segunda-feira, 2 de maio de 2022

SOBRE O PECADO DA SODOMIA

'… Essa torpeza é corretamente considerada como o pior dos crimes, porque está escrito que o Deus Todo-Poderoso a odiou e sempre da mesma maneira tanto que, para outros vícios, Ele estabeleceu limites por meio de preceitos específicos, mas quis condenar esse vício com uma punição da mais rigorosa vingança. Não pode ser olvidado que, de fato, Ele destruiu as duas famigeradas cidades de Sodoma e Gomorra, e todas as regiões próximas, mandando uma chuva de fogo e enxofre dos céus.

... Este vício não deve de modo algum ser considerado um vício comum, porque supera todos os outros pela gravidade. De fato, mata o corpo, arruína a alma, contamina a carne, extingue a luz do intelecto, expulsa o Espírito Santo do templo da alma, introduz nele o demônio instigador da luxúria, induz ao erro, subtrai a verdade pela raiz da mente enganada, prepara armadilhas para aquele que assim peca, lança-o no abismo e ali o encarcera, abre-lhe o inferno, fecha-lhe a porta do paraíso, transforma-o de cidadão da Jerusalém Celeste em herdeiro da Babilônia infernal, de uma estrela no céu em palha destinada ao fogo eterno, separa-o da comunhão da Igreja e o lança no fogo voraz da geena ardente. Este vício se compraz em destruir as muralhas da pátria celestial e reconstruir os muros da Sodoma queimada e revivida. Com efeito, ele viola a austeridade, extingue a modéstia, escraviza a castidade, mata a virgindade irrecuperável com o punhal de um contágio imundo, conspurca tudo, mancha tudo, contamina tudo e, tanto quanto pode, não permite que nada puro e casto se mantenha...

Essa tirania pestilenta de Sodoma torna os homens vis e movidos pelo ódio e em guerra contínua contra Deus; esmaga-os como escravos sob o peso do espírito de iniquidade, corta o vínculo deles com os anjos, extirpa a nobreza da alma, tornando-a infeliz e submetida ao jugo do seu próprio domínio. Priva os infelizes das armas da virtude e os expõem ao assédio de todos os vícios. Humilha-os diante da Igreja, condena-os pela justiça, contamina-os em privado e os proclamam como hipócritas em público, roendo-lhes a consciência como um verme e queimando a sua carne como fogo... Este flagelo abala os fundamentos da fé, enfraquece a força da esperança, dissipa o vínculo da caridade, elimina a justiça, mina a fortaleza, remove a temperança, amortece a perspicácia da prudência e, uma vez que tenha expulsado do íntimo do coração humano toda gama de virtudes, intromete-se no seu interior a barbárie de todos os vícios...

Portanto, tão logo alguém tenha caído nesse abismo de extrema perdição, torna-se um desterrado da pátria celeste, separa-se do Corpo de Cristo, é refutado pela autoridade de toda a Igreja, condenado pelo juízo dos Santos Padres, desprezado pelos homens e rejeitado pela comunhão dos santos... De um lado, não consegue levantar-se, agravado que está pelo peso do seu crime; de outro, não consegue mais ocultar seu mal no esconderijo da ignorância, não pode ser feliz enquanto vive, nem ter esperança quando morre, porque, agora, é obrigado a sofrer o opróbrio da derrisão dos homens e, depois, o tormento da condenação eterna'.

(Excertos da obra Liber Gomorrhanus, São Pedro Damião, in Patriologia Latina, por J. P. Migne)