domingo, 31 de março de 2019

PAI DE MISERICÓRDIA

Páginas do Evangelho - Quarto Domingo da Quaresma


Neste Quarto Domingo da Quaresma, São Lucas nos mostra uma das páginas mais belas dos Evangelhos, que é a parábola do filho pródigo. Que poderia muito bem ser a parábola da verdadeira conversão. Ou, com muito mais correção e sentido espiritual, a parábola do pai de misericórdia. Três personagens: o filho mais velho e o filho mais novo que, em meio às dolorosas experiências da vida humana, se reencontram  no grande abraço da misericórdia do pai.

Com a parte da herança que lhe cabe, o 'filho mais novo' opta pelo caminho fácil e tortuoso dos prazeres e vícios humanos, dos instintos insaciados, do vazio do mal. E esbanja, na via dolorosa do pecado, os bens que possuía: a alma pura, o coração sincero, os nobres sentimentos, a fortuna da graça. E, a cada passo, se afunda mais e mais no lodo das paixões humanas desregradas, da vida consumida no nada. Mas, eis que chega o tempo da reflexão madura, da conversão sincera, do caminho de volta ao Pai: 'Pequei contra ti; já não mereço ser chamado teu filho' (Lc 15, 18-19). 

O pai nem ouve as palavras do filho pródigo; no abraço da volta, somente ecoa pelos tempos a misericórdia de Deus: 'Haverá maior alegria no Céu por um pecador que fizer penitência que por noventa e nove justos que não necessitem de arrependimento' (Lc 15, 7). Diante do filho que volta, um coração de misericórdia aniquila a justiça da razão: 'Trazei depressa a melhor túnica para vestir o meu filho. E colocai um anel no seu dedo e sandálias nos pés' (Lc, 15, 22). Como as talhas de água que se tornam vinho, a conversão verdadeira apaga e aniquila o mal desejado e consumido outrora: na reconciliação de agora desfaz-se em pó as misérias passadas de uma vida de pecado.

O 'filho mais velho' não se move por igual misericórdia e se atém aos limites difusos da justiça humana. Na impossibilidade absoluta de compreender o júbilo do pai com o filho que volta, faz-se vítima e refém da soberba e do orgulho humano: 'tu nunca me deste um cabrito para festejar com meus amigos' (Lc, 15,29).  O filho mais novo, que estava tão longe, está lá dentro outra vez. E o filho mais velho, que sempre lá esteve, recusa-se agora a entrar na casa do pai. Tal como no caso do primeiro filho, o pai de misericórdia vem, mais uma vez, buscar a ovelha desgarrada no filho mais velho que está fora e não quer entrar. Porque Deus, pura misericórdia, quer salvar a todos os seus pobres filhos afastados de casa e espera, com paciência e amor infinitos, a volta dos filhos pródigos e a volta dos seus filhos que creem apenas na justiça dos homens.

sábado, 30 de março de 2019

SOBRE A PRESENÇA DE DEUS

Através dos tempos, os santos encontraram seu caminho para o Espírito Santo; para a grande maioria, porém, o Espírito Santo permanece como um Deus Desconhecido. Quão verdadeiro é o que Courtois escreveu: 'Não é a nossa idade que é pobre, mas os homens que vivem nela que são anões, porque não têm mais com eles e neles o Espírito do Deus vivo. O que falta em nosso tempo nada mais é do que a orientação do Espírito Santo. Falta-nos homens que, na sua vida cotidiana, dependam do Espírito Santo, homens que, dia após dia, se esforcem por andar na presença do Cristo vivo'.

A dificuldade é que interpretamos a graça como coisa enquanto, na realidade, é Alguém. Como Rahner coloca: 'A primeira coisa que devemos fazer é ouvir simplesmente o que a Escritura nos diz sobre o Espírito. Isso aceito, acreditado, vivido, abraçado e amado nas profundezas do nosso ser ... esse é o Espírito Santo! Lá Ele nos encontra como Ele é e não como uma mera apropriação abstrata. Em qualquer caso, a nossa verdadeira vida sobrenatural consiste na comunicação do Espírito Divino e tudo o que se pode dizer sobre a essência, glória e fim do cristão pode ser resumido dizendo que ele recebeu o Espírito do Pai, e deste modo foi preenchido com a vida divina'.

Quando os santos descobriram isto, Alguém nas profundezas de suas almas, mudaram as suas vidas e isso foi o começo do que eles chamavam de conversão. Os primeiros mártires estavam cheios do Espírito Santo e se consideravam como portadores de Deus. E, para os primeiros Pais, somos compostos de corpo, alma e Espírito Santo. O que a alma é para o corpo, o Espírito Santo é para a alma.

Eusébio nos conta como Leônidas, o pai de Orígenes, costumava se ajoelhar e beijar o peito de seu filho adormecido porque ele acreditava que era habitado pelo Espírito Santo. Santo Agostinho procurou Deus por toda parte e encontrou-o em seu próprio coração: 'Retorne ao seu próprio coração e o encontre'. E ainda: 'Ó beleza sempre antiga, sempre nova, tarde demais eu te conheço, tarde demais eu te amei. E eis que tu estavas dentro de mim enquanto eu estava a te buscar ... Tu estavas comigo mas eu não estava contigo'.

Santa Teresa de Jesus também se arrependeu do tempo durante o qual ela negligenciou o grande rei que morava no palacete de sua alma. E ela acrescenta: 'Lembre-se de como Santo Agostinho nos conta sobre como ele buscou a Deus em muitos lugares e eventualmente o encontrou dentro de si mesmo. Não precisamos de asas para buscá-lo, mas temos apenas que encontrar um lugar onde possamos estar sozinhos e olhar para ele presente dentro de nós ... Lembre-se de quão importante é para você ter entendido esta verdade - que o Senhor está dentro de nós e que devemos estar lá com ele'. 
Quando Isabel da Trindade“ descobriu isso, tudo ficou claro para ela: 'Parece-me que encontrei meu paraíso na terra, já que o céu é Deus e Deus está em minha alma. No dia em que entendi isso, tudo ficou claro para mim'... Em seu Magnificat, Paul Claudel, que cresceu agnóstico, descreve como, num dia de Natal, ele foi para Notre-Dame onde as Vésperas estavam sendo cantadas. Num momento Deus se tornou Alguém para ele e desde então toda a sua vida foi dominada pela presença de Deus.

O cardeal Newman definiria o cristão como alguém com um senso dominante da presença de Deus: 'Um verdadeiro cristão, então, pode ser quase definido como aquele que tem um senso dominante da presença de Deus dentro dele ... Em todas as circunstâncias de alegria ou tristeza, esperança ou medo, tenhamos como objetivo tê-lo no mais íntimo dos nossos corações; não tenhamos nenhum segredo além dele. Vamos reconhecê-lo como entronizado dentro de nós na própria primavera do pensamento e afeição ... Esta é a verdadeira vida dos santos. Isto é para que o Espírito testemunhe, com o nosso espírito, que somos filhos de Deus'. 

