terça-feira, 28 de novembro de 2017

OS MAIS BELOS LIVROS CATÓLICOS DE TODOS OS TEMPOS (6)

11. SANTA CATARINA DE SENA O DIÁLOGO

A curta vida de Catarina Benincasa (1347 - 1380) foi um portento de graças e experiências extraordinárias, que incluíram êxtases diversos, visões sobrenaturais, estigmas no corpo e um matrimônio místico com Cristo. Neste domínio do sobrenatural, a grande mística dominicana estabeleceu uma cruzada singular de atuação social e religiosa no seu tempo, traduzida em escritos marcados pela defesa intransigente da fé cristã e por uma sólida fundamentação teológica, que a tornaram santa Catarina de Sena (em 1461) e Doutora da Igreja (em 1970).  

Estes ensinamentos e esta ação social, estreitamente vinculados aos êxtases de sua vida espiritual, estão sobejamente presentes em suas obras, particularmente sob a forma de Cartas, endereçadas a todo tipo de pessoa, desde familiares até reis e papas (381 delas são conhecidas atualmente). O 'Diálogo sobre a Divina Providência' ou, mais simplesmente, 'O Diálogo', provavelmente escrito entre 1377 e 1378 constitui, entretanto, a sua obra prima, por compor uma singular e extraordinária síntese teológica do amor de Deus para com a humanidade. Os escritos eram gerados após êxtases da santa que, sendo analfabeta, ditava então os textos para 'secretários' que os transcreviam o mais fidedignamente possível. A preservação de uma clara e sistemática unidade de estilo destes textos comprovam que realmente conseguiram isso.

O 'Diálogo' é um clássico da espiritualidade cristã, constituindo um longo e apaixonado diálogo entre Santa Catarina e o próprio Deus, em que se traduz e se revela por inteiro uma vida de tão extremada espiritualidade que foi capaz de viver e conviver cotidianamente na intimidade com Deus. O livro relata o diálogo contínuo entre a pequena serva e Deus Pai, abrangendo temas diversos como a natureza do pecado, a missão redentora de Cristo, a criação do universo, a atuação do clero e a conversão da humanidade. 

No 'Diálogo', Jesus Cristo é descrito por Deus Pai como uma imagem absolutamente singular: Ele é a ponte de pedra que liga o Céu e a terra. Esta ponte possui três degraus, conformados pelos pés, pelo flanco e pela boca de Jesus. Elevando-se sobre estes degraus, a alma percorre o caminho da verdadeira santificação, pelo desapego aos pecados, pela prática das virtudes e do amor e pela doce e filial união com Deus. Quem não quiser passar pela ponte escolhe como caminho o rio dos pecados. A reflexão sobre estes extraordinários ensinamentos nos levam a compreender a razão e a natureza da nossa peregrinação terrena como processo contínuo de fidelidade e compromisso de mudança interior na direção de Deus, o qual chamamos de conversão.

12. SÃO JOÃO DA CRUZ A NOITE ESCURA DA ALMA

Em 'A Noite Escura da Alma', São João da Cruz (1542 - 1591) mostra  porque é um dos maiores expoentes da literatura católica mística de todos os tempos. A força e o legado da mística que pulsava no seu mundo interior são revelados particularmente pelo lirismo e complexidade da sua poesia, deixando latente ou subjacente o rigor teológico das suas reflexões. Embora tenha deixado também vários escritos em prosa, estes se resumem essencialmente a comentários ou explicações de sua poesia. 

'A Noite Escura da Alma' não é propriamente um livro, mas um poema que tem por título a expressão que aparece logo no primeiro verso: 'Em uma noite escura...', sendo composta por apenas oito estrofes e alguns comentários em prosa. Somente as duas primeiras estrofes do poema são comentadas detalhadamente pelo santo, enquanto a terceira estrofe recebe apenas uma apresentação sumária; os demais textos ficaram inconclusos e as razões desta interrupção da obra continuam  ainda desconhecidas. O poema propriamente dito pode ser dividido em três partes. Nas quatro primeiras estrofes (I-IV), aborda-se a peregrinação da amada na noite escura e ditosa, que parte para o Amado guiada pela luz que em seu coração ardia. Na quinta estrofe (V), celebra-se a chegada da amada ao 'sítio onde ninguém aparecia' e o festejado anúncio da união mística, que é descrita, então, nas três últimas e mais belas estrofes do poema. É o momento de maior densidade lírica, onde se revela por inteiro o pensamento místico do santo e a verve esplêndida do poeta, com a presença de imagens e alegorias de uma intensidade inusitada.

No poema, a Cruz é substituída pela expressão 'noite escura', que expressa numa linguagem sublime as noites, os dias, os momentos de dor, sofrimento, agonia e angústia das nossas vidas, quanto tudo que temos é nada, quando tudo em que nos sustentamos nos falta, quando tudo que tem significado e consistência de repente se transforma em névoas e fumaça. Noites escuras da alma, dons extremados de Deus para a nossa santificação pessoal, em que clamamos o Senhor, tão olvidado nos momentos de prazer e de alegria, e só encontramos o silêncio e a incrédula certeza da nossa imensa pequenez.

E, dessa miséria, o cristão é exortado a subir o Calvário, a ir de encontro à Cruz de Cristo pois, somente se entregando ao sofrimento da Cruz, é capaz de ser fonte de luz, mais brilhante que o sol do meio dia, em meio às tormentas tenebrosas deste mundo. Na Cruz, Jesus nos espera. Com a Cruz das noites escuras, nos libertamos do homem velho e do pecado e nos elevamos da terra ao encontro do Senhor, o Amado, para a posse definitiva da graça de Filhos de Deus neste mundo e herdeiros das moradas eternas.