quinta-feira, 20 de outubro de 2016

APRENDENDO A REZAR (II)

Parte II

Sobre a Regra de Oração

Temos que aprender a orar. Devemos dominar a arte das frases e movimentos dos sentimentos da oração de modo a não apenas ler uma oração que devemos, mas também para invocar e fortalecer o espírito de oração em nossas almas. Para obter êxito nisto, devemos:

Primeiro: nunca orar com pressa, pelo contrário, devemos fazê-lo lentamente, como se estivéssemos cantando. Antigamente, quando todas as orações eram retiradas dos salmos, elas eram cantadas, e não lidas.

Segundo: perceba cada palavra, não apenas compreendendo a ideia conscientemente, mas também envolvendo a emoção apropriada. 

Terceiro: de modo a dominar seu desejo de ler rapidamente; faça uma regra para si mesmo de que rezar não é apenas ler esta ou aquela quantidade de orações, mas sim dar algum tempo definido para a oração, por exemplo, quinze minutos ou meia hora, ou tanto tempo quanto você estiver acostumado a rezar. Não se preocupe com a quantidade de orações, mas quando o tempo estabelecido tiver acabado e você não quiser mais continuar a orar, apenas pare onde estiver.

Quarto: tendo se ajustado desta maneira, não olhe para o relógio, mas permaneça ali como se fosse ficar de pé ali para sempre, deste modo, não irá se apressar. 

Quinto: de modo a ajudar o movimento dos sentimentos de oração, releia e reflita sobre todas as orações da sua regra de oração no seu tempo livre com os sentimentos devidos de modo que, quando estiver rezando, saberá de antemão que sentimento deve surgir no seu coração.

Sexto: nunca leia todas as orações uma após a outra, mas sempre as intercale com as suas próprias orações e reverências. Quando sentir algo repentinamente entrando no seu coração você deve parar sua oração e fazer reverências. Esta última regra é a mais importante e necessária para trazer o espírito de oração. Se você for tomado por algum sentimento muito forte, retenha-o e faça reverências até o final do tempo estabelecido sem ler as orações.

Ore não apenas pela manhã e à noite, mas se tiver a oportunidade, a qualquer hora do dia, fazendo reverências várias vezes. Quando você estiver ocupado demais para cumprir sua regra de oração, encurte-a, mas não ore com pressa. Deus está em toda parte. Após acordar pela manhã, dê graças a Ele e peça-Lhe, com suas próprias palavras, que abençoe o trabalho do seu dia, depois faça algumas reverências, e pronto! Nunca volte-se para Deus de maneira despreocupada, mas sempre com grande reverência. Ele não necessita nem das nossas reverências nem de longas orações. Um curto, porém firme clamor do seu coração - é isso que O alcança! E você sempre é capaz de fazer isso.

Você também pode compilar sua própria regra de oração. Memorize as orações impressas nos livros de oração e leia-as de cor com entendimento e sentimento. Enquanto estiver fazendo isso, insira sua própria oração. Quanto menos você depender do livro, melhor. Aprenda alguns salmos e, quando você estiver indo a algum lugar ou fazendo algo, e sua cabeça não estiver ocupada com aquilo, leia-os. Essa é a sua conversa com Deus. A regra de oração é um guia, não algo a ser cumprido com a obediência de um escravo. Você deve de todos os modos evitar a leitura mecânica e formal. Ela deve ser sempre o resultado de um decisão livre e refletida, realizada com consciência e sentimento, não de maneira negligente. 

Você deve poder encurtar sua regra de oração quando necessário for. A vida em família é cheia destas circunstâncias. Por exemplo, pela manhã e à noite você pode ler as devidas orações memorizadas. Você pode até omitir algumas delas. Ou pode até não ler nenhuma delas, fazendo, no lugar, várias reverências com uma oração vinda sinceramente do seu coração. Você deve ser o mestre da sua regra de oração, e não o seu escravo. Somos servos apenas de Deus; é a Ele que devemos devotar cada minuto de nossas vidas.

A regra de oração é uma concha protetora de uma oração. Uma oração é algo interior, enquanto que a regra é apenas algo exterior. Mas da mesma forma que uma pessoa sem corpo é incompleta, também a oração é incompleta sem uma regra de oração. Devemos ter ambas, e cumpri-las o máximo possível. A lei indispensável: orar dentro de si mesmo sempre e em todo lugar. No entanto, ler uma oração não pode ser feito sem estabelecer um tempo, lugar e medida definidos para ela. É uma combinação destes três elementos que constitui a regra de oração.

