terça-feira, 29 de outubro de 2024

PROFECIAS CATÓLICAS (V)

👉 Elizabeth Canori-Mora (século XIX): 'Incontáveis legiões de demônios invadirão a terra como instrumento da justiça divina, causando terríveis calamidades e desastres. Nada na terra será poupado. Depois do terrível castigo, vi aparecer sobre a terra uma grande luz que era o sinal da reconciliação de Deus com os homens. Todos os homens tornar-se-ão católicos e reconhecerão o Papa como Vigário de Jesus Cristo'.

Comentários: Existem algumas outras profecias que anunciam a libertação dos demônios na segunda parte do século XX. Elizabeth Canori-Mora não indicou o período, mas Ana Catarina Emmerich sim. Os demônios andam agora à solta na terra e isso explica as aberrações que se encontram mesmo no seio da Igreja. O mundo moderno está completamente corrompido - intelectualmente, filosoficamente e moralmente. A tecnologia e a democracia deveriam trazer felicidade à Terra, mas trouxeram tanta miséria que as pessoas, em todo o mundo, estão a consumir álcool e drogas. A corrupção moral é tal que a sua presença é agora visível e tolerada mesmo dentro das paredes de uma igreja: os padres dão agora a comunhão a raparigas semi-nuas, como se fosse natural. O castigo é inevitável. 

A este respeito, leia-se o seguinte. Foi dito pelo bispo Fulton Sheen muito antes de assumir a Sé de Rochester, o que parece ter provocado nele uma mudança completa de pensamento: 'Tempos selvagens e sombrios? Não admira que as pessoas estejam abaladas e confusas! Os sinais estão por todo o lado. Os sinais do nosso tempo apontam para uma luta entre absolutos. Podemos prever que o futuro será um tempo de provações e de catástrofes por duas razões: em primeiro lugar, para deter a desintegração. A revolução, a desintegração, o caos devem lembrar-nos que o nosso pensamento está errado, que os nossos sonhos são profanos. A segunda razão pela qual as crises devem surgir é para evitar uma falsa identificação entre a Igreja e o mundo. Nosso Senhor queria que os seus seguidores fossem diferentes em espírito daqueles que não eram os seus seguidores mas, embora esta seja a intenção divina, infelizmente é verdade que a linha de demarcação é frequentemente apagada. A mediocridade e o descompromisso caracterizam a vida de muitos cristãos. Não existe mais o conflito que deveria ser nossa característica. Estamos a influenciar o mundo menos do que o mundo nos está a influenciar. Uma vez que a amálgama do espírito cristão e pagão se instalou, uma vez que o ouro se associou a uma liga ruim, o todo deve ser lançado na fornalha para que a escória [parte ruim da liga] seja queimada'. 

👉 Santo Antônio do Deserto (século IV):  Os homens render-se-ão ao espírito da época. Dirão que, se tivessem vivido nos nossos dias, a Fé seria simples e fácil. Mas no seu tempo, dirão eles, as coisas são complexas; a Igreja deve ser atualizada e sintonizada com os problemas de hoje. Quando a Igreja e o mundo forem um só, então esses dias estão próximos, porque o nosso Mestre colocou uma barreira entre as suas coisas e as coisas do mundo' (Citado na Voz de Fátima, 23 de janeiro de 1968). 

Comentários: A maior parte das profecias citadas neste livro são traduções de outras línguas, nomeadamente latim, francês, alemão, italiano e outras línguas, conforme o caso. As profecias antigas, como a citada acima, são traduzidas do latim. Obviamente, a escolha das palavras adequadas para traduzir o original é uma questão que cabe ao tradutor decidir. No entanto, neste caso, as palavras 'atualizada' e 'sintonizada' são um pouco surpreendentes, porque são precisamente as palavras usadas pelos progressistas de hoje para justificar as suas inovações imprudentes. Se a tradução está absolutamente correta, então Santo Antônio foi extraordinariamente perspicaz.

👉 São Francisco de Paula (século XV): 'Pela graça do Todo-Poderoso, o Grande Monarca aniquilará os hereges e os incrédulos. Terá um grande exército e os anjos combaterão ao seu lado. Ele será como o sol entre as estrelas. A sua influência espalhar-se-á por toda a Terra. No total, haverá na terra doze reis, um imperador, um papa e alguns príncipes. Todos eles levarão uma vida santa'.

