quinta-feira, 9 de julho de 2015

HISTÓRIAS QUE OUVI CONTAR (XII)

Heliogábalo, imperador romano, suspeitando de uma traição dos seus generais e cortesãos, concebeu um meio de puni-los de um modo terrível. Fez no maior segredo os preparativos de uma grande festa e convidou a todos para um suntuoso banquete. Num grande salão, os convidados se espalhavam em grande algazarra e alegria, que aumentavam com o vinho, servido com fartura. Ao se aproximar o fim da festa, quando mais expansiva tornou-se a alegria geral, quando as músicas tocavam os acordes mais frenéticos, eis que surgiu a grande surpresa!

Abriu-se o teto do imenso salão, e, do alto, começou a cair uma chuva leve de belas rosas frescas e perfumadas, umedecidas por um óleo de olor inebriante. Diante da novidade extasiante, o prazer chegou ao auge e transformou-se em delírio; todos se levantaram gritando: 'Viva Heliogábalo! Viva o imperador!' E deliciavam-se cada vez mais com a cascata de rosas, agora mais volumosa, tomando-as nas mãos, adornando-se com elas, aspirando o doce perfume delas como se este fosse o próprio hálito da vida, em meio a um frenesi de palmas e de vivas.

Em meio à euforia reinante, o imperador se retirou do salão, junto com os músicos e com todos os que serviam às mesas e aos convivas, sem serem percebidos. Foram fechadas, então, hermeticamente, as portas do salão, enquanto a chuva de rosas continuava copiosa e hipnotizante. Uma vez fechadas todas as portas e janelas, o aroma agradável tornou-se, em pouco tempo, tedioso e asfixiante, efeito que se multiplicava a cada instante. 

Os convivas buscaram, então, as saídas; primeiro, em gestos sincronizados; depois, no afã de uma fuga alucinada, convertida em seguida em puro desespero, quando se deram conta que as portas haviam sido trancadas. Buscaram quebrar as janelas, mas estas eram altíssimas e protegidas por grades de ferro. Sufocados e em desvario, homens e mulheres que há pouco se confraternizavam de prazer começaram a se confrontar com violência brutal. As rosas que continuavam a cair tornavam-se sentenças de morte, levando todos à embriaguez dos sentidos, à perda da consciência e à morte dolorosa: sufocados, pisoteados, esmagados contra as portas e as paredes do salão, transformado agora em uma masmorra fétida e em uma grande câmara de tortura...

Quantos homens, inebriados pelos prazeres do mundo, estão hipnotizados pela embriaguez dos vícios e enveredam entorpecidos pelo caminho sem volta para a morte da alma?

('Histórias que Ouvi Contar' são crônicas do autor deste blog)