sexta-feira, 8 de abril de 2022

A SALVAÇÃO DEPENDE DA ORAÇÃO


... A salvação do homem depende da oração, e, por isso, ela é primordial e necessária, pois, através dela, a fé é vivificada e as boas obras se realizam. Numa palavra, com a oração tudo se processa com êxito; sem a oração, não podemos praticar ato algum de piedade cristã. Desse modo, a exigência de que nossa vida seja incessantemente oferta, depende exclusivamente da oração. As outras virtudes têm seu tempo próprio, mas, no caso da oração, pedem-nos uma atitude ininterrupta: 'Orai sem cessar'. É justo e oportuno que rezemos sempre, por toda parte.

A verdadeira oração apresenta suas condições. Deve ser oferecida com espírito e coração puros, zelo ardente, rigorosa atenção, com temor e respeito, com a mais profunda humildade. Mas quem, conscientemente, deixará de reconhecer estar longe de cumprir essas condições? quem não reconhecerá que oferece a sua oração mais por necessidade do que por um domínio sobre si mesmo, do que por uma inclinação, preferência e amor à oração? Também a esse respeito a Sagrada Escritura nos diz não estar no poder do homem conservar seu espírito inabalável, purificá-lo dos maus pensamentos, porque 'os pensamentos do homem são maus desde a sua juventude' e que só Deus nos pode dar outro coração e um espírito novo, 'porque meu espírito (quer dizer, minha voz) está em oração, mas minha inteligência nenhum fruto colhe' (1 Cor 14,14). 'Não sabemos o que pedir como convém' (Rm 8,26), afirma ainda o apóstolo. Conclui-se que somos incapazes, por nós mesmos, de oferecer a verdadeira oração. Não podemos, em nossas preces, manifestar as propriedades essenciais da verdadeira oração.

Se é essa a incapacidade de todo ser humano, o que sobra à vontade e à força do homem para a salvação da alma? O homem não pode adquirir a fé sem oração; essa asserção aplica-se, igualmente, às boas obras. Mas a autêntica oração não está em seu poder. Que lhe resta, então, fazer? que parte lhe cabe para exercer sua liberdade e sua força, para que não venha a perecer, mas ser salvo? 

Cada ato tem seu valor, e Deus reservou para si a liberdade de concedê-lo ou não. Para que a dependência do homem em relação a Deus, ao querer divino, se manifeste mais profundamente na humildade, Deus confiou à vontade e à força do homem o número de orações. Mandou rezar sem cessar, sempre, a cada momento e em toda parte. É aí que se encontra revelado o método secreto da verdadeira oração, e, ao mesmo tempo, da fé e do cumprimento dos mandamentos de Deus. É, portanto, o número de orações que é assinalado ao homem; a frequência da oração pertence a ele e encontra-se sob a oscilação de sua vontade. 

Esse é o ensinamento dos Padres da Igreja. São Macário, o anacoreta, diz que, na realidade, rezar é dom da graça. São Hesíquio afirma que a oração frequente torna-se um hábito, depois uma segunda natureza, e que, sem invocar com frequência o nome de Jesus Cristo, é impossível purificar o coração. Calisto e Inácio aconselham a invocação assídua e contínua do nome de Jesus, antes de todas as asceses e obras, pois, tal insistência leva a oração imperfeita à oração perfeita. O bem-aventurado Diádoco insiste em dizer que, se um homem invoca o nome de Deus tão frequentemente quanto possível, não cairá em pecado. 

Quanta sabedoria e experiência desses dizeres e como essas instruções práticas repercutem no coração! Pela sua experiência e simplicidade, lançam luzes sobre os meios de levar a alma à perfeição. E que contraste com as instruções morais da razão teórica! Assim fala a razão: fazei estas ou aquelas boas ações; armai-vos de coragem, empregai a força de vossa vontade, convencei-vos dos benéficos frutos da virtude; purificai vosso espírito e vosso coração das ilusões do mundo, substituí-as por meditações instrutivas, fazei o bem, e sereis respeitado e encontrareis a paz; vivei segundo a razão e a consciência. Infelizmente, porém, a despeito de toda a sua força, esse raciocínio não atingirá seu fito, sem a oração frequente, sem invocar a ajuda de Deus.

... Para convencer-vos definitivamente da necessidade e fecundidade da oração frequente, anotai: Todo desejo e todo pensamento de oração é obra do Espírito Santo e a voz do vosso Anjo da guarda. O nome de Jesus Cristo invocado na oração contém em si mesmo um poder salvífico que existe e age por si próprio; assim, pois, não vos perturbeis com a aridez de vossa oração, e esperai, com paciência, o fruto da invocação frequente do nome divino. Não ouçais as insinuações daqueles que, inexperientes e insensatos, alegam que a invocação tíbia é uma repetição inútil, até mesmo monótona. Não: o poder do nome divino e sua invocação frequente produzirão frutos a seu tempo.