O Espírito Santo não é apenas o doce convidado de nossas almas. Como São Gregório, o Grande, diz: 'Deus é amor e o amor nunca é ocioso'. Ele é a Primavera Viva que nunca deixa de fluir; o Fogo Vivo que nunca deixa de consumir e inflamar e difundir a vida de Deus em nossas almas. Ele é o Dedo de Deus moldando, formando e moldando-nos nas imagens vivas de Cristo e nos guiando ao longo do caminho que é Cristo. São Paulo revela a ação do Espírito Santo em nossas vidas quando ele escreve aos coríntios: 'Agora o Senhor é o Espírito, e onde está o Espírito do Senhor, há liberdade. E todos nós, com rostos desvelados, contemplando a glória do Senhor, estamos sendo transformados à sua semelhança de um grau de glória para outro; isso vem do Senhor que é o Espírito' (2 Cr 3, 17-18).

A vida que está sendo transfigurada pelo Espírito Santo é a vida que vivemos dia a dia em nossas ocupações cotidianas. Foi no âmbito da labuta diária que Cristo realizou a obra da nossa redenção: é no mesmo cenário que nos santificamos e redimimos o mundo ao nosso redor. 'E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim' (Jo 12,32). É através do poder do seu Espírito que Cristo nos atrai para si mesmo. Ele revelou a atitude básica de sua vida quando disse: 'Eu vivo para o Pai'. O Espírito Interno está nos atraindo para a corrente de rendição amorosa que ainda preenche o coração de Cristo. Se aceitarmos a vida como ela vem no espírito de amar a entrega à vontade do Pai, estamos certamente cooperando com o Espírito Santo e nossa vida está indo, a cada momento, para o Pai em Cristo. A corrente viva da vida divina está nos levando de volta à sua Fonte. 

São João nos diz que 'Aquele que diz que nele permanece deve viver da mesma maneira que ele viveu' (1 Jo 2,6). Requer uma fé viva para se viver e andar na luz do Espírito Interno. Fé é o meio pelo qual vemos a Deus; quanto mais profunda, mais agudo é o nosso senso de sua realidade e de sua presença onipresente. E uma vez que a oração é o óleo na lâmpada da fé, não há despertar para a presença divina dentro de nós sem oração perseverante. Quanto mais a nossa vida se torna em oração, mais clara é a nossa visão de Deus. Uma certa medida de desapego é necessária para a prática da Presença de Deus. Nós somos os peregrinos da eternidade, nós não temos aqui uma cidade duradoura; nós devemos viver nestes dois mundos ao mesmo tempo. É quando a luz de cima encontra a luz de baixo que podemos construir o Reino de Cristo e um mundo melhor para a humanidade ao mesmo tempo.

Ao abordar diariamente a dupla mesa da Palavra e a Eucaristia, podemos tornar Cristo uma realidade viva em nossas vidas diárias. A palavra de Deus é vida e espírito: é a Palavra recriando o mundo à sua imagem. São Jerônimo escreve sobre um amigo que, pela oração e pelo estudo, fez do seu coração a biblioteca viva das palavras de Cristo. Um coração desse tipo está cheio do Espírito Santo. Maria é o exemplo supremo de quem soube ponderar a palavra de Deus. Ela manteve todas as coisas que lhe foram ditas sobre seu Filho e ponderou-as amorosamente em seu coração. É assim que ela se tornou a discípula perfeita de Cristo.

A Eucaristia é o próprio Cristo que vem renovar sua presença em nós e nos tornar mais vivos à sua presença no corpo místico... 'Aproxime-se de Deus e Ele se aproximará de você' (Tg 3,8). Deus está nos buscando com um amor infinitamente maior do que poderíamos imaginar. É um amor assombroso que encontrou expressão nas palavras da Cruz: 'tenho sede'. O amor que o reduziu à total fraqueza da cruz ainda nos busca. Como De Caussade escreveu: 'Ele está se oferecendo para mim a todo momento, em todo lugar. Quando eu vejo isso ... tudo se torna pão para me alimentar, fogo para me purificar, um cinzel para moldar-me de acordo com o padrão celestial. Tudo se torna um instrumento de graça para as minhas necessidades. Agora vejo que aquele que eu costumava buscar em outras direções é ele mesmo me buscando incessantemente, e entregando-se a mim em tudo o que acontece'.

'Vinde e vede' (Jo 1,39). O convite de Cristo a André para vir e permanecer com Ele aplica-se a todos nós. Foi na presença divina que André encontrou o amor que o elevou até a cruz e o uniu tão intimamente ao seu Mestre. 'Aproxime-se de mim e eu me aproximarei de você - esta é uma promessa de tremendo valor espiritual. Se abrirmos nossos corações para o Senhor no espírito de fé e entrega amorosa, Ele tomará plena posse de nossas almas e as tomará como suas.

(Excertos da obra 'The Practice of the Presence of God', de Fr. Kilian Lynch)

sexta-feira, 29 de março de 2019

COMPÊNDIO DE SÃO JOSÉ (VIII)


36. Por que Jesus nasceu em Belém e não em Nazaré onde viviam José e Maria? 

O Evangelista explica o nascimento de Jesus em Belém em função do recenseamento publicado pelo Imperador César Augusto e realizado quando Quirino era governador da Síria, quando todos deviam registrar-se cada um em sua cidade natal. Como José era da família e descendência de Davi, foi de Nazaré até à cidade de Davi, chamada Belém, na Judeia e, junto com ele, foi também Maria, sua esposa, que estava grávida e, neste ínterim, nasceu Jesus em Belém (Lc 2,1-7). Esta obrigação do cumprimento da ordem da autoridade do Imperador veio ocasionar a descendência davídica de Jesus, conforme os profetas haviam indicado (Mq 5,1). Era de Belém, na Judeia, que sairia o Messias (Mt 2,5). Foi através de José, 'Filho de Davi' (Mt 1,20), que a genealogia davídica foi transmitida a Jesus, com isso ele de fato foi tido e considerado como sendo da descendência de Davi.

37. Lucas relata que, passados oito dias, o Menino foi circuncidado e deram-lhe um nome. Qual era a natureza e o significado desse rito?

Antes de tudo é necessário explicar o significado deste rito, o qual era uma exigência da legislação sacerdotal, e pelo qual a criança passava a fazer parte oficialmente do povo da aliança. Por isso esse rito era importante para as famílias judaicas e era celebrado com uma certa solenidade, geralmente em casa. Era, desta forma, um rito que simbolizava para os hebreus a aliança com Deus e a santidade de Israel dentre as nações e, portanto, era um sinal de pacto do povo com Javé. Com a circuncisão, Jesus cumpria também a lei (Lc 2, 22-24,7) e, naturalmente como era tradição, um dos primeiros deveres do pai era aquele de circuncidar o filho; mesmo que a mãe pudesse cumprir este rito, foi José quem o cumpriu (Ex 4,25). Geralmente este rito tinha um certo número de participantes e a tradição talmúdica fixava dez testemunhas. José, sabedor de que esta era sua obrigação, tornou-se o 'ministro da circuncisão' do Menino e, ao realizá-lo, proferiu estas palavras: 'Bendito seja o Senhor, nosso Deus, que nos santificou com os seus preceitos e nos permitiu introduzir o nosso filho na aliança de Abraão, nosso Pai'.

