terça-feira, 23 de outubro de 2018

CATECISMO MAIOR DE PIO X (XIII)

TERCEIRA PARTE

UMA BREVE HISTÓRIA DA IGREJA 

As perseguições e os mártires 

121. Mas a fé cristã teria que passar por duríssimas provas para que se manifestasse claramente que vinha de Deus e que somente Deus a sustentava. Nos três primeiros séculos de sua existência, a saber, no transcurso de trezentos anos, muitas perseguições terríveis levantaram-se contra os discípulos de Jesus Cristo, por ordem dos imperadores romanos. A guerra suscitada contra os cristãos não era contínua, mas recrudescia após intervalos curtos, e então era necessário que dessem razão à sua fé; constrangia-os a oferecer incenso aos ídolos, e se recusavam a isso, sujeitavam-nos a todo tipo de ultrajes, penas e tormentos que a malícia humana era capaz de inventar, e até mesmo a própria morte. 

122. Eles não davam nenhum motivo de ódio para seus inimigos; reuniam-se para suas devoções e para assistir ao divino Sacrifício comumente em lugares subterrâneos, escuros e solitários que ainda subsistem em Roma e em outros lugares, chamados cemitérios ou catacumbas. Mas nem por isso evitavam o perigo de morte. Inumeráveis multidões deles deram testemunho, com o derramamento de seu sangue, da fé em Jesus Cristo, por cuja confirmação os Apóstolos e seus imitadores haviam morrido. Por isso são chamados de mártires, que significa testemunhas. A Igreja reconhecia estas preciosas vítimas da fé, recolhia seus cadáveres, dava-lhes sepultura honrosa nos lugares santos da Dormição e os admitia às honras dos altares. 

123. A Igreja não teve paz sólida até que o Imperador Constantino que, vencedor de seus inimigos, favorecido e alentado por uma visão do céu, publicou editos dando a todos liberdade de abraçar a religião cristã; os cristãos voltavam a tomar posse dos bens que lhes foram confiscados; ninguém poderia perturbá-los por causa de sua fé; não deviam ser mais excluídos dos cargos e posições do Estado; podiam erguer igrejas; e, por vezes, o próprio imperador custeava-lhes os gastos. Os confessores da fé que estavam na prisão foram libertados, os cristãos começaram a celebrar suas reuniões com esplendor e os mesmos gentios sentiam-se atraídos a glorificar o verdadeiro Deus. 

124. Constantino derrotou seu último concorrente, tornou-se senhor do mundo romano, e viu-se a cruz de Jesus Cristo tremular resplandecente nas bandeiras do império. Em seguida, dividiu o império em oriental e ocidental, fazendo de Bizâncio no Bósforo, uma nova capital, que embelezou e chamou Constantinopla (d.C. 330). Esta metrópole rapidamente transformou-se numa nova Roma, em função da nova autoridade imperial que nela residia. Então o espírito de orgulho e novidade se apoderou de alguns eclesiásticos constituídos ali em alta dignidade, que ambicionavam o primado do Papa e de toda a Igreja de Jesus Cristo. A partir dali surgiram gravíssimos conflitos durante muitos séculos e, finalmente, o desastroso Cisma, com que Oriente se separou do Ocidente (século IX) subtraindo em grande parte a divina autoridade do Pontífice Romano, que é o sucessor de Pedro, Vigário de Jesus Cristo.

As heresias e os concílios 

125. Quando saía vitoriosa da guerra exterior do paganismo e vencia a prova de ferozes perseguições, a Igreja de Jesus Cristo, assaltada por inimigos interiores, entrou em guerra intestina, muito mais terrível. Guerra longa e dolorosa que, iniciada e alimentada por maus cristãos, seus filhos degenerados, ainda não chegou ao fim, mas da qual emergirá a Igreja triunfante, conforme a palavra infalível de seu divino Fundador a seu primeiro Vigário na terra, o Apóstolo São Pedro: 'Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela' (Mt 16, 18). 

126. Já nos tempos apostólicos, havia homens perversos que, por interesse e ambição, perturbavam e corrompiam no povo a pureza da fé com erros abomináveis. Foram combatidos com a pregação dos Apóstolos, com os escritos e com as infalíveis sentenças do primeiro Concílio que celebraram em Jerusalém. 

127. Desde então não parou o espírito das trevas em seus ataques venenosos contra a Igreja e as divinas verdades de que é depositária indefectível; e suscitando constantemente novas heresias, tem estado a atacar, um após outro, todos os dogmas da religião cristã. 

