sábado, 28 de março de 2020

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XLVIII)

XXXIX

DA PARTE QUE O PENITENTE TOMA NO SACRAMENTO DA PENITÊNCIA; DA CONTRIÇÃO, CONFISSÃO E SATISFAÇÃO

Contribui o penitente para produzir os efeitos deste sacramento?
Sim, senhor; porque os atos por ele executados fazem parte do sacramento.

Por que?
Porque constituem a matéria, assim como os atos do ministro a forma (XC, 1)*.

Que atos do penitente constituem a matéria do sacramento?
Os de contrição, confissão e satisfação (XC, 2).

Por que são necessários estes três atos para constituir a matéria do sacramento?
Porque é sacramento de reconciliação do homem ofensor com Deus ofendido. Requer-se, para uma reconciliação desta natureza, que o homem ofereça e Deus uma compensação suficiente, a fim de que Deus esqueça a ofensa e fique saldada a injustiça; e, para consegui-lo, são necessárias três coisas: que o pecador esteja disposto a satisfazer pela forma que Deus determine; que se apresente ao confessor, lugar-tenente de Deus para conhecer as condições que Ele lhe impõe e que as aceite sem reservas e as cumpra lealmente. A contrição, a confissão e a satisfação coordenam-se no sentido do reto cumprimento destas três condições (Ibid).

Há verdadeiro sacramento se falta algum destes atos?
Sem alguma manifestação exterior dos três, não, senhor; porém, pode havê-lo, sem contrição interior e sem satisfação, ainda que não produza fruto atual (XC,3).

Que entendeis por contrição?
A dor sobrenatural que invade o espírito do pecador quando serenamente pensa em suas culpas, dor que o amargura e lhe faz detestável o prazer do pecado e lhe arranca a resolução de prostrar-se aos pés do sacerdote, ministro do Senhor, confessar-se, aceitar a satisfação que ele lhe imponha e cumpri-la escrupulosamente (Suplemento, I, 1).

Que se requer para que a dor seja sobrenatural?
Que a sua causa e motivo o sejam; começa pelo temor aos castigos que, conforme o que ensina a fé, impõe Deus justamente indignado pelos pecados dos homens, temor misturado com a esperança de conseguir perdão, mediante a penitência, e mais tarde se converte em ódio e detestação ao pecado, porque dá morte à alma, privando-a da graça, e sobretudo, por ser ofensa a Deus, bem e objeto supremo do amor (I, 1, 2).

Haverá contrição quando se detesta o pecado exclusivamente por temor à pena de sentido, inevitável neste mundo ou no outro?
Não, senhor; para que exista verdadeira contrição é necessário detestar o pecado ou pelos grandes prejuízos que acarreta à alma ou porque nos priva do amor de Deus e do direito de possuí-lo, mediante a graça neste mundo, e da glória do céu (I, 2).

Que nome tem a dor sobrenatural fundada no primeiro motivo?
Chama-se atrição (I, 2 ad 2).

Logo, a atrição se distingue da contrição pelas razões e motivos em que cada uma se funda?
Sim, senhor; porque na atrição a dor é resultado de um temor servil e a contrição baseia-se no temor filial (Ibid).

Basta a dor de atrição para alcançar o perdão dos pecados no sacramento da penitência?
É suficiente para nos aproximarmos dele, porém, no momento de receber a absolvição e com ela a graça, à dor de atrição sucede a da verdadeira contrição (I, 3; XVIII, 1).

É necessário condoer-se e arrepender-se de todos e cada um dos pecados cometidos?
Quando o pecador se dispõe a receber o sacramento, deve arrepender-se e conceber dor de cada pecado em particular, especialmente se são mortais; porém, quando a dor está já informada pela graça, basta que se arrependa de todos em conjunto, pela razão comum de ofensa feita a Deus (II, 3, 6).

Poderíeis ensinar-me alguma fórmula para exercitar-me em atos de contrição?
Sim, senhor; eis aqui uma: 'Pesa-me e arrependo-me, Deus e Senhor meu, de haver cometido tantos pecados que me mereceram a vossa inimizade e justa indignação, privando-me da vossa graça e paralisando em mim o exercício das virtudes, porque eram ofensas dirigidas a Vós, Bem Infinito; tende misericórdia de mim, perdoai-me; infundi-me de novo a vossa graça, na qual desejo e quero viver e morrer; de vossas mãos aceito a morte com todas as suas enfermidades, dores e padecimentos, e os uno aos da paixão e morte de Jesus Cristo, meu divino Salvador, em satisfação de minhas culpas e pecados'.

