sábado, 29 de janeiro de 2022

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XXIV)

 

Capítulo XXIV

Duração do Purgatório - O Duelista - Padre Schoofs e a Aparição em Antuérpia

O exemplo a seguir mostra não só a longa duração da punição infligida por certas faltas, mas também a dificuldade em declinar a Justiça Divina em favor daqueles que cometeram faltas dessa natureza. A história da Ordem da Visitação menciona, entre as primeiras religiosas daquele Instituto, Irmã Marie Denise, chamada no mundo Maria Marignat. Ela era muito caridosa e devotada às almas do Purgatório, e sentia-se particularmente atraída a recomendar a Deus, de maneira especial aqueles que haviam ocupado altas posições no mundo, pois sabia por experiência os perigos a que as suas posições os expunham. Um certo príncipe, cujo nome não é revelado, mas que se acredita pertencer à Casa da França, foi morto em um duelo, e Deus permitiu que ele aparecesse à irmã Denise para pedir-lhe a ajuda da qual tanto necessitava. Ele revelou então que não havia sido condenado, embora o seu crime merecesse condenação. Graças a um ato de contrição perfeita que fez no momento da morte, foi salvo; mas, como punição por sua vida e morte temerosas, havia sido condenado ao mais rigoroso castigo do Purgatório até o Dia do Juízo Final.

A irmã, tomada pela caridade e profundamente tocada pelo estado daquela alma, ofereceu-se generosamente como vítima de expiação em sua intenção. Mas é impossível dizer o que ela teve que sofrer por muitos anos em consequência desse ato heroico. O pobre príncipe não a deixou descansar e a fez participar de todos os seus tormentos. Ela completou o seu sacrifício pela morte; mas, antes de morrer, confidenciou à sua superiora que, em troca de tanta expiação, conseguira para o seu protegido a remissão de apenas algumas horas de sofrimento. 

Quando a superiora expressou o seu espanto com esse resultado, que lhe pareceu totalmente desproporcional a tudo que a irmã havia padecido, a irmã Denise respondeu: 'Ah! minha querida mãe, as horas do Purgatório não são computadas como as da Terra; anos de dor, cansaço, pobreza ou doença neste mundo não são nada comparados a uma hora de sofrimento do Purgatório. Já é muito que a Divina Misericórdia nos permita exercer qualquer influência sobre a sua justiça. Eu estou menos comovida pelo estado lamentável em que vi esta alma definhar do que pelo extraordinário retorno da graça que consumou a obra de sua salvação. O ato pelo qual o príncipe morreu merecia o inferno; um milhão de outros poderiam ter encontrado a sua perdição eterna no mesmo ato em que ele encontrou a sua salvação. Ele recobrou a consciência apenas por um instante, tempo suficiente para cooperar com aquele precioso movimento de graça que o dispôs a fazer um ato de contrição perfeita. Aquele momento abençoado me parece um excesso da bondade, clemência e amor infinito de Deus'. Assim falou a Irmã Denise; ela admirou ao mesmo tempo a severidade da Justiça de Deus e a sua Infinita Misericórdia. Tanto uma quanto a outra brilharam neste exemplo da maneira mais impressionante.

Continuando o assunto da longa duração do Purgatório, relataremos aqui um caso de ocorrência mais recente. O padre Philip Schoofs, da Companhia de Jesus, falecido em Fouvain em 1878, relatou o seguinte fato, ocorrido em Antuérpia durante os primeiros anos de seu ministério naquela cidade. Ele acabara de pregar uma missão e retornara ao Colégio de Notre Dame, então situado na Rue L'Empereur, quando lhe disseram que alguém o esperava no salão. Descendo imediatamente ao salão, encontrou ali dois jovens irmãos, acompanhados por uma criança pálida e doentia de cerca de dez anos.