38. Quem deu o nome de Jesus ao menino? 

O Anjo do Senhor determinou que José cumprisse esta missão paterna: 'Tu o chamarás Jesus… (Mt 1,21). Dar o nome implicava a autoridade sobre o filho. Com este exercício de sua paternidade, José passava a ser o representante do Pai Celestial e a exercer todas as funções e direitos de pai sobre Jesus. O Papa Pio XII soube muito bem colher esta função de José em relação a Jesus quando afirmou que ele teve para com Jesus 'por um especial dom celeste, todo o amor natural, toda a solicitude afetuosa que um coração de pai pode conhecer'.

39. Qual foi a participação de José na apresentação de Jesus ao Templo? 

Novamente aqui os pais de Jesus cumprem a lei, a qual estabelecia que todo primogênito devia ser consagrado a Deus (Ex 13,1-25). José teve uma função importante neste rito, visto que um dos deveres do pai era o resgate do filho perante Deus, mediante uma oferta de cinco ciclos de prata à caixa do Templo. Com isso José, no exercício de sua paternidade, que o constitui ofertante do primogênito Jesus, agiu verdadeiramente como 'ministro da salvação'. 

40. Qual é o significado da fuga da Sagrada Família para o Egito? 

A descrição deste episódio é um particular que devemos à pena de Mateus (Mt 1,13-22). O evangelista mostra, neste relato, José no exercício de seus direitos e funções de chefe da Sagrada Família. É a ele que o Anjo aparece e lhe fala, comunicando-lhe a destinação. Recebida a ordem de Deus, José põe-se a executá-la imediatamente. Mateus viu neste acontecimento da fuga e volta do Egito da Sagrada Família o cumprimento da verdadeira libertação, prefigurada no antigo Êxodo e compreendida na profecia de Oseias (Os 11,1): 'Do Egito chamei o meu Filho' (Mt 2,15). Jesus é considerado por Mateus o verdadeiro Moisés que conduz o seu povo para a libertação definitiva. 'Como Israel', diz João Paulo II, 'tinha tomado o caminho do êxodo de sua condição de escravidão, para iniciar a antiga aliança, assim também José, depositário e cooperador do mistério providencial de Deus, cuidou também no exílio dAquele que realiza a Nova Aliança'. José, salvando da morte a vida ameaçada do Menino Jesus, tornou-se o 'ministro da salvação', pois toda a salvação foi colocada, naquele momento difícil, nas suas mãos. Neste acontecimento, tornou-se clara toda a debilidade da carne que o Filho de Deus assumiu ao encarnar-se e que se exprime na renúncia às intervenções miraculosas, para se confiar totalmente nas mãos de José.

('100 Questões sobre a Teologia de São José', do Pe. José Antonio Bertolin, adaptado)

quinta-feira, 28 de março de 2019

PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE A QUARESMA

Quais são as razões para se velar os altares das igrejas durante o Tempo da Quaresma? 

O costume de se cobrir as imagens e crucifixos dos altares das igrejas, durante o período quaresmal, com véus roxos (o chamado velatio), tem essencialmente duas razões principais:

(i) sinal de antecipação do luto da Igreja pelos eventos da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, em memória do recolhimento e do isolamento do Senhor no Horto das Oliveiras;

(ii) centralização da devoção cristã nos eventos do Mistério Pascal de Cristo, em relação a quaisquer outros anelos de devoção aos santos ou mesmo a Nossa Senhora.

As cruzes devem permanecer veladas até ao término da celebração da Paixão do Senhor na Sexta-feira Santa, e as imagens até o início da Vigília Pascal.

Quais orações da Missa devem ser omitidas durante o Tempo da Quaresma? 

Nas missas do Tempo Quaresmal, não são pronunciadas nem o Glória e nem o Canto de Aleluia. O primeiro pode e deve ser enunciado por ocasião de uma festa ou solenidade particular inserida no Tempo Pascal (por exemplo, como acontece com a Festa de São José, em 19 de março). Nos dias de Quaresma, nunca é enunciado, nem mesmo no Quarto Domingo da Quaresma (Domingo Lautere ou da Alegria). O Canto de Aleluia não deve ser enunciado em tempo algum durante o período pascal.

Quais são os eventos da Igreja, durante o Tempo da Quaresma, que aprofundam ainda mais a memória da Paixão do Senhor?

À medida que avança o tempo pascal, a Igreja como que submerge com o sofrimento, paixão e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. É como se a Igreja morresse junto com Cristo. Assim, depois do luto e velamento dos altares, a renúncia aos cantos de louvor, em meio a mortificações, jejum e penitências, a submersão aos mistérios da paixão torna-se ainda mais e mais profunda. Depois da Missa da Quinta-Feira Santa, o próprio Santíssimo é removido do altar principal que se desnuda. Os sinos são substituídos pelas matracas de madeira. Na Sexta-Feira Santa, não há nem Missa e, no início da Vigília Pascal, abre-se mão até de luz! Esta extraordinária sequência de eventos é memória viva de como o Cristo se esvaziou completamente de sua glória para nos remir e salvar dos nossos pecados.

Como devemos viver a Quaresma segundo o espírito da Igreja? 

(i) praticar correntemente o jejum e mortificar-nos não só nas coisas ilícitas, mas também em coisas lícitas, num sentido de proposição de penitências pessoais;
(ii) intensificar os momentos de oração e de todas as práticas de caridade cristã para com o próximo;
(iii) ouvir com profunda devoção a Palavra de Deus, com o firme propósito de praticá-la na nossa vida diária;
(iv) preparar-nos com grande zelo para a recepção dos sacramentos da confissão e da comunhão pascal 

quarta-feira, 27 de março de 2019

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

Cristo nos pede duas coisas: que condenemos os nossos pecados e perdoemos os pecados dos outros; e que façamos a primeira por causa da segunda, que nos será então mais fácil, pois aquele que pensa sobre os seus pecados será menos severo para com os seus companheiros de miséria. E que não perdoemos apenas com a boca, mas do fundo do coração, para não voltarmos contra nós próprios o ferro com que pensamos trespassar os outros. Que mal pode fazer-te o teu inimigo, em comparação com o que podes fazer a ti próprio com o teu azedume? 

Considera pois quantas vantagens retiras duma ofensa acolhida com humildade e mansidão. Desse modo, em primeiro lugar — e é o mais importante — mereces o perdão dos teus pecados. Seguidamente, exercitas a paciência e a coragem. Em terceiro lugar adquires a mansidão e a caridade, pois aquele que é incapaz de se zangar com os que lhe fizeram mal será ainda mais caridoso com os que o amam. Em quarto lugar, arrancas totalmente a cólera do teu coração, o que é um bem incomparável; evidentemente, aquele que liberta a sua alma da cólera também se desembaraça da tristeza: não desperdiçará a sua vida em tristezas e vãs inquietações. É que nós punimo-nos a nós próprios quando odiamos os outros; só fazemos bem a nós próprios quando os amamos. 

