sábado, 7 de maio de 2022

O FUNDAMENTO DA BATALHA ESPIRITUAL

São quatro as armas seguríssimas e muito necessárias para vencer a batalha espiritual que é a continua e duríssima luta contra você mesmo. São as seguintes: a desconfiança de si mesmo, a confiança em Deus, o exercício e a oração... mas há alguns enganos que podem levar à perdição.

O engano mais frequente é o da virtude. Muitos, sem pensar, julgam que ela consiste na austeridade de vida, no castigo da carne, nas longas vigílias, nos jejuns, e em outras penitências e fadigas corporais. Outras pessoas, mulheres especialmente, pensam ter chegado à grande perfeição quando rezam muito, ouvem muitas missas e longos ofícios, frequentam as igrejas e a Sagrada Comunhão. Outros ainda, e entre eles, certamente muitos religiosos de convento, chegaram à conclusão de que a perfeição consiste na frequência ao coro, no silêncio, na solidão e na disciplina. A verdade, porém, é muito outra.

Tais ações são, às vezes, meios de se adquirir o espírito e, às vezes, frutos do espírito. Não se pode, porém dizer que somente nestas coisas consista a perfeição cristã e o verdadeiro espírito. Estas pessoas seguem com grande abnegação, e com sua cruz às costas, o Filho de Deus, frequentam os santos sacramentos, para glória de sua divina Majestade, para mais se unirem com Deus e para adquirirem novas forças contra o inimigo.

Se, porém, põem todo o fundamento de sua virtude nas ações exteriores, estas ações, não por serem defeituosas, pois são santíssimas, mas pelo defeito de quem as usa, serão, às vezes mais do que os próprios pecados, a causa de sua ruína. Pois estas almas que apenas prestam atenção às suas ações, largam o coração às suas inclinações naturais e ao demônio oculto. Este, reparando que já está aquela alma transviada, fora do caminho, deixa que ela continue deleitando-se naquele comportamento enganoso, e até mesmo a estimula, embalando-a com o pensamento das delícias do paraíso. A alma logo se persuade de estar no coro dos anjos e de possuir Deus dentro de si.

Estes estão em grave perigo de cair porque têm o olhar interno obscurecido. É com esse olhar que contemplam a si mesmos e suas obras externas boas, atribuindo-se muitos graus de perfeição. E. com soberba, julgam os outros. A não ser por um auxílio extraordinário de Deus, nada os converterá. É evidente que mais facilmente se converte e se entrega ao bem o pecador declarado e manifesto do que o pecador oculto que, enganado e enganadoramente, se apresenta coberto com o manto das virtudes aparentes.

A vida espiritual não consiste nestas coisas. A virtude outra coisa não é senão o conhecimento da finita bondade e grandeza de Deus, e da nossa inclinação para o erro e para o mal. A virtude está no ódio de nós mesmos e das nossas faltas, tanto quanto no nosso amor a Deus e na nossa confiança em Deus. A virtude está não só na sujeição mas, por seu amor, no amor de todas as criaturas.

O ponto mais alto da virtude consiste no desapropriamento da nossa própria vontade, entregando-lhe o comando de nossa vida e das nossas ações, em acatamento total as suas divinas disposições. Por fim: querer e fazer tudo isto para glória de Deus, para seu agrado, e porque ele quer e merece ser amado e servido. Esta é a lei do amor, impressa pela mão de Deus nos corações de seus servos queridos e fiéis. Esta é a negação de nós mesmos, que ele, como Pai e Criador amantíssimo, nos pede, para o nosso bem. Este é o jugo suave de que falava Jesus, a obediência a que o nosso divino Redentor e Mestre nos chama, com sua voz e seu exemplo.

Este é o combate preliminar de adestramento para a grande batalha. Se você aspira a uma vida em perfeita união com Deus, deverá começar pelo combate generoso contra as suas próprias vontades, grandes e pequenas. Com grande prontidão de ânimo, desde o primeiro instante, é necessário que você se aparelhe para este combate, onde só é coroado o soldado valoroso. Este combate é difícil, mais que nenhum outro, pois combatemos contra nós mesmos. Por maior, porém, que seja a batalha, mais gloriosa e mais cara aos olhos de Deus será a vitória.

(Excertos da obra 'Combate Espiritual', de Dom Lourenzo Scupoli)