Portanto a pessoa deve ser guiada pela razão quando decidir quando, onde e por quanto tempo deve permanecer de pé orando, bem como que orações dizer. Pode-se escolher isto de acordo com sua circunstância: se a pessoa pode passar mais tempo na oração, reduzi-la ou alterar o tempo e o lugar da oração. O esforço principal deve ser dirigido para a oração interior dita propriamente. É a oração interior que deve ser dita incessantemente.

O que significa uma oração incessante? Estar constantemente no espírito de oração significa voltar os seus pensamentos e sentimentos a Deus. Pensar sobre Deus significa guardar sempre em mente Sua onipresença, onipotência e capacidade de ver tudo. Sentimentos para com Deus são o temor de Deus, amor a Ele, um desejo fervoroso de agradar apenas a Ele e de evitar tudo o que Lhe é desagradável. O principal é entregar-se obedientemente à Sua vontade e aceitar tudo que acontecer conosco como sendo algo enviado diretamente por Ele. É possível ter esse sentimento para com Deus a qualquer hora, fazendo qualquer coisa e sob quaisquer circunstâncias, se esse sentimento ainda não estiver sendo buscado, mas já tiver sido estabelecido no coração.

Nosso pensamento pode ser distraído para vários assuntos mas, mesmo assim, pode adquirir a habilidade de se agarrar a Deus enquanto estiver fazendo alguma outra coisa e sentir a presença de Deus. Deve-se estar totalmente preocupado com estas duas coisas: pensamentos e sentimentos para com Deus. Quando eles estiverem lá, existe uma oração mesmo que sem palavras. A prática de dizer orações pela manhã foi estabelecida exatamente para estabelecer nossa mente e coração nestas duas coisas, para que mais tarde ao longo do dia possamos iniciar nosso trabalho com elas. Se pela manhã sua alma for preenchida com elas, então sua oração teve êxito, mesmo que você não tenha lido todas as orações estabelecidas.

Suponha que você começou o seu trabalho diário pela manhã. As primeiras coisas que você começar a fazer tiram sua atenção de Deus. O que deve ser feito então? Você deve refrescar seus pensamentos e sentimentos para com Deus através dos seus apelos internos a Ele. E para fazer isto você deve se acostumar com sua pequenina oração curta e repeti-la o mais frequentemente o possível. Qualquer oração curta leva a isso. A melhor oração de todas é: 'Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim!' Você deve se acostumar com ela e nunca deixar de dizê-la. Quando estiver estabelecida em você, esta oração se transformará na força motriz e apelo a Deus com seu pensamento e sentimento. Este é todo o itinerário dos seus assuntos de oração.

Os iniciantes devem antes de tudo aprender como orar adequadamente segundo as orações escritas, de modo a memorizarem pensamentos, sentimentos e frases de oração. Isso é importante pois as palavras com as quais recorremos a Deus devem ser boas e belas. Quando o iniciante obtiver êxito nisso, ele pode começar tanto com as orações estabelecidas como com suas próprias orações. Exemplos de orações curtas são encontradas nas 24 pequenas orações do venerável João Crisóstomo no fim das oração da noite. Você também pode escolher outras orações curtas dos salmos, das orações litúrgicas, e pode até compilá-las você mesmo. 

As 24 orações de São João Crisóstomo segundo as horas do dia e da noite

Senhor, não me prives dos Teus excelentes dons celestiais. 
Senhor, livra-me dos tormentos eternos. 
Senhor, se pequei com a mente e com os pensamentos, em palavras e atos, perdoa-me. 
Senhor, livra-me de toda a ignorância, esquecimento, pusilanimidade, e insensibilidade empedernida. Senhor, livra-me de toda tentação. 
Senhor, ilumina o meu coração que os desejos malignos turvaram. 
Senhor, como homem eu pequei, mas Tu, como Deus compassivo, tem piedade de mim ao veres a enfermidade da minha alma. 
Senhor, envia a Tua graça em meu socorro para que eu possa glorificar o Teu santo nome. 
Senhor Jesus Cristo, escreve meu nome, Teu servo no Livro da Vida e concede-me um bom fim. Senhor meu Deus, mesmo não tendo feito nada de bom à Tua vista, concede-me ainda pela Tua graça ter um bom começo. 
Senhor, derrama sobre o meu coração o orvalho da Tua graça.
Senhor do céu e da terra, no Teu reino, lembra-Te de Teu servo pecador, vergonhoso e impuro. Amém.
Senhor, aceita-me em penitência. 
Senhor, não me abandones. 
Senhor, não me deixes cair em tentação. 
Senhor, concede-me bons pensamentos. 
Senhor, concede-me lágrimas, lembrança da morte e contrição. 
Senhor, concede-me confessar meus pecados. 
Senhor, concede-me humildade, castidade e obediência. 
Senhor, concede-me paciência, coragem e mansidão. 
Implanta em mim, Senhor, a raiz do bem, o temor de Ti em meu coração. 
Concede-me, Senhor, amar-Te com toda a minha alma e toda a minha mente, e em tudo fazer a Tua vontade. 
Protege-me, Senhor, dos homens maldosos, dos demônios, das paixões e de todas as coisas impróprias. 
Senhor, Tu sabes que tudo é feito segundo a Tua vontade: que a Tua vontade seja feita em mim também pecador, pois Tu és bendito pelos séculos dos séculos. Amém.