(São João Crisóstomo)

terça-feira, 26 de março de 2019

FOTO DA SEMANA

'De todo o coração eu vos procuro; não permitais que eu me aparte de vossos mandamentos' (Sl 118, 10)

segunda-feira, 25 de março de 2019

50 JACULATÓRIAS DA ALMA PENITENTE (V)


41. Sei que hei de aparecer em vosso tribunal; sei que hei de dar-vos estreita conta de toda a minha vida. Não me atrevo, Senhor, a suportar vossos olhos irados. Ordenai agora minha vida, de modo que não me desmereça então vê-los benignos.

42. Aqui vos mostro, Senhor, todas as minhas chagas. Vede como são muitas, como são profundas, como são envelhecidas? Ó médico Divino, sarai as minhas chagas com as vossas, pois, para os filhos de Adão estarem sãos, quis as chagas o Filho de Deus.

43. Não te desalentes, minha alma , com a enormidade e a multidão dos teus pecados. Espera sempre em Deus até à noite cerrada da tua morte, porque em Deus há infinita misericórdia e redenção copiosa.

44. Ajudai-me, meu Deus Salvador; livrai-me por amor da glória do vosso nome. Não vos lembreis de minhas maldades; submergi-as no mar de vossa bondade imensa.

45. Olha, minha alma, olha para teu Deus posto por ti em uma Cruz, eis ali o que perdoa e apaga os teus pecados. Vê quanto padeceu por te salvar; vê com que fina caridade te ama. Guarda-te de jamais tornar a ofendê-lo.

46. A vós, Senhor, que sois dulcíssimo Esposo de minha alma, desprezei-vos; ao demônio, que é adúltero, fiz-lhe a vontade. Tomara morrer de sentimento de tão feia desordem. Tomara chorar de dia e de noite tão execranda maldade.

47. Que tenho eu com o mundo que passa como figura? Que tenho eu com a carne que murcha como flor? Que tenho com as coisas transitórias que tudo é engano, perigo, trabalho, vaidade? Eia, eia, salvemos a alma no madeiro da Cruz, fazendo penitência.

48. Ó momento do qual pende a eternidade! Só quem te não considera te não teme. Abri-me, Senhor, os olhos da alma, não me suceda adormecer na letargia da morte eterna.

49. Senhor, aqui venho fugindo de meus inimigos: abri-me as portas de vossa misericórdia. Recolhei o vosso fugitivo, meu Deus; recolhei-me depressa, que meus inimigos me vêm ao alcance.

50. Dulcíssimo Jesus: o vosso soberano nome quer dizer Salvador; obrai em mim conforme vosso nome e salvai-me.

[Excertos da obra 'Luz e Calor', do Pe. Manuel Bernardes (1644 - 1710)]

domingo, 24 de março de 2019

A FIGUEIRA ESTÉRIL

Páginas do Evangelho - Terceiro Domingo da Quaresma


Neste Terceiro Domingo da Quaresma, o Evangelho nos exorta a viver contínua e decididamente o caminho da plena conversão. E a busca da conversão exige de nós o afastamento incondicional do pecado e a via da santificação plena, como receptáculos abertos a toda a graça de Deus. Entre a retidão de nossos propósitos e a misericórdia do Pai, encontra-se o nosso lugar no portal da eternidade.

E Jesus nos fala primeiro que a grande tragédia humana é o pecado: 'Vós pensais que esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros galileus, por terem sofrido tal coisa?' (Lc 13,2). Jesus falava dos galileus que tinham sido assassinados no templo por ocasião da Páscoa, a mando de Pilatos. Ele mesmo responderia que não, da mesma forma que não eram mais pecadores as 18 pobres vítimas da queda da torre de Siloé. A justiça divina não é amalgamada pelo castigo em si, mas pela resistência persistente e obstinada aos tesouros da graça. Não são desgraçados os que morrem em tragédias humanas, são miseráveis os que perdem a alma e a vida eterna consumidos na tragédia pessoal de apenas querer ganhar o mundo. 'Se não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo' (Lc 13, 5).

Jesus ratifica estes ensinamentos com a parábola da figueira estéril, que não produz bons frutos, ano após ano, símbolo da alma fechada a todas as graças recebidas. Mas o Senhor busca incessantemente a volta da ovelha desgarrada e a espera e a consome de favores e bênçãos, porque o 'Senhor é indulgente, é favorável, é paciente, é bondoso e compassivo' (Sl 102). É como o vinhateiro que nunca descuida da planta bruta, cultiva o solo, dispõe o adubo, rega a terra, acompanha ciosa e pacientemente os seus primeiros frutos. No nosso caminho de vida espiritual, o vinhateiro é o próprio Cristo, é Nossa Senhora, é a Santa Igreja, são os santos intercessores, é o nosso próprio Anjo da Guarda. Um derramamento abundante de graças à espera de nosso arrependimento sincero, de nossa dor ao pecado, de nossa conversão definitiva.

Mas o Evangelho termina também com uma determinação explícita: 'Se (a figueira) não der (fruto), então tu a cortarás’ (Lc 13,9). Assim, uma vez desprezados todos os limites da graça e tornados vãos todos os esforços do vinhateiro, a figueira torna-se inútil e a tragédia humana se consome na perda eterna das almas criadas para a glória de Deus.

sábado, 23 de março de 2019

ORAÇÃO: Ó ALTÍSSIMO E GLORIOSO DEUS...



Ó ALTÍSSIMO E GLORIOSO DEUS...

(para ser rezada diante um Crucifixo)

Ó Altíssimo e glorioso Deus,
iluminai as trevas
do meu coração.

Dai-me uma fé reta,
uma esperança certa
uma caridade perfeita
e uma humildade profunda.

Dai-me, Senhor,
sabedoria e discernimento
para cumprir a Vossa verdadeira
e santa vontade.
Amém.
(São Francisco de Assis)

Alto e Glorioso Dio...

(versão cantada em italiano)

Alto e glorioso Dio illumina il cuore mio, dammi fede retta, speranza certa, carità perfetta. 

Dammi umiltà profonda, dammi senno e cognoscimento, che io possa sempre servire con gioia i tuoi comandamenti. 

Rapisca ti prego Signore, l’ardente e dolce forza del tuo amore la mente mia da tutte le cose, perchè io muoia per amor tuo, come tu moristi per amor dell’amor mio. 

Alto e glorioso Dio illumina il cuore mio, dammi fede retta, speranza certa, carità perfetta. 

Dammi umiltà profonda, dammi senno e cognoscimento, che io possa sempre servire con gioia i tuoi comandamenti.

************

Altíssimo e glorioso Deus, ilumina o meu coração, dá-me uma fé reta, esperança certa, caridade perfeita.

Dá-me uma humildade profunda, dá-me sabedoria e discernimento, para que possa cumprir com alegria todos os teus mandamentos.

A ti rogo, Senhor, resguardar a força doce e ardente do teu amor, sobre todas as coisas do meu pensamento, para que morra por teu amor, como morrestes por amor do meu amor.

