segunda-feira, 12 de agosto de 2019

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XXXVI)

LVII

DO DOM CORRESPONDENTE À VIRTUDE DA TEMPERANÇA

Existe algum dom do Espírito Santo correspondente à virtude da temperança?
Sim, Senhor; o dom do temor (CLI, 1 ad 3)*.

Porém, não dissestes que o dom de temor corresponde à virtude teologal da esperança?
Corresponde às duas, porém, sob distintos aspectos (Ibid).

Quando pertence a uma e quando à outra?
Corresponde à virtude teologal da Esperança, quando o homem reverencia a Deus e evita as suas ofensas em consideração à sua grandeza infinita; e pertence à virtude cardeal da temperança quando, por consequência do grande respeito devido à Majestade divina que o dom inspira, procura não incorrer nos pecados com que se ofende a Deus com maior frequência, como é o abuso dos prazeres sensuais (Ibid).

Não basta a virtude da temperança para evitá-los?
Sim, Senhor; porém, em muito menor eficiência, porque não dispõe de outros meios além dos próprios do homem guiado pela luz da razão e da fé; enquanto que o dom do temor o auxilia com a moção pessoal e onipotente do Espírito Santo, permitindo-lhe, em virtude do respeito e reverência devidos à majestade divina, manter refreados os prazeres dos sentidos e os incentivos de pecar.

LVIII

DOS PRECEITOS RELATIVOS À TEMPERANÇA

Existe na lei divina algum preceito relativo à temperança?
Sim, Senhor; há dois (CLXX).

Quais são?
O sexto e nono preceitos do Decálogo: 'Não cometerás adultério' e 'Não desejarás a mulher do teu próximo'.

Por que os preceitos falam só do adultério e por que há no Decálogo dois preceitos nesta matéria?
O primeiro porque, entre os pecados contra a temperança, é o que mais profundamente perturba as boas relações entre os homens em matéria de justiça, objeto principal do Decálogo e o segundo, para dar-nos a entender a grande necessidade de combater o funesto pecado do adultério (CLXXI).

Existem no Decálogo mandamentos relativos às virtudes agregadas à temperança?
Não, Senhor; porque, consideradas em si mesmas, não moderam diretamente as relações com Deus, nem com o próximo; porém, tendo em consideração os seus efeitos, abrangem preceitos da primeira e da segunda tábua; como, por exemplo, o de honrar a Deus e aos pais, dever que o homem esquece por consequência do pecado de soberba; o que proíbe o homicídio, extremo a que o homem chega pela ira (CLXX, 2).

Deviam ter-se dado no Decálogo mandamentos e normas positivas para exercitar a virtude da temperança e suas agregadas?
Não, Senhor; porque os mandamentos do Decálogo devem ser aplicáveis a todos os homens em todas as épocas, e o exercício positivo destas virtudes, tais como a maneira de apresentar-se, vestir, falar, etc, varia com os tempos, lugares e costumes (CLXX, 1 ad 3).

Quem tem autoridade para regulamentar estas ações?
A Igreja.

Há na Sagrada Escritura alguma passagem em que somos convidados a pedir a Deus o dom de temor correspondente à virtude da temperança?
Sim, Senhor; aquele belo texto do Salmo 118, 120: Confige timore tuo carnes meas - 'O vosso temor extermine as rebeliões da minha carne'.

LIX

DE COMO SÃO SUFICIENTES AS VIRTUDES ENUMERADAS PARA CONSEGUIR A VIDA ETERNA — DA VIDA ATIVA, DA VIDA CONTEMPLATIVA E DO ESTADO DE PERFEIÇÃO — DA VIDA RELIGIOSA: AS CONGREGAÇÕES RELIGIOSAS NA IGREJA

Já temos conhecimento suficiente de todas as virtudes que o homem deve praticar para alcançar a glória, e dos vícios de que se deve precaver para se não expor a perdê-la?
Sim, Senhor; porque aprendemos a conhecer e a amar o fim sobrenatural e a tomá-lo por norte da vida, nas grandes virtudes da fé, esperança e caridade; estudamos as quatro virtudes morais cardeais: prudência, justiça, fortaleza e temperança, consideradas não só na ordem natural e como hábitos adquiridos, mas também como virtudes infusas em proporção com as teologais; e, conjuntamente com elas, as normas práticas para governar a nossa vida em harmonia com o fim sobrenatural; por conseguinte, basta praticar o estudado e de resto corresponder à inspiração dos dons do Espírito Santo, para alcançarmos um dia a bem aventurança eterna da glória. E, se, por desgraça, cairmos em algum pecado, dispomos de meios para satisfazer por ele e para aplicar em nós o valor satisfatório da paixão de Cristo, mediante outra virtude, a da penitência, que estudaremos na Terceira Parte desta obra.

Quantos métodos de vida existem para praticar o conjunto das virtudes enunciadas, objeto principal, ou para melhor dizer, único de nossa passagem pela vida?
Dois, chamados, vida ativa e vida contemplativa (CLXXLX - CLXXXII).

Que entendeis por vida contemplativa?
Aquela em que o homem, vencidas e sossegadas as paixões, isento e livre de cuidados e negócios temporais, passa a vida, na medida que lhe permite a pobre condição humana, sem outros afãs nem ocupações e nem deleites, do que os de meditar e contemplar a beleza e perfeições de Deus e as da natureza, obra de suas mãos; em conhecer estas verdades encontra a sua perfeição, e em amar o que contempla encontra tão delicado deleite que foge de tudo mais, parecendo-lhe vão tudo o que não seja Deus (CLXXX, 1 - 8).

