terça-feira, 10 de julho de 2018

INTERPRETAÇÕES DOS SONHOS DE DOM BOSCO (II)


Ainda no contexto do primeiro sonho de Dom Bosco, são feitas as seguintes considerações adicionais:

O primeiro Conselho tem sido comumente interpretado como sendo o Concílio Vaticano I, realizado no Vaticano entre 08/12/1869 e 18/07/1870, quando foi bruscamente interrompido pele deflagração da guerra franco-alemã em 19/07/1870, que culminou com a ocupação de Roma em 20/09/1870 pelas tropas de Victor Emmanuel II. Em 20/10/1870, o Papa Pio IX (1846 - 1878) suspendeu formalmente o Concílio para uma posterior reabertura e continuação, o que nunca ocorreu. O segundo Conselho corresponderia, então, ao Concílio Vaticano II, que sucedeu ao primeiro quase cem anos depois, tendo sido convocado pelo Papa João XXIII (1958 - 1963) em 25 de dezembro de 1961. Realizado no Vaticano, o CVII estendeu-se entre 11 de outubro de 1962 e 07 de dezembro de 1965, e foi concluído pelo Papa Paulo VI (1963 - 1978), então sucessor do papa João XXIII, falecido em 1963.

O Concílio Vaticano I foi proclamado pelo Papa Pio IX em dezembro de 1864, portanto, menos de três anos após a revelação do sonho profético de Dom Bosco e teve de ser bruscamente interrompido pela guerra ('os pilotos foram mandados de volta aos seus navios', sob a fúria crescente do vento e da tempestade). A Igreja vivia tempos extraordinariamente difíceis à época; o racionalismo e o modernismo devastavam os espíritos em favor de uma descrença quase que generalizada (particularmente da sociedade europeia) diante de fenômenos não explicados rigorosamente pelas leis da natureza. E a visão de Dom Bosco iria confirmar que isso era apenas o prenúncio de tempos muito mais calamitosos.

Com efeito, ao final do relato do sonho em 1862, Dom Bosco questionou a um dos sacerdotes presentes (Dom Miguel Rua, o primeiro sucessor de Dom Bosco) o significado daquelas visões. Após a breve explanação do entendimento dos fatos pelo sacerdote, Dom Bosco lhe retrucou: 'preparam-se gravíssimos sofrimentos para a Igreja; o que até agora aconteceu é quase nada comparado com aquilo que deve acontecer'. Ou seja, os fatos narrados estão encerrados num contexto de tempo mais além que a época de Dom Bosco (e também do Concílio Vaticano I), num futuro mais abrangente, que permitiria uma 'preparação' cuidadosa dos inimigos da igreja para impor a ela 'sofrimentos gravíssimos'. 

Na época do CVI, a gravidade dos fatos era 'quase nada' diante da devastação que estava para acontecer durante a reunião do Segundo Conselho - Concílio Vaticano II (tempos de uma 'borrasca espantosa'). Todos os esforços de ordenamento e zelo doutrinário deste Conselho tornaram-se infrutíferos porque foram forjados no âmbito de uma crescente e desastrosa reforma litúrgica que, rompendo as amarras da Igreja à sã doutrina de Cristo e aos apelos da Virgem de Fátima, a impulsionou desordenadamente para águas turbulentas e mar aberto, à mercê das tempestades e dos ataques insidiosos de todos os seus inimigos ('aquilo que deve acontecer'). 

No nono aniversário de sua coroação como Papa, na Festa dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, em 29 de junho de 1972, o Papa Paulo VI revelou: 'Acreditamos que após o Concílio viria um dia de sol brilhante para a história da Igreja. Porém, em vez disso, veio um dia de nuvens, tempestades e de escuridão… e como foi que isso aconteceu? Há um poder, um poder adversário. Chamemo-lo pelo nome: o demônio. Parece que, por alguma rachadura misteriosa, a fumaça de Satanás entrou no templo de Deus'. Assim, a nossa época expressa a tragédia da nave-mãe submetida a todos os perigos em mar revolto.

Quatro testemunhas tentaram reproduzir os principais aspectos do conteúdo assombroso do sonho e os manuscritos tendem a concordar substancialmente, sendo que as suas pequenas diferenças traduzem meramente as naturais dificuldades de entendimento e apreensão de toda a narrativa apresentada. Em geral, tende-se a concordar que as visões de Dom Bosco abrangem certamente tempos diversos e vários pontificados, a começar por Pio IX. Entretanto, uma discrepância é muito significativa: a narrativa fala em dois ou em três papas da fase final da tremenda batalha? E o próprio Dom Bosco parece ter esclarecido mais tarde (em 1866) em favor da versão de três papas e não de dois, como parece ser mais indicado pela narrativa formal. O primeiro ferimento afeta gravemente um primeiro papa que cai e 'a segunda vez' refere-se ao ferimento mortal causado a um segundo papa que cai e morre, e ao qual sucede o terceiro papa que finalmente há de levar a nau da Igreja, com firmeza e segurança, até lançar âncoras diante dos dois pilares da Fé Católica e que se projetam às alturas do firmamento. É importante ressaltar que a nave majestosa da Igreja pode ser solidamente ancorada aos pilares por duas pequenas correntes, símbolos das devoções aos sagrados corações de Jesus e de Maria. 

É bem possível que estejamos vivendo uma parte da visão de Dom Bosco mas, como toda profecia genuína antes de seu cumprimento final, há muito de incerteza e ambiguidade para se pensar em estabelecer uma interpretação completa dos eventos. O presente exercício é uma mera tentativa de se compreender o conteúdo do sonho, à luz de fatos sobejamente conhecidos. Duas questões, entretanto, parecem ser conclusivas e definitivas: o final da visão revela um incondicional triunfo da Igreja, em escala mundial (a 'calmaria do mar' como um todo), conquistado depois de muita luta e sofrimento. E que este triunfo será alcançado necessariamente por meio da devoção ao Santíssimo Sacramento e pela intervenção explícita de Nossa Senhora, Auxílio dos Cristãos.