Altíssimo e glorioso Deus, ilumina o meu coração, dá-me uma fé reta, esperança certa, caridade perfeita.

Dá-me uma humildade profunda, dá-me sabedoria e discernimento, para que possa cumprir com alegria todos os teus mandamentos.

DA CONTRIÇÃO PERFEITA

Dois homens, suponhamos Pedro e Paulo, cometem um pecado mortal qualquer. Cometido o pecado, caem em si. Pedro diz: 'Cometi um pecado mortal, mas já estou arrependido de ter praticado um ato indigno, tão feio, e merecedor de castigo. Tenho medo do inferno. Meu Deus, perdoai, não quero perder minha alma!'.

Pedro tem a contrição imperfeita porque se arrepende por causa da fealdade do pecado e medo do inferno. Se com essa contrição receber a absolvição, morrendo, salva-se; mas sem absolvição, só com a contrição imperfeita, não se salva.

Paulo diz também: 'Pequei mortalmente; estou arrependido porque o pecado é coisa abominável, porque por ele perdi o direito ao céu e mereci o inferno; mas o que me dói mais é de vos ter ofendido a vós, meu Deus, que sois a perfeição infinita, digno de todo o amor e de ter sido, por meu pecado, a causa dos atrozes sofrimentos de Jesus em sua Paixão e Morte. Perdoai, meu Deus, meu Pai'.

Paulo tem a contrição perfeita porque se arrepende não só por causa da fealdade do pecado e medo do castigo, mas por amor de Deus. Se morrer, mesmo sem confissão, mas com desejo de se confessar, caso seja possível, salva-se.

Pedro detesta o pecado por ser um mal seu, ao passo que Paulo o detesta por ser um mal a Deus. Eis em poucas palavras um ato de contrição perfeita: 'Meu Deus, tenho um extremo pesar de vos ter ofendido, porque sois infinitamente bom e amável e porque o pecado vos desagrada'.

(Excertos da obra 'O pequeno Missionário', dos Missionários da Congregação da Missão, 1958)

sexta-feira, 22 de março de 2019

50 JACULATÓRIAS DA ALMA PENITENTE (III - IV)


21. Lembrai-vos, Senhor, que sou obra de vossas mãos; lembrai-vos que vos custei muito na Cruz. Não entregueis às bestas infernais as almas que Vos confessam.

22. Não me dirás, alma minha, que males te fez teu Deus, para que assim o ofendesses? Acaso foi crime o morrer por ti de amor em uma Cruz? Porventura te agravou em querer salvar-te, e dar-te o Reino de sua Glória? Que razão posso dar, Senhor, do pecado, que é a mesma sem-razão? Tende misericórdia.

23. Paz, Senhor; paz para sempre; fiz mal, assim o confesso diante do Céu e da Terra. Não o farei mais; perdoai-me por quem sois.

24. Vaidade das vaidades, tudo é vaidade. Que me pode render o amor do mundo e todas as suas coisas, senão deleite falso que em um momento passa? Tormento verdadeiro, que em uma eternidade não passa?

25. Que fará um desgraçado a quem a morte colheu em pecado mortal e o sepultou nas profundezas? Ó que gemidos! Que ânsias! Que remorsos! Que desesperações! Que incêndios! Tu não puderas já ser este? Quanto devo, Senhor, à vossa paciência! Bendito sejais eternamente.

26. Não dissestes, Vós, Senhor, que havia grande festa e alegria no Céu quando algum pecador se convertia? Então, amorosíssimo Jesus, fazei com Vossa graça que seja eu o assunto desta alegria e festa.

27. Eis-me, aqui Senhor, que sou o filho pródigo, que dissipei a substância de vossa graça, e andei na região remota de vossa presença, apascentando os animais imundos de meus apetites; já torno para a Vossa graça, lançai-me os braços da Vossa caridade.

28. Ó lave-me esse precioso Sangue que, com tanto amor, derramastes pelos pecadores! Lave-me todo com um perfeito batismo e ficarei mais alvo que a neve.

29. Senhor Deus: aqui nesta vida me castigai e aqui me abrasai, contanto que me perdoeis eternamente. Não queirais, Senhor, entesourar contra mim vossa ira; não me guardeis para a outra vida a satisfação de Vossa justiça.

30. Ó horas preciosas dadas para servir e amar a Deus e empregadas em ofendê-lo! Quem nunca houvera nascido para tanto mal! Ou quem de novo tornara a nascer, para assim o emendar!

[Excertos da obra 'Luz e Calor', do Pe. Manuel Bernardes (1644 - 1710)]



31. Ó que cego andava eu, Senhor, pois estava sem vós, e vós sois Luz! Ó como ia errado pois estava fora de vós, e vós sois Caminho! Ó como procedia nesciamente, pois estava sem vós, e vós sois Sabedoria! Ó como estava morto, pois estava sem vós, e vós sois vida!

32. Nada sou, nada valho, nada posso senão ofender-vos, e precipitar-me no inferno. Esta mesma verdade que agora conheço, se afastares vossa luz, me ficará oculta; e sobre tantas misérias minhas se acrescentará outra, de as não conhecer.

33. Ó minha alma, em que te ocupas, em que te enredas? O teu Jesus coroado de espinhos e tu em flores? Ele suando sangue e tu buscando refrigérios? Ele farto de opróbrios e tu faminta de honras? Ó confusão! Mudemos de vida; tomemos a Cruz e sigamos os passos de Cristo.

34. De quantos bens me destes, Senhor, usei mal, e em ofensa vossa. Se me fizésseis Anjo, creio que já também fora demônio. Ó quem tivera digno sentimento de tão enormes excessos, verdadeira dor de pecados tão graves!

35. O ofício que tomei, Senhor, foi o de pecar; e neste me exercitei com toda a diligência, estudando muito de propósito na maldade. Ó que bem concordava isto com o fim para que vós me criastes, que é amar-vos, e gozar-vos eternamente! Só vós, que sois infinito em bondade, podereis sofrer tanto.

36. Onde me esconderei, Senhor, até que passe a vossa ira? Fugirei de vós para vós mesmo; de vós, reto Juiz, para vós, Pai clementíssimo. Em vossas chagas me recolho, que este é o sagrado que vale aos que vão fugindo à vossa justiça.

37. Ó quanta foi até agora minha negligência e descuido! O tempo que me concedestes para a penitência, desperdicei-o; os auxílios de vossa graça, rejeitei-os; às vozes com que me chamáveis me fiz surdo. E agora, Senhor, que hei de fazer? Pesa-me de haver pecado; tende misericórdia de mim, misericórdia.

38. Que dormisse eu tão seguro sobre a vossa ofensa, pendurado do fio da vida sobre a boca do inferno! Grande temeridade a minha! Senhor, dai-me entendimento e viverei amando-vos e servindo-vos.

39. Ó se eu já desprezasse o mundo como ele merece! Ai se metera debaixo dos pés todas as coisas terrenas e somente fizera estimação das coisas eternas!

40. Afastai, Senhor, vosso rosto de meus pecados; e apagai e extingui todas as minhas iniquidades. Criai em mim um coração novo e renovai o espírito reto em minhas entranhas.