Logo, a vida contemplativa supõe todas as virtudes?
Supõe-nas todas, como disposições, e, além disso, aperfeiçoa-as, porque consiste numa atuação em que intervém todas, as intelectuais e as morais, dispostas para que nelas se exerça a ação pessoal do Espírito Santo, mediante os seus dons (CLXXX, 2).

Em que consiste a vida ativa?
No exercício das virtudes morais, especialmente da prudência, porque o seu objeto não é a contemplação, mas a ação neste mundo e, para regular as ações, se necessitam as virtudes morais (CLXXXI, 1-4).

Qual destes dois gêneros de vida é mais perfeito?
Indubitavelmente, a contemplativa, porque é na terra uma imagem da do céu (CLXXXI, 1-4).

A prática das virtudes, em que se constitui a vida ativa e contemplativa, é compatível com todos os estados e condições, ou está ligada a algum em especial?
Pode encontrar-se em todos os estados ordinários ou desenvolver-se no estado de perfeição.

Que entendeis por estado de perfeição?
Um gênero de vida fixo e permanente em que o homem, livre dos laços com que o escravizam às necessidades da vida, pode, sem prisões nem estorvos, dedicar-se ao serviço de Deus (CLXXXIII, 1,4).

Perfeição é o mesmo que estado de perfeição?
Não, Senhor; porque a perfeição é interior, e no estado de perfeição se considera principalmente um conjunto de atos exteriores (CLXXXIV, 1).

Podemos ser perfeitos sem viver em estado de perfeição ou viver em estado de perfeição e não ser perfeitos?
Sim, Senhor (CLXXXIV, 4).

Logo, para que ingressar no estado de perfeição?
Porque facilita a sua aquisição, e é ali que ordinariamente se encontra.

Logo, que é que constitui o estado de perfeição?
A obrigação perpétua e adquirida em forma solene de levar uma vida interior em conformidade com o que a perfeição exige (Ibid).

Quem vive em estado de perfeição?
Os bispos e os religiosos (CLXXXIV, 5).

Por que se acham os bispos no estado de perfeição?
Porque no momento de receberem a consagração e tomarem o ofício e cargo pastorais, se obrigam solenemente a dar a vida por suas ovelhas (CLXXXIV, 6).

Por que o estão os religiosos?
Porque se obrigam, com votos perpétuos, feitos com a solenidade que a profissão ou a benção requerem, a por de parte os bens deste mundo que licitamente poderiam usufruir, para mais livremente se consagrarem ao serviço de Deus (CLXXXIV, 5).

Qual destes dois estados é o mais perfeito?
É o dos bispos (CLXXXIV, 7).

Por que?
Porque, tendo em devida conta o aforismo, é mais nobre quem dá do que quem recebe, os bispos têm obrigação de ser perfeitos, e os religiosos a obrigação de aspirar à perfeição (Ibid).

Por que dizeis que os religiosos, pelo seu estado, propendem para a perfeição?
Porque, em virtude, dos três votos de pobreza, castidade e obediência, encontram-se felizmente impossibilitados de pecar e obrigados a fazer bem todas as coisas (CLXXXVI, 1 - 10).

São essenciais os três votos no estado religioso?
São tão essenciais que, sem eles, não poderia existir (CLXXXVIII).

Em que se distinguem?
Nos diferentes ministérios em que o homem pode consagrar-se totalmente ao serviço de Deus e nas diversas práticas e exercícios com que se dispõe para exercê-los (CLXXXVIII, 1).

Como se classificam as Ordens religiosas?
Em dois grupos ou famílias. segundo o gênero de vida que observem (CLXXXVIII, 2-6).

Logo, há Congregações de vida ativa e Congregações de vida contemplativa?
Sim, Senhor.

Que entendeis por congregações de vida ativa?
Aquelas em que a maior parte das ocupações de seus membros se ordenam a servir ao próximo pelo amor de Deus (CLXXXVIII.2 ad 2).

E por congregações de vida contemplativa?
Aquelas cujos religiosos se dedicam exclusivamente ao culto e serviço de Deus (Ibid).

Quais são as mais perfeitas?
As da vida contemplativa; apesar disso, ainda as excedem aquelas que têm por objeto principal os estudos sagrados e o culto divino, para comunicar aos povos o fruto de suas meditações e estudos, e atraí-los, por este meio, ao serviço de Deus (CLXXXVIII, 6).

É conveniente que haja Congregações religiosas em contato com a sociedade? 
É muito conveniente e sumamente útil porque, além de serem asilo de todas as virtudes e constituírem santuários onde elas se praticam com maior perfeição, contribuem para o bem estar do próximo com obras de caridade, de apostolado e de sacrifício.

Por que é própria e característica das congregações religiosas a prática de todas as virtudes em grau excelente?
Porque os seus membros se consagram, por dever e vocação, a marchar pelo único caminho que devem percorrer os homens, a fim de praticarem as virtudes e alcançarem a bem aventurança.

Qual é este caminho fora do qual não é possível ir ao encontro de Deus ou praticar as virtudes?
É Nosso Senhor Jesus Cristo ou o Mistério do Verbo feito carne; dele vamos tratar e o seu estudo será objeto da Terceira Parte desta obra.

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)