sexta-feira, 19 de maio de 2023

PALAVRAS DA SALVAÇÃO


A Deus pertenceis vós nesta vida mortal, servindo-o fielmente no meio dos trabalhos que tiverdes, levando a cruz, acompanhando-o na vida imortal, bendizendo-o eternamente com toda a corte celeste. O grande bem das nossas almas é o estar com Deus; nosso maior bem é pertencer só a Deus. Quem só pertence a Deus apenas se entristece por ter ofendido a Deus e a sua tristeza neste ponto consiste num profundo ato de humildade e submissão, sereno e pacífico, que então se eleva e é oferecido à bondade divina, com uma confiança doce e perfeita e sem qualquer temor ou despeito.

(São Francisco de Sales)

quinta-feira, 18 de maio de 2023

SOBRE COMO LEVAR AS NOSSAS CRUZES

Alegro-me do que padeço por vós, diz São Paulo, e estou cumprindo em minha carne o que resta de padecimentos a Cristo em seus membros, sofrendo trabalhos em prol de seu Corpo Místico, que é a Igreja: Gaudeo in passionibus, et adimpleo e aquae desunt passionum Christi, in carne mea, pro corpore ejus, quod est Ecclesia (Col 1, 24). A paixão de Jesus Cristo é completa e perfeita em si mesma. Sendo de um mérito infinito, ela é mais que suficiente para resgatar-nos. Contudo, falta-lhe algo que deve proceder de vós; falamos da parte que devemos tomar nos sofrimentos e méritos de Jesus Cristo, em uma palavra, de nossa cooperação. Não somente Jesus Cristo devia sofrer em si mesmo; deve também sofrer em seus membros; e, por esta comunidade de sofrimentos, seu Corpo, que é a Igreja, engrandece-se e aperfeiçoa- se.

Aceitando as penas e as dores da vida, os fieis participam dos méritos da Paixão, tornam-se semelhantes a Jesus Cristo Crucificado. Isto é o que quer dizer São Paulo com aquelas palavras: 'Estou cumprindo em minha carne o que resta de padecimentos a Cristo em seus membros, sofrendo trabalhos em prol de seu Corpo Místico, que é a Igreja'. Com a aceitação das cruzes, os fieis fazem-se participantes da natureza divina, como disse o Apóstolo São Pedro: Divinae consortes naturae (2 Pd 1, 4). Fazem-se também partícipes da glória de Jesus Cristo pela eternidade, diz São Paulo: Si tamen compatimur, ut et conglorificemur (Rm 8, 17). Aqui devemos observar com Santo Ambrósio, São João Crisóstomo e outros Doutores:

I – Que, como a Igreja é um corpo místico, animado de uma só e mesma alma, tendo uma mesma vida com Jesus Cristo, deve sofrer uma só e mesma paixão com Ele; da mesma maneira que, no corpo do homem, o sofrimento é comum à cabeça e aos membros. São Paulo é quem faz esta admirável comparação: Se um membro padece, todos os demais se compadecem; e, se um membro é honrado, todo os membros alegram-se com ele. Vós, pois, sois o Corpo Místico de Cristo e membros unidos a outros membros: Se quid patitur unum membrum, compatiuntur omnia membra; sive gloriatur unum membrum, congaudent omnia membra. Vos estis corpus Christi, em membra de membro (1 Cor 12, 26-27). Isso explica por que que Jesus Cristo não dizia a Saulo que perseguia a sua Igreja: 'Por que persegues a minha Igreja?', senão: 'Por que me persegues?' Quid me persequeris? (At 26, 14). Assim, como Jesus Cristo comunica sua graça e sua paciência, comunica também seus sofrimentos, e compadece-se dos que sofrem.

II – Cumpro em minha carne o que resta de padecimentos a Jesus Cristo, isto é, convém que anuncie o Evangelho e dê a conhecer Jesus Cristo às nações, a fim de que a Igreja cresça, aperfeiçoe-se e participe plenamente da paixão e redenção do Salvador.

III – Cumpro em minha carne o que resta de padecimentos a Jesus Cristo. Isto significa também que o fiel, com suas boas obras, aplica-se a participar da expiação operada por Jesus Cristo, e satisfaz, sofrendo a pena temporal devida ao pecado.