[Excertos da obra 'Luz e Calor', do Pe. Manuel Bernardes (1644 - 1710)]

quinta-feira, 21 de março de 2019

O ESPÍRITO DA CRUZ

Vou falar-vos de uma coisa da qual nunca falei, nem aqui, nem algures. E essa coisa desejo-a a todos; sei bem que o meu desejo não chegará a todos. Vou falar-vos do espírito da Cruz. Quando o Bom Deus cria um corpo humano, dá-lhe uma alma, é um espírito humano; quando o Bom Deus dá a uma alma a graça do batismo, ela tem o espírito cristão.

O espírito da Cruz é uma graça de Deus. Há a graça que faz apóstolos, e assim por diante. O que é o espírito da Cruz? O espírito da Cruz é uma participação do próprio espírito de Nosso Senhor levando a sua Cruz, pregado à Cruz, morrendo na Cruz. Nosso Senhor amava a sua Cruz, desejava-a. Que pensava Ele levando a sua Cruz, morrendo na Cruz? Há aí grandes mistérios: quando se tem o espírito da Cruz, entra-se na inteligência destes mistérios. Existem poucos cristãos com o espírito da Cruz; estes vêm as coisas de modo diferente do comum dos homens.

O espírito da Cruz ensina a paciência; ensina a amar o sofrimento, a fazer sacrifícios. Quando se tem o espírito da Cruz, é-se paciente, ama-se o sofrimento, fazem-se generosamente os sacrifícios que o Bom Deus nos pede. Quer-se a vontade de Deus, e ama-se; acha-se bom o que nos pede.

Os santos queixavam-se muito a Deus que Ele não lhes dava bastante sofrimento; desejavam sofrer. Por que? Porque no sofrimento se pareciam mais com Nosso Senhor. Na vida de Santa Isabel da Hungria, é dito que, depois de a terem despojado de todos os seus bens, ainda a expulsaram de casa: quando viu que nada mais possuía, foi aos Frades Menores mandar cantar um Te Deum para agradecer a Deus por lhe ter tirado tudo. Ela tinha o espírito da Cruz.

A Imitação diz alguma coisa do que faz o espírito da Cruz: ama mais ter menos do que mais, ama mais estar em baixo do que em cima. Ama ser desprezado. É isto o espírito da Cruz; é muito raro. Não o tendes muito, o espírito da Cruz. Posso bem vos dizer isso, pois há muito tempo vos conheço, desde que estou convosco. Tende-o hoje menos do que o tivestes outrora.

Logo que tendes algum sofrimento, depressa dizeis: 'Meu Deus, livrai-me disso, livrai-me daquilo'; fazeis novenas para vos libertardes. É preciso amar um pouco mais o sofrimento e não pedir tão depressa para se ver livre dele. Se tivésseis o espírito da Cruz, veríamos muitas coisas que não vemos; e há as que vemos, que talvez não víssemos. É preciso ter um pouco mais do espírito da Cruz; é preciso pedi-lo. Tratemos de amar a Cruz, de amar a vontade de Deus.

(Pe. Emmanuel-André)

quarta-feira, 20 de março de 2019

COMPÊNDIO DE SÃO JOSÉ (VII)


31. Aceitando a Virgindade de Maria e de José, podemos afirmar que este matrimônio foi verdadeiro? 

José é verdadeiro esposo de Maria sem ter ocorrido entre eles o relacionamento sexual, mas em virtude da união conjugal. Mateus afirma que José é esposo de Maria (Mt 1,16). Assim explicita-se que, também guardando a continência, permanece o matrimônio, o qual pode ser considerado como tal não pelo motivo da união sexual dos corpos, mas do perseverante afeto da mente. Santo Agostinho afirma que, no matrimônio de José e Maria, estão presentes todos os requisitos de um verdadeiro matrimônio, ou seja: a prole, que é o próprio Jesus, a fidelidade, porque não houve nenhum adultério e o sacramento, porque não houve divórcio (o divórcio segundo a lei mosaica dissolvia o matrimônio). 

32. Como afirmamos, portanto, que José é esposo de Maria? 

Os evangelistas (Lc 2,4-5; Mt 1,16) descrevem claramente José como esposo de Maria e, portanto, o matrimônio entre ambos foi realizado. O evangelista afirma que José tomou a sua esposa e a conduziu para a sua casa e lá viveram com a presença do próprio Jesus. 

33. Como José e Maria viveram o vínculo matrimonial? 

O matrimônio de Maria com José foi destinado por Deus para acolher e educar Jesus e, por isso, exigia a máxima expressão da união conjugal, ou seja, o dom total e completo de um para com o outro. Entre ambos existiu, como afirmou Bernardino de Bustis: 'Um amor indivisível e santíssimo; de fato, depois de Cristo seu Filho, a Virgem puríssima não amou nenhuma outra criatura assim tanto como José e, da mesma forma, José amou Maria acima de qualquer outra criatura'. Portanto, José como esposo viveu uma profunda experiência de comunhão intimamente ligado a Maria, conviveu com ela, partilhou com ela a sua vida e amou-a com um amor intenso e, da mesma forma, foi Maria para com ele, tendo um sentimento natural de esposa, cultivando em seu coração sentimentos e afetos que eram destinados exclusivamente a José. 

 34. O que dizem os evangelhos apócrifos sobre José? 

Os evangelhos apócrifos são escritos datados dos últimos séculos antes de Cristo até os primeiros séculos da era cristã e não são reconhecidos como inspirados por Deus, pois não passam de ficções acompanhadas por fantasias e lendas pueris. Apesar disso, estes textos exerceram uma grande influência na pregação e devoção popular, assim como nas expressões artísticas. Graças a isso, José recebeu algumas conotações que não condizem com sua pessoa. Na primeira delas, já salientamos, José ficou por muitos séculos apresentado, sobretudo pela arte ficcional, como  um velho de barba branca quando se casou com Maria. Outra fantasia destes textos é que José, antes de casar-se com Maria, já tinha se casado, aos 40 anos, com uma mulher chamada Melca, com quem viveu 49 anos e teve quatro filhos, ficando viúvo aos 89 anos. 

Outra fantasiosa lenda sobre o seu casamento com Maria relata que havia muitos pretendentes para casar-se com ela e, diante disso, o sumo sacerdote teria deixado a decisão da escolha do marido de Maria a Deus, colocando num lugar santo um ramo com o nome de cada pretendente, e milagrosamente o ramo de José floresceu e assim ele foi o escolhido. Por isso São José frequentemente foi representado pela arte com um ramo florido na mão, para simbolizar a sua divina eleição. Encontramo-lo também representado com um lírio na mão para simbolizar sua pureza. 

