segunda-feira, 5 de novembro de 2018

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XIX)


DA VIRTUDE DA ESPERANÇA — VÍCIOS OPOSTOS: PRESUNÇÃO E DESESPERAÇÃO — FÓRMULA DO ATO DE ESPERANÇA — QUEM ESTÁ OBRIGADO A FAZÊ-LO 

Qual é a segunda Virtude Teologal? 
A virtude da Esperança. 

Que entendeis por virtude da Esperança? 
A virtude teologal cujo efeito é mover a vontade para que, com o auxílio divino, se dirija e encaminhe para Deus, como objeto de nossa eterna felicidade, segundo no-lo mostra a fé (XVII, 1, 2)*. 

É possível ter esperança sem fé? 
Absolutamente impossível (XVII, 7). 

Por que? 
Porque é a fé quem propõe à esperança o seu objeto e os motivos em que há de apoiar-se (Ibid). 

Qual é o objeto da Esperança? 
Antes de tudo, Deus em si mesmo, como termo e objeto de sua própria felicidade, e enquanto, por um rasgo de infinita benevolência, quis ser também o objeto de nossa dita no céu (XVII, 1, 2). 

Há alguma outra coisa que possa ser objeto da Esperança? 
Sim Senhor; qualquer bem real, subordinado à consecução do objeto primário (XVII. 2 ad 2). 

Qual é o motivo ou razão em que se apóia a Esperança? 
Deus mesmo, considerado como auxiliar de nossa fraqueza, na conquista da felicidade (Ibid). 

Logo, o motivo da Esperança implica e supõe necessariamente ações virtuosas meritórias e conducentes à posse de Deus na ordem sobrenatural? 
Sim, Senhor. 

Logo, pecará contra a esperança o que confia salvar-se, sem contrair o hábito de praticar a virtude? Sim, Senhor. 

Como se chama este pecado? 
Pecado de presunção (XX-I). 

É o único pecado que pode o homem cometer contra a virtude da esperança? 
Não, Senhor: pode cometer outro chamado desesperação (XX). 

Em que consiste? 
É o pecado daqueles que, tomando em conta ou a grandeza e excelência infinitas de Deus, ou as dificuldades com que tropeçam no exercício das virtudes sobrenaturais, fazem a Deus a injúria de supor que jamais chegarão a possuí-lo ou a praticar a virtude como convém; em consequência, renunciam à felicidade e abstêm-se de invocar a Deus e chamá-lo em seu auxílio, ainda que bem o possam fazer (XX 1, 2). 

Reveste especial gravidade o pecado de desesperação? 
Sim, Senhor; porque inutiliza todo o movimento na ordem sobrenatural, e faz que o pecador pronuncie, em certo modo, contra si mesmo, a sentença de eterna condenação (XX, 3). 

Logo, o homem jamais deve desesperar por grandes que sejam as suas misérias e enormes as suas culpas e pecados? 
Não, Senhor; porque superior a tudo isso, é a onipotência e misericórdia divinas. 

Que deve, pois, fazer quando se sente acabrunhado sob o peso de suas culpas? 
Corresponder à graça que naquele momento o convida a voltar-se para Deus, com firme esperança de que lhe perdoará e dará forças para sair do seu mau estado e levar depois vida digna de recompensa eterna. 

Podereis ensinar-me alguma fórmula para praticar o ato da Virtude Teologal chamada Esperança? Eis aqui uma: 'Deus meu, com grande confiança, espero de vossa misericórdia e poder infinitos que me dareis graça para levar uma vida digna do prêmio destinado aos justos, e que, no fim da vida, se vossa graça não me deixar cair na desesperação, me admitireis a participar da vossa própria e eterna bem-aventurança'. 

Poderia abreviar-se esta fórmula? 
Sim, Senhor; pode reduzir-se ao seguinte: 'Deus meu, santa e firmemente espero em Vós'.

Quem pode exercitar-se em atos de esperança? 
Todos os fiéis, enquanto vivem neste mundo. 

Conservam os Santos no céu a virtude da esperança? 
Não, Senhor; porque a esperança supõe ausência, e eles já entraram na posse de Deus (XVIII, 2). 

Têm esperança os condenados no inferno? 
Também não, porque jamais poderão gozar de Deus, objeto da esperança (Ibid). 