O fiel deve saber que toda a vida do cristão é de sofrimento interior ou exterior, enviado ou buscado voluntariamente. Deve aguardá-lo todos os dias e até desejá-lo. Porque, todos os dias, lançam-lhe flechas ou Deus, ou o demônio, o mundo, a carne, os amigos, os inimigos, ou as más línguas. 'Retesou seu arco, e fez de mim alvo de suas flechas' - Tetendit arcum suum, et possuir me quasi signum (soopum) as sagittam (Lm 3, 12). As enfermidades, os contratempos e as provações são flechas enviadas por Deus. O cristão também deve saber que estas flechas, de qualquer parte donde venham, são flechas de amor, e nunca de ódio.

Deus nos fere com flechas para abater a nossa desobediência e o nosso orgulho; para castigar nossos pecados e fazer-nos expiar como castigou os judeus; para destruir e, sobretudo, debilitar em nós a concupiscência da carne. Ele lança contra nós flechas como enfermidades, contradições, decepções e remorsos, obrigando-nos deste modo a combater e vencer estas inclinações; para guiar o homem pelo caminho da paciência, da santidade e da perfeição; assim feriu Deus a Jó e a Tobias; para aproximar o homem a Jesus Cristo, e fazer-lhe semelhante a Ele.

Deus resolveu manifestar, com a admirável paciência dos santos, a virtude de sua Cruz. Ele mesmo, ao vir ao mundo, não escolheu outros bens senão os sofrimentos e o Calvário. Quereis encontrar a Deus? Buscai a Cruz, pois nela Ele está pregado; ali, tão somente ali, achá-lo-eis. Se vos encontrais sobrecarregado de pesares, alegrai-vos; encontrastes a Jesus Cristo, e agora estais com Ele. 'Bem aventurados aqueles que padecem perseguições por causa da justiça, pois deles é o Reino dos Céus' - Beati qui persecutionem patiuntur propter justitiam, quoniam ipsorum est regnum coelorum (Mt 5, 10). 'Ditosos sereis quando os homens, por minha causa, vos amaldiçoarem, e vos perseguirem, e disserem com mentira toda sorte de males contra vós. Alegrai-vos, então, e regozijai-vos, porque é muito grande a recompensa que vos aguarda nos Céus' (Mt 5, 11-12).

Quando sofreis, Deus está convosco. O próprio Deus o diz pela boca do Profeta: 'Estarei com ele em suas tribulações, salvar-lhe-ei e o cumularei de glória. Eu o saciarei com uma vida muito longa, e lhe farei ver o Salvador que enviarei' - Cum ipso sum in tribulatione, eripiam eum et glorificabo eum. Longitudine dierum replebo eum, et ostendam illi salutare meum (Sl 90, 15-16). Quando Santo Antônio, depois dos terríveis combates que tinha de sustentar contra os demônios, dizia a Jesus Cristo: 'Onde estavas, ó bom Jesus? - Ubi eras, bone Jesu?. 'Antônio, eu estava contigo' - respondia-lhe Jesus - 'pois queria te ver combater' (Vit. Patr.).

Deus fere ao homem a flechadas para matar nele os desejos e os pensamentos mundanos, e fazer entrar em sua alma os pensamentos e desejos do Céu. Assim é como o Senhor prepara o homem para entrar na cidade dos eleitos, segundo aquelas palavras da Escritura: 'É preciso passar por muitas tribulações para entrar no Reino de Deus' - Peer multas tribulationes oportet nos intrate in regnum Dei (At 14, 12); e aquelas outras palavras de Jesus Cristo: 'o Reino dos Céus alcança-se à viva força, e somente aqueles que fazem violência a si mesmos são os que se apoderam dele' - Regnum coelorum vim patibur, et violenti rapiunt illud (Mt 11, 12).

Saiba bem o cristão que deve sofrer todos os dias de sua vida, e estar constantemente estendido sobre a Cruz, para ser alvo das flechas de Deus. Ainda mais: não deve cessar de pedir a Deus alguma aflição, como fazia São Francisco Xavier que, em seus contínuos e penosos trabalhos, em suas provações e perseguições sem número, rogava a Deus que não lhe privasse das cruzes que detinha; e que estas fossem sempre em maior número (In ejus vita).

Para levar com resignação as cruzes e triunfar das provações, pensemos que nós nos encontramos colocados na terra como um alvo para as flechas de Deus, e achemo-nos dispostos a receber com paciência e valor todas as tribulações que, vindas do Céu, tendem à glória de Deus e à nossa salvação. Tenhamos nossa alma unida a Deus pela fé, a esperança e o amor. Aquele que vive com o pensamento e, sobretudo, com os desejos dos bem aventurados, olha os bens e os males deste mundo como pouca coisa. Elevemos, pois, nossa alma sobre as coisas da terra, façamo-la sair, de certo modo, de nosso corpo para colocá-la entre os anjos: Nostra conversatio in coelis est (Fl 3, 20).

