quinta-feira, 15 de setembro de 2016

VIDA DE ORAÇÃO (I)

A oração é, para o homem, a origem de todo bem. Daí se infere que saber orar, dar à oração o devido apreço, entregar-nos à sua prática com zelo e fervor é, para o tempo como para a eternidade, um tesouro de valor inestimável. Orar é tudo o que há de mais simples, e a primeira razão disso é a própria necessidade que temos da oração.

Para orar, não é mister talento excepcional, eloquência, dinheiro nem recomendação de espécie alguma. Até a devoção sensível não é necessária; a doçura, a consolação, são coisas acessórias e não dependem de nós. Se Deus no-las der, devemos recebê-las com reconhecimento, porquanto tornam a oração mais agradável. Orar, não obstante a aridez, é sempre orar. Consolados ou não, cumpre fazê-lo. Para isso, basta o conhecimento de Deus e de nós mesmos, saber o que Ele é e o que somos nós, como infinita é sua bondade e quão profunda a nossa miséria.

Para orar, uma única coisa é necessária: a fé, instruída pelo catecismo. As palavras serão ditadas pelas nossas próprias necessidades. Poucas ideias (quanto menos numerosas, melhor será), alguns desejos, e finalmente umas palavras saídas do coração - porque, se assim não for, não há oração propriamente dita - eis tudo o que é preciso. Haverá, por acaso, um homem que não tenha um só pensamento, um único desejo? Pois bem, é apenas disso que precisamos para empreender o nobre trabalho da oração. A graça, Deus no-la dá, de bom grado, a todos e a cada um em particular. Por conseguinte, orar é simplesmente falar com Deus. É conversar com Ele mediante a adoração, o louvor, a súplica. 

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Durante a oração, o nosso proceder deve ser idêntico ao que temos relativamente a um amigo íntimo e querido. A ele confiamos com sinceridade o que nos vai na alma: dissabores ou alegrias, esperanças e receios. Dele recebemos conselhos e avisos, auxílio e conforto. Com ele decidimos os mais importantes negócios, singelamente e quase sempre sem que a sensibilidade se manifeste de forma alguma. E isto não obsta a que tudo seja tratado séria e lealmente. É assim que, na oração, devemos ser para com Deus. Quanto maior for a nossa simplicidade, tanto melhor será ao darmos largas ao coração.

Se muitas vezes a oração nos parece penosa e difícil, é culpa nossa. É porque não sabemos como nos portar, e fazemos dela uma ideia errônea. Manifestemos a Deus os sentimentos de nossa alma; digamos as coisas tais como se apresentam, e a oração será sempre proveitosa. Todo caminho leva a Roma, diz o adágio, e toda ideia abre o seu caminho para chegar a Deus. Só saberemos orar quando o fizermos simplesmente. Que nos adianta dirigir ao Senhor discursos sublimes ou torneados? Se acontecer que nenhuma ideia nos venha à mente, tenhamos a simplicidade de expor essa nossa indigência. E isto ainda é orar, glorificar a Deus e expressamente advogar a nossa causa.

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A nós, e não a Deus, devemos atribuir a ineficácia de nossas preces. Três são as causas determinantes dessa insuficiência. Ou ela se encontra em nós, ou em nossa oração ou, enfim, no objetivo da mesma. Geralmente a oração deve reunir as seguintes condições:

Primeiramente, cumpre termos uma consciência nítida do que constitui o objeto de nossa prece; isto é, faz-se mister a intenção, a atenção e o recolhimento. O ponto importante é não nos querermos distrair ou não nos entregarmos cientemente às divagações. Como poderá Deus atender-nos, se nós mesmos não temos consciência do que estamos a dizer? Certamente o nosso anjo custódio sentirá pejo de apresentar à Majestade divina semelhante prece. Aliás, o nosso próprio interesse exige que procedamos de modo diverso, porquanto as distrações voluntárias não somente constituem obstáculo às graças divinas, mas acarretam necessariamente um castigo. Quanto às involuntárias, que sobrevêm mau grado nosso, elas não nos privam do mérito nem tiram à oração o seu valor satisfatório. Apenas interceptam o gosto, a doçura que nela poderíamos fruir. Deus conhece nossa fraqueza e tem paciência conosco.

Em segundo lugar, é preciso tomar a oração a sério e empenhar-nos em ser atendidos. Por conseguinte, devemos orar com zelo e fervor. Estes não consistem na multiplicidade das orações, senão na parte que a vontade nelas toma. Não sobe o incenso se o fogo, consumindo-o, não lhe desprende o perfume que se eleva aos céus. O fervor é a alma da prece; Deus escuta a voz do coração, e não as palavras que os lábios proferem. Conversar com Deus é sempre um ato importante; e o que lhe pedimos, algo de grande valia. Eis porque o zelo e o desejo são imprescindíveis. Se, porventura, a confiança na virtude da oração vier a fraquejar em nosso espírito, recorramos à intercessão de outrem, por meio de prece em comum ou pública. Invoquemos os santos e o bendito nome de Jesus, ao qual está particularmente ligada a eficácia da oração (Jo 16, 23).

Em terceiro lugar, importa que a prece seja humilde. Devemos aproximar-nos de Deus como mendigos, e não como credores. Somos réus de pecado e não podemos tratar o Criador de igual a igual. A própria humildade exterior vem muito a propósito. Ela apraz a Deus, O predispõe em nosso favor e excita o zelo em nosso coração.

Em seguida - e esta condição é de suma importância - é preciso orar confiadamente, com segurança. Tudo nos incita a isso. Deus quer que oremos; logo, quer atender-nos. Somos criaturas suas e filhos seus. Esses títulos que nos dão o direito a sermos ouvidos favoravelmente, Ele os conhece e preza mais que nós mesmos. Finalmente, e importa não olvidá-lo, temos que contar unicamente com a infinita misericórdia de Deus, à qual compete tudo decidir.

Se grande deve ser nossa confiança na oração feita em vista de obter bens espirituais, faz-se mister, porém, evitar dois escolhos, quando for questão de favores de ordem temporal: não implorá-los incondicionalmente, porquanto eles nos poderiam ser nocivos ou então pensar que nunca os devemos pedir. Ao contrário, cumpre fazê-lo, porém de modo conveniente. Deus quer que O reconheçamos também como origem e fonte de todos os bens temporais.

(Excertos da obra 'A vida Espiritual - Reduzida a Três Princípios' do Pe. Maurício Meschler)