👉 Venerável Bartolomeu Holzhauser (século XVII, na Alemanha):  'O quinto período da Igreja, que começou por volta de 1520, terminará com a chegada do Santo Papa e do poderoso Monarca que é chamado 'Socorro de Deus', porque ele restaurará tudo [em Cristo]. O quinto período é um período de aflição, desolação, humilhação e pobreza para a Igreja. Jesus Cristo purificará o seu povo por meio de guerras cruéis, fomes, epidemias de peste e outras calamidades horríveis. Ele também afligirá e enfraquecerá a Igreja Latina com muitas heresias. É um período de defecções, calamidades e extermínio. Os cristãos que sobreviverem à espada, à peste e à fome, serão poucos na terra; as nações lutarão contra as nações e serão desoladas por dissensões internas. Durante este período, a Sabedoria de Deus guiará a Igreja de várias maneiras: (i) castigando a Igreja para que as riquezas não a corrompam completamente; (ii) interpondo o Concílio de Trento como uma luz nas trevas, para que os cristãos que vêem a luz possam saber em que acreditar; (ii) colocando Santo Inácio e a sua Sociedade em oposição a Lutero e outros hereges; (iv) levando a terras remotas a Fé que foi proibida na maior parte da Europa. 

Durante este período, muitos homens abusarão da liberdade de consciência que lhes é concedida. É de tais homens que o apóstolo Judas falava quando disse: 'Estes homens blasfemam de tudo o que não entendem, e corrompem o que sabem naturalmente, como fazem os animais irracionais... Dão banquetes sem restrições, alimentando-se a si mesmos, murmuram, andam segundo as suas concupiscências; a sua boca fala coisas orgulhosas, admiram as pessoas por causa do lucro; provocam divisões, são homens sensuais que não têm o espírito'. 

Durante esse período infeliz, haverá frouxidão nos preceitos divinos e humanos. A disciplina sofrerá. Os Cânones Sagrados serão completamente desrespeitados e o Clero não respeitará as leis da Igreja. Cada um será levado a acreditar e a fazer o que lhe apetece, de acordo com a vontade da carne. Ridicularizarão a simplicidade cristã: chamar-lhe-ão loucura e disparate, mas terão a mais alta consideração pelo conhecimento avançado, e pela habilidade com que os axiomas da lei, os preceitos da moral, os Cânones Sagrados e os dogmas religiosos são obscurecidos por questões sem sentido e argumentos elaborados. Como resultado, nenhum princípio, por mais santo, autêntico, antigo e certo que seja, permanecerá livre de censura, crítica, falsas interpretações, modificação e delimitação pelo homem. 

Estes são tempos maus, um século cheio de perigos e calamidades. A heresia está em todo o lado e os seguidores da heresia estão no poder em quase todo o mundo. Bispos, prelados e padres dizem que estão a cumprir o seu dever, que estão vigilantes e que vivem como convém ao seu estado de vida. Assim, todos procuram desculpas. Mas Deus permitirá um grande mal contra a sua Igreja: os hereges e os tiranos virão de repente e inesperadamente; eles invadirão a Igreja enquanto os bispos, prelados e padres estiverem a dormir. Entrarão em Itália e devastarão Roma; incendiarão as igrejas e destruirão tudo. 

'O sexto período da Igreja começará com o poderoso Monarca e o Santo Pontífice, como mencionado anteriormente, e durará até a revelação do Anticristo. Neste período, Deus consolará a sua Santa Igreja pela aflição e grande tribulação que ela suportou durante o quinto período. Todas as nações tornar-se-ão católicas. As vocações serão abundantes como nunca antes, e todos os homens procurarão apenas o Reino de Deus e a sua justiça. Os homens viverão em paz, e isso será concedido porque as pessoas farão as pazes com Deus. Eles viverão sob a proteção do Grande Monarca e dos seus sucessores. Durante o quinto período, vimos apenas calamidades e devastação, opressão dos católicos por tiranos e hereges; execuções de reis e conspirações para estabelecer repúblicas. Mas, pela mão de Deus Todo-Poderoso, ocorre uma mudança tão maravilhosa durante o sexto período que ninguém pode humanamente visualizá-la. 