Quando assim acontecer, a nossa alma tornar-se-á mais forte que as cruzes, com resignação e paciência, e já não as sentirá e nem as consentirá. Então, exclamava São Paulo: 'Estou inundado de consolo; transbordo de gozo em meio de todas as minhas tribulações' - repletus sum consolatione; superabundo gaudio in omni tribulatione nostra (2 Cor 8, 4). Sigamos Jesus Cristo ao Calvário. Verifiquemos quantos milhares de cristãos, crianças, mulheres, anciãos e de todas as condições, de geração em geração, desde tantos séculos, dirigem-se até aquela montanha de salvação eterna e sobem até o seu cume, levando a Cruz sobre os ombros. Sigamos todos eles no caminho do Céu.

(Dos Tesouros de Cornélio à Lápide)

quarta-feira, 17 de maio de 2023

OS GRANDES DOCUMENTOS DA IGREJA (XIX)

Constituição Apostólica DEI FILIUS [24 de abril de 1870]

Concílio Vaticano I (1869 - 1870) - Papa Pio IX (1846 - 1878)

sobre a fé católica
 

Agora, nós, juntamente com todos os bispos do mundo que conosco governam a Igreja, congregados no Espírito Santo neste Concílio Ecumênico, sob a nossa autoridade e apoiados na palavra de Deus, quer escrita quer transmitida por Tradição, conforme a recebemos santamente conservada e genuinamente exposta pela Igreja Católica, resolvemos professar e declarar, desta cátedra de Pedro, diante de todos, a salutar doutrina de Cristo, proscrevendo e condenando, com o poder divino a nós confiado, os erros contrários.

I. – Deus, Criador de todas as coisas

A Santa Igreja Católica Apostólica Romana crê e confessa que há um [só] Deus verdadeiro e vivo, Criador e Senhor do céu e da terra, onipotente, eterno, imenso, incompreensível, infinito em intelecto, vontade e toda a perfeição; o qual, sendo uma substância espiritual una e singular, inteiramente simples e incomunicável, é real e essencialmente distinto do mundo, sumamente feliz em si e por si mesmo, e está inefavelmente acima de tudo o que existe ou fora dele se possa conceber (cân. 1-4).

Este único e verdadeiro Deus, por sua bondade e por sua virtude onipotente, não para adquirir nova felicidade ou para aumentá-la, mas a fim de manifestar a sua perfeição pelos bens que prodigaliza às criaturas, com vontade plenamente livre, criou simultaneamente no início do tempo ambas as criaturas do nada: a espiritual e a corporal, ou seja, os anjos e o mundo; e em seguida a humana, constituída de espírito e corpo (IV Concílio de Latrão).

Tudo o que Deus criou, conserva-o e governa-o com a sua providência, atingindo fortemente desde uma extremidade a outra, e dispondo de todas as coisas com suavidade (cf Sb 8,1). Pois tudo está nu e descoberto aos seus olhos (Hb 4,13), mesmo os atos dependentes da ação livre das criaturas.

II – A Revelação

A mesma Santa Igreja crê e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, por meio das coisas criadas; pois as perfeições invisíveis tornaram-se visíveis depois da criação do mundo, pelo conhecimento que as suas obras nos dão dele (Rm 1,20); Mas que aprouve à sua misericórdia e bondade revelar-se a si e os eternos decretos da sua vontade ao gênero humano por outra via, e esta sobrenatural, conforme testemunha o Apóstolo: 'Havendo Deus outrora falado aos pais pelos profetas, muitas vezes e de muitos modos, ultimamente, nestes dias, falou-nos pelo Filho' (Hb 1,1- ; cân. 1).

A esta revelação divina deve-se certamente atribuir o poder em todos, mesmo nas condições atuais do gênero humano, conhecer expeditamente, com firme certeza e sem mistura de erro, aquilo que nas coisas divinas não é de per si inacessível à razão humana. Contudo, não se deve dizer que a revelação é absolutamente necessária por este motivo, mas porque Deus, em sua infinita bondade, ordenou o homem para o fim sobrenatural, isto é, para participar dos bens divinos, que estão inteiramente acima da compreensão humana; pois 'nem os olhos viram, nem os ouvidos ouviram, nem penetrou no coração do homem, o que Deus preparou para aqueles que o amam' (1Cor 2,9 ; cân. 2 e 3).