Uma oração dada por Deus

O que mais pode ser dito sobre a oração? Há uma oração que é feita pelo homem, e há uma oração que é concedida por Deus para o homem que ora. Quem não conhece a primeira? Você deve conhecer esta segunda também, pelo menos na sua forma inicial. No começo, quando o homem está voltando-se para Deus, sua primeira tarefa é orar. Ele começa a ir à igreja, e em casa lê as orações que estão no livro e as que sabe de cor. Mas seus pensamentos se distraem e ele não consegue controlá-los. E no entanto, quanto mais ele se empenhe em suas orações, mais equilibrados ficam seus pensamentos e sua oração se torna mais clara.

E ainda assim, a atmosfera da alma não ficará purificada até que seja acesa com uma pequena chama de espiritualidade. Esta chama é uma amostra da graça de Deus, mas é concedida a todos, não apenas aos escolhidos. Esta chama aparece como resultados de um certo estado de pureza no todo do sistema moral da pessoa que busca. Quando esta chama é acesa, e o coração retém dentro de si um calor constante, ela detém a desordem dos pensamentos. A alma experimenta o que aconteceu com a mulher que tinha um fluxo de sangue: '... e imediatamente seu sangramento parou' (Lc 8,44). Neste estado, a oração se transforma mais ou menos em uma oração incessante. A oração de Jesus serve como mediadora para esta oração incessante. E este é um limite até o qual a oração feita pela pessoa pode ir.

A próxima etapa deste estado é quando a oração domina a pessoa, e já não é criada por ela. O espírito de oração cativa a pessoa e leva-a consigo para dentro de seu coração, como que se alguém a tomasse pela mão e a fizesse ir de um quarto até o outro. A alma fica presa lá por alguma força exterior e permanece lá dentro por vontade própria enquanto é dominada pelo Espírito que a cativou. Eu conheço dois graus deste enlevo. No primeiro a alma é capaz de ver tudo, percebe a si mesma e sua posição exterior conscientemente, é capaz de raciocinar e se controlar, e até mesmo de cessar este estado se assim desejar.

Os Santos Padres, em especial Santo Isaac da Síria, descreveram também um outro estágio da oração que é dada do alto e domina a pessoa. Neste estágio a alma também é dominada pelo espírito de oração, mas é carregada a tais esferas de contemplação que se esquece de sua posição exterior, não tem o poder de raciocinar, controlar ou cessar este estado, apenas de contemplar. Tal estado é mencionado no 'Livro dos Santos Padres', no qual é descrito o caso de uma pessoa que começou a orar antes do jantar e recobrou os sentidos apenas pela manhã. Isto é exatamente o que chamamos de uma oração em êxtase, ou uma oração contemplativa. Em tal estado algumas pessoas ficavam cercadas por luz, ou seus rostos ficavam iluminados, algumas eram elevadas do chão. O Santo Apóstolo Paulo foi arrebatado aos céus neste estado.

Esclarecimentos de alguns pontos difíceis

Você escreve, 'Minha oração feita com o livro piorou'. Isto não é uma perda: mesmo que você nunca mais pegue o livro de orações novamente. Um livro de orações é algo como um livro de frases em francês, por exemplo. Você decora os diálogos até que possa se expressar fluentemente, e depois de aprender a falar você esquece aquelas frases. Da mesma maneira precisamos de um livro de orações até que chegue o tempo em que a alma começa por si mesma a rezar, depois do que podemos deixar o livro de orações de lado. Porém, quando sua própria oração não estiver fluindo livremente, seria bom dar uma mexida nela orando com a ajuda do livro.

Você deve temer o deslumbramento. Ele acontece com aquelas pessoas que ficam orgulhosas pensando que, já que sentem o calor nos seus corações, isto significa que alcançaram a perfeição mais elevada. Mas isto é apenas o começo, e um começo instável, visto que o calor e o apaziguamento do coração podem ter também uma origem natural, como o resultado de uma diligência sincera. Mas a pessoa deve se empenhar mais e mais, esperar mais e mais até que o estado natural seja substituído por aquele que é concedido pela graça de Deus. A pessoa não deve achar nunca que alcançou alguma coisa, mas devemos enxergar nós mesmos como sendo pobres, nus, cegos e imprestáveis.