35. Como explicar o que alguns afirmam que José teve filhos com Maria? 

Já afirmamos que tanto José como Maria eram virgens, portanto célibes no matrimônio, ou seja, jamais tiveram relações sexuais e isso, de maneira alguma, atrapalhou o relacionamento intenso de amor deles dentro do matrimônio. Ambos por vontade comum emitiram o voto de virgindade. O evangelista Lucas (Lc 8,19-20) relata: 'A mãe e os irmãos de Jesus se aproximaram, mas não podiam chegar perto dele por causa da multidão. Então anunciaram a Jesus: Tua mãe e teus irmãos estão aí fora, e querem te ver'. Na verdade, Lucas não está afirmando que estes 'irmãos de Jesus' foram concebidos por Maria, pois a palavra 'irmão' revestia-se de significado de parentesco e indicava laços de afeto. Portanto biblicamente não há nenhum fundamento para afirmar que Maria teve outros filhos com José, mesmo porque a palavra 'irmão' deve ser entendida no sentido de 'parente'. Por outro lado, é verdade que os apócrifos com o objetivo de salvaguardar a virgindade de Maria resolveram o problema dos 'irmãos de Jesus' atribuindo a José um precedente matrimônio, donde depois teria esposado Maria já viúvo e com estes filhos do seu primeiro casamento; porém, como já explicamos, nada disso tem fundamento. 

Ainda Mateus (Mt 1,15) afirma: 'José fez conforme o Anjo lhe ordenara e tomou consigo a sua esposa, a qual, sem que ele a conhecesse, deu à luz um filho que se chamou Jesus'. Diante desta afirmação, alguns quiseram deduzir que José teve relações sexuais com Maria depois do parto, já que o verbo 'conhecer' na bíblia significa união sexual, referindo-se ao matrimônio. Porém teólogos de grande quilate argumentam que a afirmação 'sem que ele a conhecesse' não indica que José teve relações sexuais com Maria depois do nascimento de Jesus, mas simplesmente que a Virgem permaneceu intacta. Nem mesmo a afirmação de Lucas (Lc 2,7): 'Maria deu à luz ao seu filho primogênito' explica nada, pois a palavra 'primogênito' significa simplesmente o 'primeiro filho' e não ao 'primeiro entre outros'. Ou seja, indica aquele que nasceu primeiro de sua mãe, tenha esta tido ou não outros filhos depois.

('100 Questões sobre a Teologia de São José', do Pe. José Antonio Bertolin, adaptado)

terça-feira, 19 de março de 2019

19 DE MARÇO - SÃO JOSÉ


São José, esposo puríssimo de Maria Santíssima e pai adotivo de Jesus Cristo, era de origem nobre e sua genealogia remonta a Davi e de Davi aos Patriarcas do Antigo Testa­mento. Pouquíssimo sabemos da vida de José, além de suas atividades de carpinteiro em Nazaré. Mesmo o seu local de nascimento é ignorado: poderia ser Nazaré ou mesmo Belém, por ter sido a cidade de Davi. Ignora-se igualmente a data e as condições da morte de São José, mas existem fortes razões para afirmar que isso deve ter ocorrido an­tes da vida pública de Jesus. Com certeza, José já teria falecido quando da morte de Jesus, uma vez que não se explicaria, então, a recomendação feita aos cuidados mútuos à mãe e ao filho, dados, da cruz,  por Jesus a Maria e a São João Evangelista.

Não existem quaisquer relíquias de São José e se desconhece o local do seu sepultamento. Muitos pais da Igreja defendiam que, devido à sua missão e santidade, São José, a exemplo de São João Batista, teria sido consagrado antes do nasci­mento e já gozava de corpo e alma da glória de Deus no céu, em companhia de Jesus e sua santíssima Esposa. As virtudes e as graças concedidas a São José foram extraordinárias, pela enorme missão a ele confiada pelo Altíssimo. A dig­nidade, humildade, modéstia e pobreza, a amizade íntima com Je­sus e Maria e o papel proeminente no plano da Redenção, são atributos e méritos extraordinários que lhe garantem a influência e o poder junto ao tro­no de Deus. Pedir, portanto, a intercessão de São José, é garantia de ser ouvido no mais alto dos céus. Santa Tereza, ardorosa devota de São José, dizia: 'Não me lembro de ter-me dirigido a São José sem que tivesse obtido tudo que pedira'.

A devoção a São José na Igreja Ca­tólica é antiquíssima. A Igreja do Oriente celebra-lhe a festa, desde o século nono, no domingo depois do Natal. Foram os carmelitas que in­troduziram esta solenidade na Igreja Ocidental; os franciscanos, já em 1399, festejavam a comemoração do Santo Pa­triarca. Xisto IV inseriu-a no bre­viário e no missal; Gregório XV ge­neralizou-a em toda a Igreja. Cle­mente XI compôs o ofício, com os hinos, para a celebração da Festa de São José em 19 de março e colocou as missões na China sob a proteção do Santo. Pio IX introdu­ziu, em 1847, a festa do Patrocínio de São José e, em 1871, declarou-o Pa­droeiro da Igreja; muitos pontífices promoveram solenemente a devoção a São José, por meio de orações, homilias, encíclicas e devoções diversas.

POEMAS PARA REZAR (XXXII)


OLHE PARA A CRUZ DE CRISTO


Quando você perder a esperança,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando a paz for alguma coisa muito distante,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando tudo parecer não ter sentido,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando a amargura for sua ditosa companhia,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando a tristeza vier morar à sua porta,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando você não mais poder contar estrelas,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando a solidão entorpecer os seus sonhos e desejos,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando a noite encobrir de trevas o seu caminho,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando a dor espantar o seu sorriso,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando a vida parecer causa perdida,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando você não puder mais abraçar seu filho,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando seu corpo for a prisão de uma alma atormentada,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando a alegria se tornar sombra desvanecida,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando o horizonte parecer apenas um lugar distante,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando a mão que afagava se transformar em açoite,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando o sofrimento o fizer ansiar fugir da vida,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando a sua casa for insuportável exílio,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando você tiver prostrado ao chão em agonia,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando o pecado esmagar sua consciência nua,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando o pranto for seu derradeiro amigo,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando a oração parecer não ter respostas,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando o mundo engolir todos os seus sonhos,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando a felicidade for apenas uma lembrança inútil,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando ninguém mais puder ouvir o seu sussurro,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando você tornar-se apenas um espectro de homem, 
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando o tempo vier buscar o seu olhar perdido,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando o nada for seu último refúgio,
Olhe para a Cruz de Cristo.

Quando lhe restar apenas o último suspiro,
Olhe para a Cruz de Cristo. 
E peça a Ele, em seu último suspiro,
para ser para sempre outro Cristo.

(Arcos de Pilares)

segunda-feira, 18 de março de 2019

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XXVII)

XXV

PECADOS QUE SE COMETEM ENGANANDO O PRÓXIMO OU ABUSANDO DELE: A FRAUDE E A USURA

Qual é a última classe de pecados contra a justiça comutativa? 
Aqueles, mediante os quais, indevidamente, se obriga ao próximo o consentir naquilo que o prejudica (LXXVII, Prólogo)*. 

Que nome têm? 
Chamam-se fraude e usura (LXXVII; LXXVIII). 