(Excertos da obra 'Relatos de um Peregrino Russo', autor anônimo, Ed. Vozes, 2008)

quinta-feira, 7 de abril de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: AS CONFIDÊNCIAS DIVINAS


A alma interior é elevada acima de si mesma, projetada não apenas além das suas faculdades sensíveis, mas também acima de suas faculdades intelectuais da inteligência e da vontade. Ela foi conduzida por Deus à plenitude, ao cume da vida espiritual, quase capaz de tocar o céu. Dali, calma, serena e silenciosamente, viva e amorosa, ela escuta a voz de seu Deus, a lhe sussurrar: 'Olha!'. Eis a hora da iluminação, das revelações íntimas, das confidências e dos segredos. Os olhos se abrem e a alma vê a terra como a vê do céu. E a alma vê o céu como o veríamos da terra se soubéssemos olhar. Contemplação que compreende tudo - céu e terra - em um único olhar de profundidade infinita.

Se o Senhor desejar fazer alguma confidência à alma, o momento é esse. E sem precisar de palavras, quase sem que a alma possa perceber, diz-lhe o que tem a dizer. Ao retornar à sua vida cotidiana, a alma retém dos fatos uma memória geral que, embora vaga, é muito real: foi tocada pela graça. Então, no momento certo, esse ensinamento escondido transparece claramente para ela de forma simples, sem esforço, como uma mensagem limpa, precisa, firme, segura e prática, que a surpreende e emociona. Sob a influência do Espírito da Verdade e do Amor, a misteriosa semente germinou e se abre docemente no instante oportuno. E embora o Verbo Divino tenha se contentado em tão somente se acercar da alma escolhida, por ser luz, inunda a alma de sua luz. Assim, quando a alma retorna aos seus afazeres normais, não vê mais as coisas com os mesmos olhos, não as interpreta mais do mesmo modo. Ela não é mais a mesma, e as coisas não são mais as coisas passadas.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)

quarta-feira, 6 de abril de 2022

SOMBRAS DA PAIXÃO (IV): FLAGELAÇÃO

 

Despojado das suas vestes e escarnecido,
Jesus é preso à coluna de flagelação, 
para a sanha alucinada dos seus verdugos.


Jesus foi flagelado até os limites do sofrimento,
para remir com o seu preciosíssimo sangue 
a miséria de todos os nossos pecados. 


Tal humilhação ainda não basta; é preciso escárnio:
cobrem o corpo de Jesus com uma manta vulgar
e, sua cabeça, com uma coroa de espinhos. 


'Salve, ó Rei dos judeus!'


Como vítima pascal, Cordeiro Puro e Imolado,
Jesus se entregou ao martírio da carne,
esmagado pelo enorme peso das sombras da Paixão.

terça-feira, 5 de abril de 2022

BREVIÁRIO DIGITAL: PALAVRAS ETERNAS


1. Viva cada dia de sua vida como se tivesse acabado de decidir tornar-se cristão e viver de acordo com os mandamentos da lei de Deus.

2. Ao cumprir as suas obrigações cotidianas, faça-as com zelo e devoção para que tudo seja feito para a glória de Deus.

3. Não faça nada, absolutamente nada, sem fazer antes uma oração; lembre-se das palavras de Jesus: 'Sem mim, nada podeis fazer'.

4. Domine as suas palavras, contenha as suas emoções. Não perturbe a sua alma interior com a miséria dos sentidos.

5. Onde possa estar, pergunte-se sempre: 'onde estou agora Jesus também estaria?'

6. Quem condena o próximo, colhe para si mesmo os pecados alheios.

7. Quem trabalha com zelo e santa alegria transforma o seu trabalho em oração. 

8. Não tenha desculpas para as suas faltas. Deus não precisa de desculpas, mas de conversão.

9. Gentileza atrai gentileza. E abre todos os caminhos para a caridade.

10. Dizer sempre a verdade tem um preço incomensurável: a vida eterna com Deus.

11. Cuida do seu corpo de tal forma que ele seja a moldura e não a masmorra da sua alma.

12. Se a sua cruz é pesada, pondera o quanto Cristo está sofrendo para carregar as cruzes que você não leva...

segunda-feira, 4 de abril de 2022

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XXIX)

Capítulo XXIX

As Longas Penas de Expiação no Purgatório - Mundanismo - Santa Brígida: a Jovem Cortesã e o Soldado - Beata Maria Villani e a Senhora da Sociedade

As almas que se deixam deslumbrar pelas vaidades do mundo, ainda que tenham o privilégio de escapar da condenação, terão de sofrer terríveis castigos. Abramos as 'Revelações de Santa Brígida', tão apreciadas pela Igreja. Lemos no Livro Seis dessa obra que a santa se viu transportada em espírito para o Purgatório e que, entre outros, viu ali uma jovem de alta estirpe que outrora se havia abandonado aos luxos e vaidades do mundo. 