Conservam a esperança as almas no Purgatório? 
Conservam-na, como virtude, porém os seus atos não são inteiramente iguais aos desta vida, porque, se bem que não possuem e esperam a bem-aventurança, não contam com o auxílio divino para alcançá-la, pois, nem a podem merecer, nem abrigam o temor de perdê-la, visto que não podem pecar (XVIII, 3).

VI 

DO DOM DO TEMOR CORRESPONDENTE À VIRTUDE DA ESPERANÇA 
TEMOR SERVIL — TEMOR FILIAL 

Qual é o efeito que produz a esperança nos fiéis enquanto vivem neste mundo? 
O de fortalecer a vontade contra o excessivo temor de não alcançar a glória (XVIII, 4). 

Existe alguma espécie de temor essencialmente bom e enlaçado com a virtude da esperança? 
Sim, Senhor. 

Qual é? 
O temor de Deus, chamado temor filial (XIX, 1, 2). 

Que entendeis por temor filial? 
O que nos obriga a venerar a Deus em atenção à sua excelência e infinita majestade, e a considerar como a maior das desgraças a de ofendê-Lo, ou expor-nos a perdê-lo por toda a eternidade (XIX, 2). 

Existe algum temor de Deus, distinto do filial? 
Sim, Senhor; o conhecido com o nome de temor servil. 

Que coisa se designa com as palavras 'temor servil'? 
Certo sentimento ínfimo, próprio dos escravos, que temem o amo porque ameaça com castigos (Ibid). 

O temor das penas com que Deus ameaça o pecador é sempre temor servil? 
Sim, Senhor; porém, nem sempre é defeituoso ou envolve pecado (Ibid). 

Quando será pecaminoso? 
Quando se considera o castigo ou perda de qualquer bem criado como mal supremo (XIX, 4). 

Logo. se alguém temesse o castigo, não como objeto principal do temor, mas enquanto leva consigo a perda de Deus, a quem ama sobre, todas as coisas, experimentaria temor servil pecaminoso? 
Não, Senhor; seu temor seria bom, ainda que de ordem muito inferior ao temor filial (XIX. 4, 6). 

Por que seria inferior? 
Porque o que tem amor filial jamais se preocupa com a perda dos bens criados, contanto que consiga a posse de Deus, Bem Incriado (XIX, 4, 5). 

Qual é, por conseguinte, o motivo do temor filial? 
Unicamente o pesar e o sentimento de perder o bem infinito, ou de expor-se a perdê-lo (XIX, 2). 

Tem alguma conexão o temor filial com o dom do Espírito Santo chamado dom de temor? 
Tem-na e muito estreita (XIX, 9). 

Logo, o dom do Espírito Santo chamado temor anda unido de uma maneira especial à virtude da Esperança? 
Sim, Senhor. 

Em que consiste o dom de temor? 
Em que, por sua virtude, o homem se mantém sujeito a Deus, e, em vez de resistir aos movimentos da graça, segue com docilidade seus impulsos. 

Em que se diferenciam o dom de temor e a virtude da Esperança? 
Em que a Esperança olha diretamente ao bem infinito alcançável com o favor divino, e o dom de temor considera a irreparável desdita de perder a Deus, fazendo-se, pelo pecado, indigno dos auxílios sobrenaturais (XIX, 9 ad 2). 

É mais nobre a virtude da esperança que o dom de temor? 
Sim, porque as virtudes teologais são superiores aos dons, e também porque a esperança nos move e impele para Deus em qualidade de bem supremo, e o temor se estaciona na consideração do mal que resultaria em perdê-lo. 

É o dom de temor inseparável da caridade? 
Sim, Senhor; porque dela depende, como o efeito da sua causa (XIX, 10). 

Pode a caridade coexistir com o temor servil no caso deste não ser pecaminoso? 
Sim Senhor; e quando isto sucede, recebe o nome de temor inicial; porém à medida que toma incremento a caridade, evoluciona o temor até adquirir todos os caracteres do filial, o único saturado de amor de Deus, como objeto e termo de uma felicidade cuja perda seria o maior, ou para melhor dizer, o único mal (XIX, 8). 

Permanece o dom do temor no céu? 
Sim, Senhor; porém, em estado perfeito e com atos algo distintos dos deste mundo (XIX, 11). 

Em que consistem esses atos? 
Numa espécie de aniquilamento, produzido, não pelo temor de perder a Deus, mas pela admiração de sua soberana grandeza e estremecedora majestade, comparada com a própria pequenez, pois o bem-aventurado tem sempre a mais íntima convicção de que sua felicidade só depende de Deus (Ibid).

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)