'Padre' - dizia um deles - 'aqui está uma pobre criança que adotamos e que merece nossa proteção porque é boa e piedosa. Nós o alimentamos e o educamos e há mais de um ano que ele faz parte da nossa família, onde é feliz e goza de boa saúde. Nestas últimas semanas, no entanto, ele começou a ficar mais magro e a definhar, ficando no estado em que se vê agora'. E qual é a causa dessa mudança?' - perguntou o padre. 'É medo' - responderam - 'a criança é despertada todas as noites por aparições. Um homem, ele nos garante, apresenta-se diante dele e ele o vê tão distintamente quanto nos vê em plena luz do dia. Esta é a causa de seu contínuo medo e inquietação. Viemos, padre, pedir-lhe alguma solução'.

'Meus caros' - respondeu o padre Schoofs - 'em Deus há solução para todas as coisas. Comecem, ambos, fazendo uma boa confissão e comunhão, e implorem a Deus que os livre de todo mal, e nada temam. Quanto a você, meu filho, faça bem as suas orações e depois durma tão profundamente que nenhum fantasma possa acordá-lo'. Ele então os dispensou, dizendo-lhes que voltassem caso algo mais acontecesse. Duas semanas se passaram e eles voltaram novamente. 'Padre' - disseram eles - 'seguimos as suas orientações e, ainda assim, as aparições continuam como antes: a criança sempre vê o mesmo homem aparecer'. 'A partir desta noite' - disse o padre Schoofs - 'vigiem na porta do quarto da criança, providos de papel e tinta para escrever as respostas. Quando a criança avisá-lo da presença daquele homem perguntem, em nome de Deus, quem ele é, a hora de sua morte, onde ele viveu e por que ele voltou'.

No dia seguinte eles voltaram, trazendo o papel onde estavam escritas as respostas que haviam recebido. 'Vimos' - disseram eles - 'o homem que aparece para a criança'. Descreveram-no como um velho, do qual só podiam ver o busto, e ele usava um traje dos velhos tempos. Ele lhes disse o seu nome e a casa em que morava em Antuérpia. Morreu em 1636, seguira a profissão de banqueiro nessa mesma casa que, no seu tempo, compreendia ainda as duas casas que hoje se podem ver situadas à direita e à esquerda. Observemos aqui que alguns documentos que comprovam a exatidão dessas indicações foram descobertos nos arquivos da cidade de Antuérpia. Acrescentou que estava no Purgatório e que poucas orações haviam sido feitas por ele. Ele então implorou às pessoas da casa que oferecessem a Sagrada Comunhão por ele e, finalmente, pediu que uma peregrinação fosse feita a Notre Dame des Fievres e outra a Notre Dame de la Chapelle, em Bruxelas. 'Você fará bem em atender a todos esses pedidos' - disse o padre Schoofs - 'e se o espírito retornar, antes de falar com ele, exija que ele diga o Pai Nosso, a Ave Maria e o Credo'.

Eles realizaram as boas obras indicadas com toda piedade possível, e muitas conversões ocorreram. Quando tudo terminou, os jovens retornaram. 'Padre, ele rezou' - disseram eles ao padre Schoofs - 'com um tom de fé e piedade indescritíveis. Nunca ouvimos ninguém orar assim. Que reverência no Pai Nosso! Que amor na Ave Maria! Que fervor no Credo! Agora sabemos o que é orar. Então ele nos agradeceu por nossas orações; ele ficou muito aliviado e disse que teria sido libertado inteiramente se uma assistente em nossa loja não tivesse feito uma comunhão sacrílega. Nós relatamos essas palavras para a pessoa. Ela ficou pálida, reconheceu a sua culpa então, e correndo ao seu confessor, apressou-se a reparar o seu crime'.

'Desde aquele dia' - acrescenta o padre Schoofs - 'aquela casa nunca teve problemas. A família que a habita prosperou rapidamente e hoje é rica. Os dois irmãos continuaram a se comportar de maneira exemplar e irmã deles tornou-se religiosa em um convento, do qual atualmente é superiora'. Tudo nos leva a crer que a prosperidade daquela família foi fruto do socorro prestado à alma que partiu. Após dois séculos de punição, restava a esta alma apenas uma pequena parte da expiação e a realização de algumas boas obras que ele pediu. Quando isso se realizou, ele foi libertado e desejou mostrar a sua gratidão obtendo as bênçãos de Deus sobre os seus benfeitores.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)