O poderoso monarca, que será enviado por Deus, irá transformar todas as repúblicas. Submeterá tudo à sua autoridade e mostrará grande zelo pela verdadeira Igreja de Cristo. O império dos muçulmanos será destruído, e este monarca reinará tanto no Oriente como no Ocidente. Todas as nações virão adorar a Deus na verdadeira fé católica e romana. Haverá muitos santos e doutores (da Igreja) na terra. A paz reinará em toda a terra, porque Deus prenderá Satanás durante alguns anos, até aos dias do Filho da Perdição. Ninguém poderá perverter a palavra de Deus porque, durante o sexto período, haverá um concílio ecumênico que será o maior de todos os concílios. Pela graça de Deus, pelo poder do Grande Monarca, pela autoridade do Santo Pontífice e pela união de todos os príncipes mais devotos, o ateísmo e todas as heresias serão banidos da terra. O Concílio definirá o verdadeiro sentido da Sagrada Escritura, e este será acreditado e aceito por todos'.

Comentários: O Ven. Holzhauser divide a história da Igreja em sete períodos. O quinto período terminará com a chegada do Grande Monarca e do Santo Pontífice, ambos mencionados em muitas profecias. A era da permissividade terá chegado ao fim. Perceber-se-á que as regras e os regulamentos têm de ser aplicados e não apenas deixados ao critério da 'livre consciência' de uma noção pervertida do homem. É por isso que o Grande Rei usará a força sempre que necessário para restaurar a ordem e a disciplina. 

Algumas observações são necessárias aqui. É verdade que um sistema baseado apenas na força não tem valor intrínseco. A medida do seu valor não é a força, mas os princípios que inspiram o sistema. Quando os princípios são sólidos, a força justifica-se. Mas também é verdade que o uso da força nunca consegue impor bons princípios a pessoas endurecidas nos seus erros. Mas consegue alguma coisa: impede enormemente os esforços destrutivos de tais pessoas, protege o povo em geral da sua influência nefasta. Se o Ocidente atingiu agora o ponto de desintegração interna, não é porque as pessoas em geral sejam, em essência, piores do que em tempos passados (a natureza humana não muda): é porque foram levadas a acreditar em erros (como a crença de que se tem o direito de fazer o que se quer) por uma minoria de 'intelectuais' que foram autorizados a disseminar livremente suas idéias perniciosas. E pior, ocupam posições de poder e influência, de modo que mesmo os nossos bispos, os defensores da fé, não se atrevem a repreender demasiado abertamente estes homens quando fazem uma declaração pública para se antepor aos seus erros mortais. 

(Excertos da obra 'Catholic Prophecy: The Coming Chastisement', de Yves Durant)

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

A MAIS SUBLIME DAS LUTAS...

 

(O Desbravador, julho/agosto de 2002)

CARTA DE SÃO JUDAS TADEU

Caríssimos, estando eu muito preocupado em vos escrever a res­peito da nossa comum salvação, senti a necessidade de dirigir-vos esta carta para exortar-vos a pelejar pela fé, confiada de uma vez para sempre aos santos.

.... Mas vós, caríssimos, lembrai-vos das palavras que vos foram preditas pelos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo, os quais vos diziam: 'No fim dos tempos virão impostores, que viverão segundo as suas ímpias paixões; homens que semeiam a discórdia, homens sensuais que não têm o Espírito'.

Mas vós, caríssimos, edificai-vos mutua­mente sobre o fundamento da vossa santíssima fé. Orai no Espírito Santo. Conservai-vos no amor de Deus, aguardando a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, para a vida eterna.

Para com uns exercei a vossa misericórdia, repreendendo-os, e salvai-os, arrebatando-os do fogo. Dos demais tende compaixão, repassada de temor, detestando até a túnica manchada pela carne.

Àquele, que é poderoso para nos preservar de toda queda e nos apresentar diante de sua glória, imaculados e cheios de alegria, ao Deus único, Salvador nosso, por Jesus Cristo, Senhor nosso, sejam dadas glória, magni­ficência, império e poder desde antes de todos os tempos, agora e para sempre. Amém.

(Jd 1,3.17-25)

domingo, 27 de outubro de 2024

EVANGELHO DO DOMINGO

'Maravilhas fez conosco o Senhor, exultemos de alegria!' (Sl 125)

Primeira Leitura (Jr 31,7-9) - Segunda Leitura (Hb 5,1-6) -  Evangelho (Mc 10,46-52)

  27/10/2024 - TRIGÉSIMO DOMINGO DO TEMPO COMUM

48. 'SENHOR, QUE EU VEJA!'