Que deve fazer o pecador arrependido e pesaroso das suas culpas para obter o perdão?
Estar pronto e disposto a confessá-las a um sacerdote, se a isso o obriga algum preceito da Igreja ou as circunstâncias em que se ache (VI, 1-5).

Quando obriga a Igreja a confessar?
Uma vez, pelo menos, ao ano, e com preferência no tempo pascal, porque então obriga também o preceito da comunhão e ninguém que tenha consciência de pecado mortal deve recebê-la sem se confessar (VI, 5; Código, c. 906).

Por que é a confissão parte do sacramento da penitência?
Por ser o único meio com que o confessor pode julgar, com conhecimento de causa, sobre as disposições do penitente para receber a absolvição e decretar, em nome de Deus, a pena satisfatória que há de cumprir, como justa compensação para recuperar a graça (VI, 1).

Como há de ser a confissão para que o sacramento seja válido?
É necessário que o penitente manifeste, quanto seja possível, o número e espécie dos pecados mortais e que o faça com o fim de receber a absolvição sacramental (IX, 2).

Perdoam-se no sacramento da penitência os pecados confessados sem dor de contrição nem de atrição?
Não, senhor; porém a confissão, enquanto relaciona um penitente com o sacerdote, pode existir ainda naquele que não tem contrição; permanece, não obstante isto, a obrigação de manifestar na confissão seguinte aquela falta de dor (Ibid).

Se o penitente, involuntariamente, se esquece de algum pecado grave, tem obrigação de manifestá-lo na confissão seguinte?
Sim, senhor; porque estamos obrigados a submeter ao poder das chaves todos os pecados mortais (IX, 2).

Em nome de quem recebe o sacerdote a confissão?
Em nome e lugar de Deus, de sorte que, exceto no ato de exercer esta função do seu ministério, não tem capacidade para ouvi-la e nem para manifestar coisa alguma com ela relacionada (XI, 1-5).

Que deve fazer o penitente depois de se confessar?
Cumprir com esmero o castigo satisfatório que, como condição para recuperar a amizade de Deus, e em seu nome, lhe imponha o sacerdote (XII, 1, 3).

A quantos grupos podem reduzir-se as penitências satisfatórias?
A três: esmola, jejum e oração, porque para satisfazer a Deus, justo é sacrificar alguns bens em sua honra. Três classes de bens possuímos: os da fortuna, os do corpo e os da alma. O sacrifício dos primeiros recebe o nome geral de esmola, o dos segundos, o de jejum e o dos terceiros, de oração (XV, 3).

Perde-se a graça recebida na absolvição, caso se não cumpra a penitência sacramental?
Não, senhor; quer seja por esquecimento quer seja por negligência, exceto quando se deixa de cumprir por desprezo ao sacramento; fica, porém, de pé a obrigação de sofrer, neste mundo ou no outro, a pena temporal devida pelos pecados e, além disso, não se recebe o aumento de graças, vinculado ao cumprimento da penitência.

XL

DO MINISTRO DO SACRAMENTO DA PENITÊNCIA: DA ABSOLVIÇÃO, INDULGÊNCIAS, COMUNHÃO DOS SANTOS E EXCOMUNHÃO

Que entendeis por poder das chaves?
A faculdade ou poder de abrir as portas do céu, tirando de permeio o pecado e a pena por ele devida, únicos obstáculos que as mantêm fechadas (XVII, 1).

Em quem reside este poder?
Primeiramente na Santíssima Trindade; depois, na humanidade de Jesus Cristo, pelos méritos da sua paixão; e suposto que a eficácia e virtude da paixão se comunica aos sacramentos, que são como canais por onde flui à alma a graça divina, segue-se que os ministros da Igreja, dispensadores dos sacramentos, são depositários, por delegação de Cristo, do poder das chaves (Ibid).

Como se exerce o poder das chaves no sacramento da penitência?
Pelo ato do ministro, quando julga do estado do pecador, absolvendo-o, depois de lhe impor a penitência ou negando-lhe a absolvição (XVII, 2).

Logo, o sacramento da penitência produz o efeito vinculado ao poder das chaves, por virtude da absolvição, e no momento em que o sacerdote a dá?
Sim, senhor; e sem ela, nem existiria sacramento e nem, por conseguinte, produziria efeito algum (X, 1, 2; XVIII, 1).

Quais são os depositários do poder das chaves?
Só os sacerdotes validamente ordenados, segundo o rito da Igreja Católica, têm o poder de abrir as portas do céu, perdoando os pecados mortais no tribunal da penitência (XIX, 9).