128. Entre outras, são tristemente notórias as heresias de Sabellius, que desafiou o dogma da Santíssima Trindade; de Manes, que negou a unidade de Deus e admitiu duas almas no homem; de Ário, que não quis reconhecer a divindade de nosso Senhor Jesus Cristo; de Nestório, que recusou à Santíssima Virgem a excelsa dignidade de Mãe de Deus e distinguiu em Jesus Cristo duas pessoas; de Eutiques, que não admitiu em Jesus Cristo mais do que uma só natureza; de Macedônio, que combateu a divindade do Espírito Santo; de Pelágio, que atacou o dogma do pecado original e da necessidade da graça; dos Iconoclastas, que rejeitaram o culto das Sagradas Imagens e das Relíquias dos Santos; de Berengário, que se opôs à presença real de nosso Senhor Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento; de João Huss, que negou o primado de São Pedro e do Romano Pontífice, e finalmente a grande heresia do Protestantismo (século XVI), forjada e propagada principalmente por Lutero e Calvino. Estes inovadores, ao rejeitar a Tradição divina, reduzindo toda a revelação à Sagrada Escritura, e subtraindo a mesma Sagrada Escritura ao legítimo magistério da Igreja para entregá-la insensatamente à livre interpretação do espírito privado, demoliram todos os fundamentos da fé, expuseram os Livros Sagrados às profanações da presunção, da ignorância e abriram a porta a todos os erros. 

129. O Protestantismo ou religião reformada, como orgulhosamente a chamam seus fundadores, é o compêndio de todas as heresias que houve antes dele, que houve depois e que podem ainda nascer para a ruína das almas. 

130. Com uma luta incansável que dura vinte séculos, a Igreja Católica não cessou de defender o depósito sagrado da verdade que Deus lhe deu e de amparar os fiéis contra o veneno das doutrinas heréticas. 

131. À imitação dos Apóstolos, que sempre exigiu a necessidade pública, a Igreja, congregada no Concílio ecumênico ou geral, definiu com toda clareza a verdade católica, dogma da fé que ela propõe a seus filhos e arrojado de seu seio os hereges, lançando contra eles a excomunhão e condenando seus erros. O Concílio Ecumênico ou geral é uma augusta assembleia, por meio da qual o Romano Pontífice convoca todos os Bispos do mundo e outros Prelados da Igreja, presidida pelo mesmo Papa em pessoa ou por seus legados. A esta assembleia que representa toda a Igreja docente, está prometida a assistência do Espírito Santo, e suas decisões em matéria de fé e de costumes, depois de confirmadas pelo Sumo Pontífice, são seguras e infalíveis como a palavra de Deus.

132) O Concílio que condenou o Protestantismo foi o Sacrossanto Concílio de Trento, denominado assim por causa da cidade onde se celebrou. 

133. Ferido com esta condenação, o Protestantismo viu desenvolver-se os gérmens da dissolução que levava em seu organismo viciado: as discussões o dilaceraram, multiplicaram-se as seitas que, dividindo-se e subdividindo-se, reduziu-se a pequenos fragmentos. No presente, o nome protestantismo já não significa uma crença uniforme e generalizada, mas um acúmulo, o mais monstruoso, de erros privados e individuais, que recolhe todas as heresias e representa todas as formas de rebelião contra a santa Igreja Católica. 

134. No entanto, o espírito protestante, que é o espírito de liberdade desenfreada e oposição a toda autoridade, não deixou de se espalhar, e muitos homens que, inchados com uma ciência vã e orgulhosa, dominados pela ambição e interesse, não hesitaram em forjar ou dar incentivo a transtornadoras teorias da fé, da moral e de toda autoridade divina e humana. 

135. O Sumo Pontífice Pio IX, depois de ter condenado no Syllabus muitas das proposições capitais desses irresponsáveis cristãos, para aplicar o machado à raiz, havia convocado em Roma um novo Concílio ecumênico. Começou felizmente sua obra ilustre e benéfica nas primeiras sessões, que se celebraram na Basílica de São Pedro, no Vaticano (de onde veio o nome de Concílio Vaticano I), quando em 1870, pelas vicissitudes dos tempos, teve que suspendê-las. 

136. É de esperar que, acalmada a tempestade que agita momentaneamente a Igreja, o Romano Pontífice organize e leve adiante o trabalho providencial do Santo Concílio e que, desfeitos os erros que agora combatem a Igreja e a sociedade civil, possamos ver em breve a verdade católica brilhar com nova luz e iluminar o mundo com seus eternos resplendores*.

* Em 25 de dezembro de 1961, através da bula papal Humanae Salutis, o Papa João XXIII convocou o XXI Concílio Ecumênico da Igreja Católica, ou Concílio Vaticano II, que foi realizado em 4 sessões e terminou no dia 8 de dezembro de 1965, sob o pontificado de Paulo VI. Em quatro sessões, mais de 2 mil prelados convocados de todo o mundo discutiram e regulamentaram vários temas da Igreja Católica. As suas decisões estão expressas em 4 constituições, 9 decretos e 3 declarações elaboradas e aprovadas pelo Concílio. Embora a intenção fosse a de atualizar a Igreja, adaptando-a ao mundo de hoje, os frutos deste Concílio, que foi pastoral e não dogmático, para muitos estudiosos, ainda não foram totalmente compreendidos, resultando por isso vários problemas complexos de serem solucionados, uma vez que algumas das propostas, posteriores interpretações e aplicações, pareceram levar a Igreja a um estado de contradição com seu passado de 2 mil anos de existência.

(Do Catecismo Maior de Pio X)