São Marcos descreve, no Evangelho deste domingo, uma certa caminhada de Jesus pelas terras da Galileia, rumo a Jerusalém. Junto com Ele, além dos seus discípulos, ia uma grande multidão, ansiosa por ver, ouvir e compartilhar as santas alegrias do convívio com Aquele por quem já estavam plenamente convencidos de ser realmente o Messias esperado pelos séculos, ainda que com uma visão algo distorcida da verdadeira natureza divina do seu reino de glória.

O burburinho da multidão em marcha coloca em alerta um mendigo cego sentado à beira do caminho. Um homem cego, muito conhecido naquela região, tão conhecido que o seu nome ficou transcrito para sempre nas páginas das Sagradas Escrituras, Bartimeu, filho de Timeu. No meio do vozerio de tantos, grita mais alto do que todos: 'Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!' (Mc 10, 47). E, diante da reprimenda para se calar e não abafar os ensinamentos de Jesus, insiste ainda mais alto: 'Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!' (Mc 10, 48).

A fé vibrava firme na sua alma sem precisar dos acordes dos olhares e visões do mundo. Jesus percebeu de imediato a grandeza daquele sentimento, daquele gesto, daquela súplica, e o atendeu com deferência, fazendo calar o vozerio em volta: 'Chamai-o' (Mc 10, 49). De pronto e de súbito, diante do chamado de Jesus, Bartimeu se apura em pé num salto, desfaz-se do manto de uma vez e se coloca diante do Senhor, em muda expectativa. 'O que queres que eu te faça?' (Mc 10, 51) pergunta Jesus. E Bartimeu responde, cheio de fé e confiança no Senhor: 'Mestre, que eu veja!' (Mc 10, 51). E a luz da sua fé é então contemplada com os acordes da visão do Senhor: 'Vai, a tua fé te curou' (Mc 10, 52).

Bartimeu, privilegiado na graça, pediu a visão e recebeu a luz, a luz de Cristo, que rompe as trevas do pecado e eleva a alma às glórias eternas. Como cegos, muitas vezes tateando nas penumbras de uma fé claudicante, temos uma imensa dificuldade de vida espiritual e de aceitar e acolher Jesus em plenitude. Como Bartimeu, sejamos capazes de saltar além das quietudes e sonolências terrenas e nos livrarmos do manto das inquietações e vozerios do mundo, para irmos ao encontro do Senhor que passa e, como homens eivados de graça, 'seguir Jesus pelo caminho' (Mc 10, 52).

sábado, 26 de outubro de 2024

A BÍBLIA EXPLICADA (XXIX) - AS PRAGAS DO EGITO


A Escritura, sem dúvida, apresenta repetidamente as 'Pragas do Egito' como fenômenos milagrosos*. O autor inspirado julga-as como tal e esse deve ser o juízo do exegeta. Por outro lado, quase todos os fatos descritos têm clara analogia com fenômenos naturais que de vez em quando ocorriam no Egito (rās, mosquitos, pústulas, granizos, gafanhotos). Pode deduzir-se daí que o caráter milagroso das 'pragas' algumas vezes não reside na substância, porém no modo. As 'pragas', com efeito, ocorrem como consequência da ordem de Moisés, de maneira mais trágica que o usual, não muito tempo após a outra, poupando de seus efeitos mortíferos os israelitas. 

* Milagre é um fato experimental, que não decorre do jogo usual das forças da natureza, porém, de uma intervenção direta do poder de Deus. Esta intervenção direta de Deus pode manifestar-se de três modos: ou o efeito é totalmente estranho às forças naturais e às leis da natureza e, neste caso, os teólogos falam de milagre quoad substantiam, a saber naquilo que se refere à substância, à própria natureza íntima do fato (p. ex: a glorificação dos corpos ressuscitados); ou o efeito é movido por forças naturais, porém não se aplica a todos os seres (milagres quoad subiectum: p. ex.: a natureza é capaz de fornecer a capacidade visual, porém não a um cego que tenha o órgão da vista irreparàvelmente comprometido, bem como a vida, mas não para um morto); ou trata-se de um efeito possível para a natureza, porém não de um modo corrente ou usual (um tempo prolongado de carência, uma tempestade ou um terremoto ou outro fenômeno natural que ocorra exatamente quando intimado por um profeta); trata-se então de um milagre quoad modum.

