agostinho, abrasado de amor de Deus, dizia: 'Senhor, fazei que eu morra, para vos poder ir ver'.

(Excertos da obra 'A Verdadeira Esposa de Jesus Cristo', de Santo Afonso Maria de Ligório)