sexta-feira, 13 de junho de 2014

SOBRE A IMPUREZA (I)


Primeiro Ponto : Ilusão daqueles que dizem que os pecados contra a pureza não são um grande mal

Os impuros dizem que os pecados contra a pureza são um pequeno mal. Como 'a porca... chafurdando na lama' (2 Pdr 2,22), eles estão imersos em sua própria sujeira, de modo que não veem a maldade de seus ações e, portanto, não sentem nem abominam o mau odor de suas impurezas, que provocam repulsa e horror a todos os outros. Será que você, que diz que o vício de impureza é apenas um pequeno mal, eu pergunto, será que você poderá negar que isso é um pecado mortal? Se negar, você é um herege, pois, como diz São Paulo: 'Não vos enganeis: nem os impuros, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os devassos, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os difamadores, nem os assaltantes hão de possuir o Reino de Deus' (1 Cor 6, 9-10). Isto é um pecado mortal, logo, não pode ser um pequeno mal. É um pecado maior que o roubo, que a difamação, que a violação do jejum. Como então você pode dizer que não se trata de um grande mal? Talvez para você o pecado mortal pareça ser um pequeno mal? Será que é um pequeno mal desprezar da graça de Deus, virar as costas para Ele e perder a Sua amizade por causa de um prazer transitório e bestial?

Santo Tomás ensina que o pecado mortal, por ser um insulto contra um Deus infinito, contém de certa forma uma malícia infinita. 'Um pecado cometido contra Deus, tem de certa forma uma infinidade, por conta da infinidade da Divina Majestade'. Será que o pecado mortal é um pequeno mal? Ele é um mal tão grande que, se todos os anjos e todos os santos, os apóstolos, os mártires, e mesmo a Mãe de Deus, oferecessem todos os seus méritos para expiar um só pecado mortal, a oferta não seria suficiente. Não, porque a expiação ou a satisfação seria finita, mas a dívida contraída pelo pecado mortal é infinita, por conta da infinita majestade de Deus, que foi ofendida. 

O ódio que Deus tem dos pecados contra a pureza está além do que podemos medir. Se alguém encontrar seu prato sujo, ficará aborrecido e não irá comer. Então, imagine com que desgosto e indignação Deus, que é a própria pureza, verá as impurezas imundas pelas quais Sua lei é violada? Ele ama a pureza com um amor infinito e, consequentemente, Ele tem um ódio infinito contra a sensualidade que os homens lascivos e voluptuosos chamam de pequeno mal. Até os demônios, que ocupavam um alto grau no céu antes de sua queda, desdenham ter que seduzir os homens a cometer pecados da carne.

Santo Tomás diz que Lúcifer, que foi supostamente o diabo que tentou Jesus Cristo no deserto, tentou-O a cometer outros pecados, mas desprezou tentá-Lo a pecar contra a castidade. Seria isto um pecado pequeno mal? Seria então um pequeno mal ver um homem dotado de uma alma racional, enriquecida com muitas graças divinas, cair, pelo pecado de impureza, ao nível de um bruto? 'A Fornicação e o prazer', diz São Jerônimo, 'pervertem a compreensão e transformam os homens em bestas'. Nos voluptuosos e impuros, são literalmente verificadas as palavras de Davi: 'O homem não permanece com o seu esplendor, é como animal que perece' (Sl 48,13). São Jerônimo diz que não há nada mais vil e degradante, que alguém deixar-se ser conquistado pela carne. Nihil vilius quam vinci a carne. Poderia ser um pequeno mal se esquecer de Deus e bani-lo da alma, para poder dar ao corpo uma satisfação vil, da qual você sentirá vergonha, quando acabar? O Senhor reclama disso por meio de Ezequiel: 'Por isso, assim diz o Senhor Javé: Dado que te esqueceste de Mim e Me voltaste as costas, agora carrega também a tua devassidão e as tuas prostituições' (Ez 23, 35). Santo Tomás diz que, devido a todos os vícios, mas especialmente pelo vicio da impureza, os homens são lançados para longe de Deus. Per luxuriam maxime recedit a Deo.