Essa alma infeliz contou-lhe a história de sua vida e o triste estado em que se encontrava então. 'Felizmente' - disse ela - 'antes da morte confessei os meus pecados com disposição para escapar do inferno, mas agora sofro aqui para expiar a vida mundana que minha mãe não me impediu de levar! Ai!' - acrescentou, com um suspiro - 'este rosto, que adorava ser maquiado e que procurava chamar a atenção de todos, agora é devorado por chamas por dentro e por fora, e essas chamas são tão violentas que a cada momento parece que vou morrer. Esses ombros, esses braços, que eu adorava ver admirados, estão cruelmente presos em correntes de ferro em brasa. Esses pés, outrora treinados para a dança, agora estão cercados de víboras que os rasgam com as suas presas e os sujam com seu lodo imundo; todos esses membros que adornei com joias, flores e diversos outros ornamentos são agora uma prisão da mais horrível tortura. Ó mãe, mãe! - ela gritou - 'quão culpada você foi em relação a mim! Foste tu que, por uma indulgência fatal, encorajastes o meu gosto pela ostentação e por gastos extravagantes; fostes tu que me levastes a teatros, festas e bailes, e àqueles encontros mundanos que são a ruína das almas... Se não incorri na condenação eterna foi porque uma graça especial da misericórdia de Deus tocou o meu coração com sincero arrependimento. Fiz uma boa confissão e assim fui libertada do Inferno, mas apenas para me ver precipitada nos mais horríveis tormentos do Purgatório'. 

Já observamos que o que se diz dos membros torturados não deve ser tomado literalmente, porque a alma está separada do corpo; mas Deus, suprindo a falta de órgãos corporais, faz a alma experimentar as sensações que acabamos de descrever. A biógrafa da santa conta-nos que esta relatou a visão a uma prima da falecida, igualmente dada às ilusões das vaidades mundanas. A prima ficou tão impressionada com as revelações que renunciou aos luxos e diversões perigosas deste mundo, dedicando-se o resto da sua vida à penitência em uma ordem religiosa austera.

A mesma Santa Brígida, em outro êxtase, viu o julgamento de um soldado que acabara de morrer. Viveu nos vícios muito comuns de sua profissão, e teria sido condenado ao inferno se a Santíssima Virgem, a quem sempre havia honrado, não o tivesse preservado dessa desgraça, obtendo para ele a graça de um arrependimento sincero. A santa o viu comparecer perante o tribunal de Deus e ser condenado a um longo Purgatório pelos pecados de todos os tipos que havia cometido. 'O castigo dos olhos' - disse o Juiz - 'será contemplar os objetos mais assustadores; a da língua, para ser perfurada com agulhas pontiagudas e atormentada pela sede; a do toque, ser mergulhada em um oceano de fogo'. E então a Santa Virgem intercedeu, obtendo para ele alguma mitigação do rigor da sentença.

Relatemos ainda outro exemplo dos castigos reservados aos mundanos no Purgatório, quando não foram, como o rico glutão do Evangelho, sepultados no Inferno. A Beata Maria Villani, religiosa dominicana, tinha uma viva devoção às santas almas, e muitas vezes acontecia que estas lhe apareciam, seja para lhe agradecer ou para implorar a ajuda de suas orações e boas obras. Um dia, enquanto orava por elas com grande fervor, foi transportada em espírito para a prisão de expiação. Entre as almas que ali sofriam, ela viu uma mais cruelmente atormentada que as outras, no meio de chamas que a envolviam inteiramente. 

Tocada de compaixão, a serva de Deus interrogou a alma. 'Estou aqui' - respondeu ela - 'há muito tempo, castigada por minha vaidade e minha extravagância escandalosa. Até agora não recebi o menor alívio. Enquanto eu estava na terra, totalmente ocupada com a minha aparência, meus prazeres e diversões mundanas, eu pensava muito pouco em meus deveres como cristã, e os cumpri apenas com grande relutância e de maneira preguiçosa. Meu único pensamento sério era promover os interesses mundanos da minha família. Veja agora como sou castigada: tudo isso não me vale agora nem um pensamento passageiro; meus pais, meus filhos, aqueles amigos com quem vivia intimamente – todos se esqueceram de mim'.