Você reclama que a sua oração é curta. Mas você pode rezar não apenas ficando de pé diante dos ícones, já que qualquer ascensão da sua mente e coração até Deus constitui uma oração verdadeira. E se você fizer isto enquanto estiver fazendo alguma outra coisas, significa que está orando. São Basílio o Grande trata da questão de os Apóstolos estarem em oração incessante da seguinte maneira: não importa o que estivessem fazendo, estavam pensando sobre Deus e vivendo em devoção permanente a Ele. Este estado da sua espiritualidade era de fato sua oração incessante. 

Eis um exemplo. Como outrora lhe escrevi, exigências diferentes são apresentadas para pessoas que trabalham e pessoas que ficam à toa em casa. A principal preocupação das pessoas ocupadas é de não se permitir sentimentos ruins enquanto estão fazendo seu trabalho e tentar devotar todos os seus sentimentos a Deus. Esta devoção então se transformará em uma oração. Lemos que o sangue de Abel clama a Deus. Do mesmo modo, tudo que fazemos em devoção a Deus clama a Ele. Quando alguém enviou um prato de comida para um ancião, ele disse: 'Isto cheira muito mal!' A comida, porém, era muito boa e fresca. Eles lhe perguntaram: 'Como pode?' Ele explicou que ela não fora enviada por uma pessoa boa, e não fora enviada com sentimentos bons. As pessoas cujos sentimentos estão apurados sentem isso. Assim parece que, da mesma forma que um bom perfume é exalado por boas flores, também as coisas boas feitas com uma boa disposição exalam um aroma, que sobe como o incenso durante os ofícios divinos.

Você escreve sobre uma insensibilidade espiritual dos sentidos na oração. Isto é uma grande perda! Dê-se o trabalho de despertar seus sentimentos. Nossas obrigações nos deixam apenas um tempo mais curto para fazer a oração, mas não nos obrigam a um empobrecimento da oração interior - este último é imperdoável. Você pode agradar a Deus com pouco, mas este pouco deve vir do seu coração. Eleve sua mente a Ele e diga com arrependimento: 'Ó Senhor, tem piedade de mim! Ó Senhor, abençoa-me! Ó Senhor, ajuda-me!' - esta é uma exclamação piedosa. E se o sentimento para com Deus é reavivado e estabelecido no seu coração, então isto será uma oração incessante sem palavras e sem ficar de pé e ler orações na frente dos ícones.

Sua consciência está preocupada por dizer as orações com pressa? Isto é justo! Por que dá ouvidos ao inimigo? É ele que estimula: 'Depressa, mais rápido...' É por isso que você não sente nenhum fruto na sua oração. Faça para si mesmo uma regra de não se apressar e dizer cada palavra da oração com entendimento e, se possível, sentimento. Aceite esta tarefa com tanta resolução quanto um comandante-chefe que não permitiria nenhuma objeção. O inimigo sugeriria: você precisa fazer isto e aquilo, e você deve apenas dizer para si mesmo: 'Sei disso sem a tua tentação, vá embora...' E então verá quão próspera sua oração será. De outra maneira, você terá apenas a regra de oração, mas não a oração em si. É apenas a oração que alimenta sua alma.

Você deve checar no relógio o tempo dedicado para a oração que é dita calmamente e verá que ela requer apenas alguns minutos, enquanto que uma oração apressada traz muito prejuízo. Quando repentinamente lhe ocorrer um pensamento ruim - esta é uma flecha atirada pelo inimigo. Ele a atira tentando distrair você da oração e ocupar sua mente com algumas coisas mundanas. Se você começar a se concentrar neste pensamento, o inimigo começará a criar várias histórias na sua mente de modo a manchar sua alma e estimular na pessoa alguns malignos pensamentos passionais. Portanto há apenas uma regra para isso: expulse rapidamente este pensamento e volte sua atenção para a oração.

Todas as nossas orações chegam até Deus? Uma oração nunca é desperdiçada, independente de o Senhor nos conceder o que estamos pedindo ou não. Devido à nossa ignorância, frequentemente estamos pedindo algo que nos traria prejuízo, e não benefício. Ao não atender esse pedido, o Senhor nos concede alguma outra coisa pelo nosso esforço de oração, e Ele o faz de maneira imperceptível. É por isso que uma frase como esta: 'Você reza a Deus, mas o que conseguiu com isso?' não faz sentido algum. A pessoa que ora está pedindo alguma coisa específica a Deus. Se Deus sabe que a realização da súplica eventualmente prejudicaria a pessoa, Ele não concede o desejo e assim nos faz o bem; pois se Ele tivesse atendido aquela súplica, isto teria feito muito mal àquela pessoa. Cuidado com as armadilhas entre as quais você está andando neste mundo enganador!

(São Teófano, o Recluso)