Que entendeis por fraude? 
O ato, contrário à justiça, de enganar o próximo nos contratos de compra e venda, persuadindo-o a que aceite como bom o que não o é (LXXVII). 

Por quantos modos se comete o pecado de fraude? 
Comete-se, umas vezes, no preço, quer comprando por muito menos do que valem as coisas, quer vendendo por preços excessivos; outras, enganando nas qualidades e natureza da mercadoria, saiba disso ou não o vendedor; outras vezes comete-o o comerciante, ocultando os defeitos do gênero; comete-se, por último conforme o fim a que se destinam os lucros ou o propósito que sobre eles forme o negociante (LXXVII, 1-4). 

Nunca se pode comprar cientemente uma coisa por menos ou vendê-la por mais do que vale? 
Não, Senhor; porque o preço dos contratos de compra e venda deve corresponder ao valor real da mercadoria; pedir mais ou dar menos, é ato essencialmente injusto e impõe obrigação de restituir (Ibid). 

É contra a justiça vender uma coisa por outra? 
Sim, Senhor; porque é enganar na natureza ou espécie, quantidade e qualidades da mercadoria; é pecado, se se faz conscientemente e obriga à restituição. Mesmo no caso em que não tenha havido pecado, permanece a obrigação de ressarcir prejuízos ao vendedor ou ao comprador de boa fé, quando se descobre a fraude (LXVII, 2). 

Está o vendedor sempre obrigado a manifestar os defeitos da mercadoria? 
Quando são ocultos e podem acarretar danos e prejuízos, sim, Senhor (LXXVII, 3). 

É lícito a alguém dedicar-se ao negócio de compra e venda com o fim exclusivo de obter lucros e amontoar dinheiro? 
O negócio pelo negócio tem algo de brutal e agressivo, porque fomenta o afã desmedido do lucro, insaciável por natureza (LXXVII, 3). 

Que fins ou circunstâncias poderiam legitimá-lo? 
É necessário que não seja o lucro a finalidade do negócio, mas haja um fim mais honrado e moral, por exemplo, sustentar a família, socorrer os indigentes; dedicar-se-lhe tendo em vista a utilidade pública, para que não faltem no mercado os artigos de consumo necessário, ou ainda, querer o lucro como retribuição do trabalho empregado em sua aquisição (Ibid). 

Que entendeis por pecado de usura? 
O ato de injustiça, que consiste em aproveitar a indigência ou a situação crítica de um homem para emprestar-lhe dinheiro ou coisa de valor apreciável, porém destinada a cobrir as suas necessidades e sem outro uso que o consumo, obrigando-o a devolver-lho em data fixa, com mais uma quantia adicional a título de usura (LXXVIII, 1, 2, 3). 

O empréstimo com juro é o mesmo que usura? 
Não, Senhor; porque, se bem que toda usura é empréstimo com juros, nem todo empréstimo com juros é usura. 

Em que se distinguem? 
Em que, no empréstimo com juros, se considera o dinheiro como coisa produtiva, dadas as condições sociais e econômicas em que hoje se desenrola a vida. 

E que condições deve reunir o empréstimo com juros para não degenerar em usura? 
Duas: 1.ª que a taxa de juros não exceda à legal ou a usada entre pessoas de boa consciência; 2.ª que os ricos, que possuem bens supérfluos, não sejam exigentes com os pobres, se estes pedem emprestado, não para negociar, mas para atender às necessidades mais imperiosas da vida. 

XXVI 

COMPONENTES DA VIRTUDE DA JUSTIÇA: PRATICAR O BEM E EVITAR O MAL — VÍCIOS OPOSTOS: A OMISSÃO OU TRANSGRESSÃO 

Podemos achar elementos constitutivos ou partes integrantes da virtude da justiça, conforme fizemos ao falar da prudência, prescindindo de suas diversas espécies? 
Sim, Senhor; e se condensam neste aforismo: pratica o bem e evita o mal (LXXIX, 1). 

Por que não se distinguem estes dois componentes nas outras virtudes morais? 
Porque, na fortaleza e temperança, não fazer mal se identifica com a prática do bem; mas na virtude da justiça, fazer o bem consiste em estabelecer a igualdade jurídica com o nosso próximo e evitar o mal, em abster-nos de tudo o que possa destruir aquela igualdade (Ibid). 

Como se chamam os pecados contra o primeiro componente? 
Pecados de comissão ou transgressão (LXXIX, 3). 

E os cometidos contra o segundo? 
Pecados de omissão (LXXIX, 2). 

Quais são mais graves? 
Por natureza, os de comissão, ainda que há omissões mais graves do que algumas transgressões. Assim, por exemplo, falta mais grave é injuriar a alguém do que deixar de demonstrar-lhe o devido respeito; porém, maior injúria comete quem falta ao respeito ou se nega a prestar o devido acatamento a um superior de elevada hierarquia, sobre tudo se o faz em público (pecado de omissão), do que quem desdenha ou ligeiramente mortifica a um homem de categoria ínfima (pecado de comissão) (LXXXIX, 4). 

XXVII 

DAS VIRTUDES ANEXAS À JUSTIÇA: RELIGIÃO, AMIZADE, LIBERALIDADE E EQUIDADE NATURAL 

Relacionam-se com a Justiça outras virtudes que sejam como que suas partes potenciais ou virtudes anexas?
Sim, Senhor (LXXX, 1). 

Em que se distinguem da Justiça propriamente dita? 
Em que a Justiça tem por objeto dar a outrem, sem cercear-lhe coisa alguma, quanto em direito se lhe deve, e estas outras virtudes, ainda que concordem com ela em terem por objeto os direitos de outrem, diferenciam-se em que ou versam sobre direitos ou ações que propriamente e conformemente à Justiça fundada em lei não se devem, nem são exigíveis perante os tribunais; ou, se bem que em rigor se devem, nunca podem satisfazer-se ou cumprir-se inteira e cabalmente (Ibid). 

Quantas e quais são as virtudes deste modo subordinadas à Justiça?
As nove seguintes: religião, piedade, observância, gratidão, vindicta, verdade, amizade, liberdade e equidade natural (Ibid). 

Podereis dar razão desta divisão? 
Sim, Senhor; as oito primeiras referem-se à justiça particular e a nona à geral ou legal. Entre as primeiras há três, a religião, a piedade e a observância, que têm de comum com a justiça regular estritos e imperiosos deveres, porém se diferenciam dela em que são deveres em cujo cumprimento nunca se enche a medida do correspondente direito; a religião abrange todos os deveres para com Deus, a piedade para com os pais e a pátria, e a observância para com os virtuosos e os constituídos em dignidade. Também não se identificam com a justiça as cinco últimas, porque as obrigações que elas impõem não são legais, nem exigíveis perante um tribunal de direito, mas simplesmente morais, sem outros limites ou condições que os prescritos pela consciência do homem virtuoso, ainda que sempre necessários para manter a ordem, facilidade e boa harmonia nas relações sociais; e ainda porque admitem dois graus: ou são absolutamente necessárias para a convivência humana, como a verdade, a gratidão e a vindicta, ou muito convenientes, como a amizade e a fidelidade (Ibid).

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)