Maria Villani implorou a essa alma que lhe permitisse sentir algo do que sofria e lhe pareceu então que um dedo de fogo tocava sua testa, e a dor que ela experimentou instantaneamente fez com que o seu êxtase cessasse de imediato. A marca ficou e tão profunda e dolorosa permaneceu que, dois meses depois, ainda podia ser vista e fez a santa freira padecer os mais terríveis sofrimentos. Ela suportou essa dor em espírito de penitência, para o alívio da alma que lhe havia aparecido, a qual, algum tempo depois, retornou para lhe anunciar a sua libertação.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)

domingo, 3 de abril de 2022

EVANGELHO DO DOMINGO

  

'Maravilhas fez conosco o Senhor, exultemos de alegria!' (Sl 125)

 03/04/2022 - Quinto Domingo da Quaresma 

19. JESUS E A MULHER ADÚLTERA


Neste Quinto Domingo da Quaresma, o Evangelho ratifica, mais uma vez, o testamento da misericórdia infinita de Deus. Deus, sendo Amor e Misericórdia infinitos, quer a salvação do homem e espera, com imensos tesouros da graça e paciência, a volta do filho pródigo ou a conversão da mulher adúltera, a floração da figueira ainda estéril, o encontro da dracma perdida ou o reencontro com a ovelha desgarrada.

Jesus está no templo, depois de uma noite de orações no Monte das Oliveiras, pregando sabedoria e misericórdia ao povo reunido à sua volta. E eis que, de repente, é interrompido pela entrada súbita de um bando de fariseus que trazem consigo uma mulher apanhada em adultério. Os fariseus interrogam Jesus, então, com malícia diabólica: 'Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. Moisés, na Lei, mandou apedrejar tais mulheres. Que dizes tu?' (Jo 8, 4-5). O dilema impetrado pela iniquidade era sórdido: Jesus, condenando a pecadora à morte, violaria a lei romana ou salvando-lhe a vida, desconsideraria a Lei de Moisés. Qualquer que fosse a sua decisão, manifestada publicamente no Templo, Jesus estaria exposto às violações e sanções das leis romanas ou às do Sinédrio.

Diante da investida maliciosa, 'Jesus, inclinando-se, começou a escrever com o dedo no chão' (Jo 8, 6). Trata-se da única referência a Jesus escrevendo nas Escrituras. O que teria Jesus escrito no chão? Palavras ou uma frase inteira? Os nomes ou a relação dos pecados dos homens à sua volta? Com o dedo no chão...seria o piso de uma das áreas internas do Templo de terra solta ou areia? Num piso de pedra, como entender a escrita do dedo de Jesus? Perguntas sem respostas ecoando pelos tempos. Mas, certamente, foi algo que lhes dissipou o frêmito. Por que diante ainda de questionamentos de outros e ante a resposta contundente de Jesus: 'Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra' (Jo 8, 7), começaram a sair em silêncio, um a um, a começar dos mais velhos. Não ficou nenhum dos acusadores e a mulher adúltera se viu, então, sozinha diante de Jesus. E Jesus manifesta à mulher pecadora a imensa misericórdia de Deus e a graça do perdão: 'Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques mais' (Jo 8, 11).

Naquele dia, no templo, os fariseus transtornados de orgulho tornaram-se réus de sua própria malícia e suspeição; a mulher, exposta à execração pública pelo pecado cometido, obteve a graça do perdão. Naquele dia, no templo, não sabemos exatamente o que Jesus escreveu no chão, mas foi algo que marcou indelevelmente o tesouro das graças divinas, numa mensagem gravada a ferro e a fogo no coração humano: 'Quero a misericórdia e não o sacrifício...' (Mt 12, 7).

sábado, 2 de abril de 2022

SOMBRAS DA PAIXÃO (III): CONDENAÇÃO


Os sumos sacerdotes e os anciãos do povo
convocaram um conselho contra Jesus,
para condená-lo à morte.


Depois levaram Jesus até Pilatos
 tramaram e convenceram as multidões 
a pedir por Barrabás e fazer Jesus morrer.


Eles gritaram com força: 'Seja crucificado!'


Pilatos mandou trazer uma bandeja de água
e lavou as mãos diante a multidão, condenando
Jesus à flagelação e à morte de cruz.


Ecce Homo - Eis o Homem - o Filho do Deus vivo
será condenado pelos homens por crime algum
e levado ao Calvário das sombras da Paixão.