Além disso, os pecados de impureza, em virtude do seu grande número, são um mal imenso. Um blasfemador nem sempre blasfema, mas só quando está bêbado ou quando é provocado pela ira. O assassino, cujo trabalho é matar os outros, em geral não comete mais que oito ou dez homicídios. Mas os impuros são culpados de uma torrente incessante de pecados, por pensamentos, por palavras, por olhares, por complacências, e por toques, de modo que, quando vão à confissão, eles acham impossível dizer o número de pecados que cometeram contra a pureza. Mesmo durante o sono, o diabo lhes representa objetos obscenos de modo que, ao acordar, eles se deleitam com eles, e porque se fizeram escravos do inimigo, eles obedecem e aprovam as suas sugestões, porque é fácil cair no hábito deste pecado. Para os outros pecados, como a blasfêmia, a difamação e os assassinatos, os homens não estão propensos, mas para este vício, a natureza os inclina. Por isso, Santo Tomás diz que não há pecador tão pronto a ofender a Deus, como o devoto da luxúria, em toda ocasião que lhe ocorre. Nullus ad Dei contemptum promptior

O pecado da impureza traz em sua formação os pecados da difamação, do roubo, do ódio, e de gostar de suas abominações imundas. Além disso, normalmente envolve a malícia do escândalo. Outros pecados, tais como uma blasfêmia, um perjúrio, um assassinato, criam horror naqueles que os testemunham, mas este pecado induz os outros, que são carnais, a cometê-lo, ou, pelo menos, a cometê-lo com menos horror. Totum hominem, diz São Cipriano, agit in triumphum libidinis. Por meio da luxúria, o diabo triunfa sobre o homem inteiro, sobre seu corpo e sobre sua alma, sobre sua memória, enchendo-a com a lembrança de prazeres impuros, a fim de fazê-lo gostar deles; sobre o seu intelecto, para fazê-lo desejar ocasiões de cometer o pecado; sobre a vontade, fazendo-o amar as impurezas como seu fim último, e como se não houvesse Deus. 'Eu havia feito um pacto com meus olhos: não desejaria olhar nunca para uma virgem. Que parte me daria Deus lá do alto' (Jo 31, 1-2). Jó tinha medo de olhar para uma virgem porque ele sabia que, se consentisse com um mau pensamento, Deus não deveria ter parte com ele. 

De acordo com São Gregório, a partir da impureza surgem a cegueira do entendimento, a destruição, o ódio a Deus e o desespero quanto à vida eterna. Santo Agostinho diz que, embora os impuros possam envelhecer, o vício da impureza não envelhece neles. Por isso, Santo Tomás diz que não há pecado em que o diabo se deleite tanto como neste pecado, porque não há outro pecado a que a natureza se apegue com tanta tenacidade. Ela adere ao vício da impureza tão firmemente, que o apetite por prazeres carnais se torna insaciável. Vá agora, e diga que o pecado da impureza não é mais que um pequeno mal. Na hora da morte, você não dirá isso, todos os pecados dessa espécie lhe aparecerão como um monstro do inferno. Você não será capaz de dizê-lo ante o Juízo de Jesus Cristo, que lhe dirá o que o Apóstolo já lhe disse, 'Nenhum fornicador, ou impuro... terá herança no reino de Cristo e de Deus' (Ef 5, 5). O homem que viveu como um animal, não merece assentar-se entre os anjos.

Caríssimos irmãos, continuemos a orar a Deus para nos livrar desse vício, senão perderemos nossas almas. O pecado da impureza traz com ele a cegueira e a obstinação. Todos os vícios produzem sombras no entendimento, mas a impureza produz em maior grau do que todos os outros pecados. 'A fornicação, o vinho e a embriaguez acabam com o raciocínio' (Os 4, 11). O vinho priva-nos da compreensão e da razão, o mesmo faz a impureza. Por isso, Santo Tomás diz que o homem que se entrega aos prazeres impuros, não vive de acordo com a razão. In nullo procedit secundum judicium rationis. Ora, se os impuros estão privados da luz e já não veem o mal que fazem, como poderão odiar esse mal e mudar de vida? O profeta Oséias diz que, estando cegos devido a sua própria lama, eles nem sequer pensam em voltarem-se para Deus; porque as suas impurezas tiram-lhes todo o conhecimento de Deus. 'Seu proceder não lhes permite voltarem ao seu Deus, porque um espírito de prostituição os possui; eles desconhecem o Senhor' (Os 5,4).