O gênero literário desta narrativa apresenta a particularidade estilística das fórmulas fixas, como no primeiro capítulo do Gênesis e a de partes simétricas bipartidas entre comando e execução como na narrativa do Dilúvio. Um exemplo foi citado quando se tratava dos cânones artísticos. Aqui também se trata então de uma narrativa artisticamente esquematizada. Isto não invalida a historicidade dos acontecimentos e da própria narrativa, mas sugere a hipótese de que se possam encontrar disseminados aí modos de dizer 'hiperbólicos' ou 'correlatos', tais como encontramos nas descrições das mesmas 'pragas', no capítulo 17 do Livro da Sabedoria, que se apresentam claramente como ampliações poéticas com finalidade didática; didático e poético realmente é o gênero literário do livro em que se encontram.

Tem-se, ao contrário, uma narrativa esquemática dos mesmos fatos nos Salmos 77 [78] e 104 [105]. Muitos intérpretes colocam entre os milagres quoad substantiam, ou seja quoad subiectum, a água transformada em sangue (ou melhor em aparência de sangue, não sendo necessário incorporar nela glóbulos vermelhos e os outros elementos do sangue vivo), as trevas e a morte dos primogênitos. Pode-se, entretanto, considerar provável a identificação parcial das duas primeiras calamidades com dois fenômenos bem conhecidos no Egito; a saber: a cor vermelho-escura que o Nilo adquire pela presença de inúmeros infusórios no início de julho e a obscuridade que frequentemente ocorre no Egito, nos fins de março, causada pela areia levantada pelo vento do deserto.

Notemos, além disso, como a ordem em que as pragas se sucedem exibe uma coincidência notável com a ordem e a época de aparições de fenômenos naturais correspondentes: primeira: o avermelhamento do Nilo (em julho, a época da inundação); segunda, terceira e quarta: rās e mosquitos, cuja multiplicação coincide com a cheia do Nilo (no verão e outono); quinta e sexta: peste e pústulas, enfermidades do período invernal; sétima: granizos: fenômeno bastante raro, que se verifica quase que exclusivaente em janeiro e fevereiro; oitava: os gafanhotos, bastante raros também (início da primavera); nona: as nuvens de areia (final de março, exatamente à época da Páscoa, em que se dá a partida dos hebreus do Egito); décima: as trevas e a morte dos primogênitos (sem correlação com eventos naturais).

Porém, não obstante estas analogias, fica sempre claro que todas as dez 'pragas' outra coisa não são que milagres, como já dissemos, porque têm início e término por ordem de Moisés com proporções e efeitos preternaturais. As citadas coincidências com os flagelos tipicamente maturais destinam-se apenas para eliminar no leitor a impressão eventual de extravagância dos prodígios e a tornar ainda mais plausível o caráter histórico dos mesmos. 

Quanto aos mágicos egípcios, que no primeiro milagre (Ex 7,9-12) e nas duas primeiras pragas parecem imitar os prodígios de Moisés, tem-se o direito de supor que se trate de alguma ilusão ou de algum hábil artifício, à maneira das técnicas ilusionistas dos atuais faquires. Sua intervenção é assinalada para por em evidência a origem divina dos prodígios de Moisés. Há realmente um clímax e uma sequência crescente: a princípio os mágicos se dão bem, depois não mais são bem sucedidos, depois são obrigados a confessar a presença do 'dedo de Deus' (Ex 8, 15) e, por fim, eles próprios tornam-se vítimas do flagelo das pústulas (Ex 9, 11).

(Excertos adaptados da obra 'Páginas Difíceis da Bíblia - Antigo Testamento', de E. Galbiati e A. Piazza)

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

BÊNÇÃOS DO ROSÁRIO (III)


Quando São Domingos estava a pregar o Rosário perto de Carcassone, foi-lhe trazido um albigense que estava possuído pelo demônio. O santo exorcizou-o na presença de uma grande multidão de pessoas; cerca de doze mil pessoas que tinham vindo ouvi-lo falar. Os demônios que estavam na posse deste infeliz homem, foram obrigados a responder às perguntas de São Domingos. Disseram então que havia quinze mil deles no corpo daquele pobre homem, porque porque ele tinha atacado os quinze mistérios do Rosário e que a pregação do santo sobre o Rosário impunha medo e horror nas profundezas do inferno e que, por isso, ele era o homem que mais odiavam em todo o mundo por causa das almas que por causa das almas que lhes eram arrebatadas pela devoção ao Rosário.