Basta que o sacerdote esteja validamente ordenado para que possa exercer o poder das chaves com todos os batizados que desejem receber o sacramento da penitência?
Não, senhor; é necessário, além disso, que esteja aprovado pela Igreja para ouvir confissões e que tenha jurisdição sobre o penitente (XX, 1-3).

Praticamente pode o sacerdote absolver a quantos se aproximem do tribunal da penitência, na localidade em que tenha faculdades para confessar?
Sim, senhor; exceto quando o penitente se acusa de pecados reservados ao superior.

Tem a Igreja, em virtude do poder das chaves, algum outro meio, distinto da absolvição e imposição da penitência sacramental, para perdoar a pena devida pelos pecadores?
Sim, senhor; tem a admirável faculdade de conceder indulgências (XXV, 1).

Em que consiste?
Em poder tirar do inesgotável tesouro, formado pelos méritos e valor satisfatório das obras de Jesus Cristo, da Santíssima Virgem e de todos os santos, o que for necessário para satisfazer, no todo ou em parte, à justiça divina, pela pena que neste mundo ou no outro, deve sofrer o pecador, uma vez perdoada a sua culpa, e de aplicar estes méritos a determinados indivíduos, livrando-os assim do merecido e inevitável castigo temporal (Ibid).

Que condições se requerem para que se lucre o efeito das indulgências?
São três: autoridade competente de quem as concede, estado de graça de quem se disponha a ganhá-las e motivo ou razão suficiente para concedê-las, que pode ser qualquer obra que redunde em honra de Deus e em utilidade da Igreja, como práticas piedosas, obras de zelo e apostolado, esmolas, etc.

Logo, são estas práticas o preço com que a Igreja taxa e concede as indulgências?
De modo algum, pois a indulgência não é indulto que se obtém por permuta com obras satisfatórias equivalentes; é uma transferência do valor satisfatório das boas obras de uns indivíduos em favor de outros, se estes cumprem certas condições que a Igreja impõe, transferência feita em virtude da comunhão dos santos e com o consentimento dos primeiros (XXV, 2).

Beneficiam-se delas somente quem cumpre as condições prescritas para ganhá-las?
Podem aproveitar às almas do purgatório, quando a Igreja assim o concede (XVII, 3 ad 2; Código, c. 930).

Quem pode concedê-las?
Somente aquele que, em virtude do supremo poder de ligar e desligar, em todos os assuntos espirituais dos fiéis, é depositário e administrador do tesouro formado pelos méritos de Jesus Cristo e dos santos, isto é, o Soberano Pontífice. Sem embargo disso, dentro dos limites fixados pelo supremo hierarca, podem também os bispos concedê-las aos seus súditos, considerando que são juízes ordinários das diversas igrejas e compartilham com o Soberano Pontífice das fadigas e solicitude pastorais (XVII, 1,3).

Que consequências práticas se deduzem da doutrina que acabamos de expor?
Se atentamente pensarmos na faculdade de conceder indulgências, no poder das chaves, no sacramento da penitência, e, em geral, no maravilhoso poder que tem a Igreja Católica de tomar e aplicar a cada um dos seus membros, os méritos da paixão do Redentor, deduziremos que o maior benefício que o homem pode receber neste mundo é o de ser admitido na Igreja Católica e gozar a plenitude dos direitos que o batismo confere, vivendo em comunhão perfeita com todos os seus membros e com o seu chefe supremo, o Pontífice Romano, único depositário do tesouro de graças sobrenaturais que constitui a herança dos membros de Cristo.

Pode dar-se o caso de que alguém, incorporado à Igreja Católica pelo batismo, não participe de todos os seus direitos e privilégios?
Sim, senhor; todos aqueles sobre quem haja recaído alguma censura eclesiástica e, em especial, a mais temível de todas, a excomunhão (XXI, 1, 2).

Os hereges e os cismáticos estão excomungados?
Sim, Senhor; e, por consequência, não têm parte na comunhão dos santos. 

Logo, só os batizados, sujeitos ao Pontífice Romano e isentos de censuras, têm pleno gozo dos direitos de católicos?
Sim, senhor; e, além disso, para obterem os benefícios das indulgências, devem estar em perfeita comunhão com os santos, pela graça e pela caridade.

Em que consiste o que vós chamais perfeita comunhão com os santos?
Em que todos os membros do corpo místico de Jesus Cristo, os que vivem neste mundo, os que expiam as suas faltas no purgatório e os que no céu já receberam a recompensa, vivem em estreita união e participação comum dos bens conducentes à felicidade eterna, mediante a hierarquia da Igreja visível, cuja alma é o espírito de Deus.

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)