Por isso, São Lourenço Justiniano disse que este pecado faz os homens se esquecerem de Deus. 'Os prazeres da carne induzem ao esquecimento de Deus'. E São João Damasceno ensina que 'o homem carnal não pode olhar para a luz da verdade'. Assim, os lascivos e voluptuosos não entendem o que quer dizer graça de Deus, julgamento, inferno e eternidade. 'Caiu fogo sobre eles, e não viram mais o sol' (Sl 57,9). Alguns desses cegos meliantes vão tão longe a ponto de dizer que o adultério não é em si pecaminoso. Eles dizem que ele não foi proibido na Antiga Lei e, em apoio a esta doutrina execrável, eles invocam as palavras do Senhor a Oséias: 'Vai e desposa uma mulher dada ao adultério, e aceita filhos adulterinos' (Os 1,2). Em resposta, digo que Deus não permitiu a Oséias cometer adultério, mas desejava que ele se casasse com uma mulher culpada de adultério, e os filhos deste casamento eram chamados filhos adulterinos, porque sua mãe tinha sido culpada desse crime. De acordo com São Jerônimo, esse é o significado das palavras do Senhor a Oséias. O santo doutor diz: Id circo fornicationis appellandi sunt filii, quod sunt de meretrice generati

Mas o adultério sempre foi proibido, sob pena de pecado mortal, na Velha como na Nova Lei. São Paulo diz: 'Nenhum fornicador, ou impuro... terá herança no reino de Cristo e de Deus' (Ef 5,5). Perceba a impiedade para a qual a cegueira de tais pecadores os carrega! Por causa desta cegueira, embora eles venham aos sacramentos, suas confissões são nulas por falta de verdadeiro arrependimento, porque como será possível para eles terem verdadeiro arrependimento, quando não conhecem nem detestam seus pecados?

O vício da impureza também traz consigo a obstinação. Para vencer as tentações, especialmente contra a castidade, a oração contínua é necessária. 'Vigiai e orai, para que não entreis em tentação. Pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca' (Mc 14, 38). Mas como os impuros, que estão sempre procurando novas tentações, poderão orar a Deus para livrá-los da tentação? Eles, às vezes, como Santo Agostinho confessou de si mesmo, abstêm-se da oração, devido ao medo de serem ouvidos e curados da doença, que eles desejam que não acabe. 'Eu temia', disse o santo, 'que Vós irieis em breve ouvir-me e curar-me do pecado da concupiscência, que eu desejava ver saciado, em vez de extinto'. São Pedro chama este vício de pecado insaciável. 'Têm os olhos cheios de adultério e são insaciáveis no pecar' (2 Pdr 2, 14). 

A impureza é chamada de um pecado insaciável por conta da obstinação que ela induz. Alguns viciados nela dizem: Eu sempre confesso este pecado. Tanto pior, porque, como você sempre recai no pecado, essas confissões servem para fazer você perseverar no pecado. O medo da punição é diminuído, dizendo: Eu sempre confesso este pecado. Se você pensasse que esse pecado certamente mereceria o inferno, você dificilmente diria: eu não vou desistir, eu não me importo de ser condenado. Mas o diabo engana você. Ele diz: Cometa esse pecado; depois você o confessará. Mas, para fazer uma boa confissão de seus pecados, você deve ter verdadeira tristeza de coração e um firme propósito de não pecar mais. 

Onde estão essa tristeza e esse firme propósito de emenda, se você sempre volta ao vômito? Se você tivesse essas disposições, e tivesse recebido a graça santificante em sua confissão, você não teria recaído ou, pelo menos, você deveria ter se abstraído por um tempo considerável antes de recair. Você sempre caiu no pecado, em oito ou dez dias, e talvez em um tempo menor, após a confissão. Que sinal é esse? É um sinal de que você estava sempre em inimizade com Deus. Se um homem doente imediatamente vomita o remédio que ele toma, é um sinal de que a doença é incurável. São Jerônimo diz que o vício da impureza, quando habitual, cessará quando o infeliz homem que se entrega a ele for lançado no fogo do inferno. 'Oh, fogo infernal, luxúria, cujo combustível é a gula, cujas faíscas são as breves conversas, cujo fim é o inferno'. Os impuros se tornam como o abutre que se deixa ser morto pelo caçador em vez de abandonar a podridão dos corpos de que se alimenta (...). 

(Excertos da obra 'Sobre o Vício da Impureza', de Santo Afonso Maria de Ligório)