São Domingos colocou o seu terço ao pescoço do endemoninhado e perguntou-lhe quem era, de todos os santos do Céu, aquele que, dos santos do Céu, aquele que  mais temiam e que, por isso, devia ser o mais amado e venerado pelos homens. Diante disso, começaram a gritar enlouquecidos, a tal ponto que a maior parte das pessoas presentes caiu por terra, tomada de medo.

Então, usando de toda a astúcia para não responderem diretamente a pergunta, os demônios choravam e lamentavam-se de uma forma tão deprimente que muitos choraram também, por pura piedade natural. Os demônios, falando pela boca do albigense, suplicavam com uma voz de dor: 'Domingos, Domingos, tem piedade de nós, prometemos-te que nunca te faremos mal. Sempre tiveste compaixão dos pecadores e dos aflitos; tem piedade de nós, porque estamos em graves sofrimentos. Se já estamos sofrendo tanto, por que te comprazes em aumentar as nossas dores? Não podeis contentar-vos com as dores que já temos? Tende piedade de nós, tende piedade de nós!' São Domingos não se comoveu nem um pouco com as palavras patéticas daqueles espíritos miseráveis e disse-lhes que não os deixaria em paz, até que respondessem à sua pergunta. 

... ''Escutai então, cristãos. Esta Mãe de Jesus é poderosíssima para salvar os seus servos de caírem no inferno. Ela é como o sol que destrói as trevas das nossas artimanhas e tentações. É Ela que desvenda as nossas tramas ocultas, quebra as nossas armadilhas e torna inúteis e ineficazes as nossas tentações. Devemos dizer, no entanto, com relutância, que nenhuma alma que tenha realmente perseverado no seu serviço se perdeu conosco. Um só suspiro que ela oferece à Santíssima Trindade vale muito mais do que todas as orações, desejos e aspirações de todos os santos. Tememo-la mais do que todos os outros santos do Céu juntos, e não temos sucesso algum com os seus fiéis servidores'.

(Excertos da obra 'O Segredo do Rosário', de São Luís Maria Grignion de Montfort)

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (XII)

58. Não devemos ser demasiado afoitos em nos lisonjear por possuir alguma virtude especial. A nossa castidade pode ser o resultado da falta de oportunidades ou de tentações; do mesmo modo, a nossa paciência pode proceder de um temperamento tranquilo ou mesmo ser ditada pela sabedoria mundana e não pela virtude cristã. Devemos estudar bem esta doutrina, de que as verdadeiras virtudes cristãs 'não nascem do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus' [Jo 1,13], isto é, que elas não são obra nem dos desejos, nem das paixões, nem da razão do homem, mas procedem de Deus como seu primeiro princípio, e retornam a Deus como seu último fim. 

Este conhecimento é necessário para nós, para que não nos imaginemos virtuosos quando não o somos, nem nos julguemos melhores do que os outros quando os vemos cair em algum pecado. Devemos sempre aprender lições de humildade com as faltas dos outros, e dizer: 'se eu me encontrasse nas mesmas circunstâncias e tivesse tido a mesma tentação, talvez me tivesse saído pior'. Se Deus não permite que grandes tentações me assaltem, é porque conhece a minha fraqueza e que eu sucumbiria a elas; com olhos de compaixão, Ele vê o que eu sou, 'um homem fraco' [Sb 9,5]. E se não caio em pecado, não é por minha própria virtude, mas pela graça de Deus. Permaneço, pois, na humildade, e isso é vantajoso para mim porque, se na minha soberba me considero maior do que os outros, Deus me abandona e me deixa cair, e me humilha naquilo que eu desejaria me exaltar. Escutai o conselho de Santo Agostinho: 'Atrevo-me a dizer que é proveitoso que os soberbos caiam, para que sejam humilhados por aquilo pelo que se exaltaram' [Serm. liii, de Verb. Dom.].

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)