Esta revelação sobrenatural, porém, segundo a doutrina da Igreja universal, definida pelo Concílio Tridentino, está contida nos livros e nas tradições não escritas que, recebidas pelos Apóstolos da boca do próprio Cristo, ou que transmitidas como que mão em mão pelos próprios Apóstolos sob a inspiração do Espírito Santo, chegaram até nós (Concílio Tridentino). E estes livros do Antigo e do Novo Testamento, inteiros e com todas as suas partes, conforme vêm enumerados no decreto do mesmo Concílio e se encontram na antiga edição latina da Vulgata, devem ser aceitos como sagrados e canônicos. E a Santa Igreja os tem como tais, não por terem sido redigidos somente por obra humana e em seguida aprovados pela sua autoridade, nem somente por conterem a revelação isenta de erro, mas porque, escritos sob a inspiração do Espírito Santo, têm a Deus por autor, e como tais foram confiados à mesma Igreja (cân. 4).

Todavia, já que o salutar decreto dado pelo Concílio Tridentino sobre a interpretação da Sagrada Escritura, para corrigir espíritos petulantes, é erradamente exposto por alguns, nós, renovando o mesmo decreto, declaramos que o seu sentido é que, nas coisas da fé e da moral, pertencentes à estrutura da doutrina cristã, deve-se ter por verdadeiro sentido da Sagrada Escritura aquele que foi e é mantido pela Santa Madre Igreja, a quem compete decidir do verdadeiro sentido e da interpretação da Sagrada Escritura; e que, por conseguinte, a ninguém é permitido interpretar a mesma Sagrada Escritura contrariamente a este sentido ou também contra o consenso unânime dos Santos Padres.

III – A fé

Visto que o homem depende inteiramente de Deus como seu Criador e Senhor, e que a razão criada está inteiramente sujeita à Verdade incriada, somos obrigados a prestar, pela fé, à revelação de Deus, plena adesão do intelecto e da vontade (cân. 1). Esta fé, porém, que é o início da salvação humana, a Igreja a define como uma virtude sobrenatural pela qual, inspirados e ajudados pela graça, cremos ser verdade o que Deus revelou, não devido à verdade intrínseca das coisas, conhecida pela luz natural da razão, mas em virtude da autoridade do próprio Deus, autor da revelação, que não pode enganar-se nem enganar (cân.2). Pois, segundo o testemunho do Apóstolo, 'a fé é o fundamento firme das coisas esperadas, uma prova das coisas que não se vê' (Hb 11,1).

Não obstante, para que a homenagem de nossa fé estivesse em conformidade com a razão (cf Rm 12,1), quis Deus ajuntar ao auxílio interno do Espírito Santo os argumentos externos da sua revelação, isto é, os fatos divinos, e sobretudo os milagres e as profecias, que, por demonstrarem abundantemente a onipotência e a ciência infinita de Deus, são sinais certíssimos as revelação divina, acomodados que são à inteligência de todos (cân. 3 e 4). Foi por isso que Moisés, os profetas e principalmente o próprio Jesus Cristo fizeram muitos e manifestíssimos sinais e profecias; e dos Apóstolos lemos: 'Eles, porém, partiram e pregaram em toda a parte, cooperando com eles o Senhor e confirmando a sua palavra com os sinais que a acompanhavam' (Mc 16,20). E em outro texto se lê: 'E temos ainda mais firme a palavra dos profetas, à qual fazeis bem de atender, como a uma candeia que alumia em um lugar tenebroso (2Pd 1,19).

Embora, porém, a adesão da fé não seja de modo algum um movimento cego do espírito, ninguém, contudo, pode crer na pregação evangélica, como se exige para conseguir a salvação, sem a iluminação e a inspiração do Espírito Santo, que a todos faz encontrar doçura em consentir e crer na verdade (Concílio II Arausicano). Pelo que, a própria fé em si, embora não opere pela caridade (cf Gl 5,6 ), é um dom de Deus, e o seu exercício é um ato salutar, pelo qual o homem presta livre obediência ao próprio Deus, prestando consentimento e cooperação à sua graça, à qual poderia resistir (cân. 5). Deve-se, pois, crer com fé divina e católica, tudo o que está contido na palavra divina escrita ou transmitida pela Tradição, bem como tudo o que a Igreja, quer em declaração solene, quer pelo Magistério ordinário e universal, nos propõe a crer como revelado por Deus.

Como, porém, sem a fé é impossível agradar a Deus (Hb 11,6) e chegar ao consórcio dos seus filhos, ninguém jamais pode ser justificado sem ela, nem conseguir a vida eterna se nela não permanecer até o fim (Mt 10,22;24,13). E para que pudéssemos cumprir o dever de abraçar a verdadeira fé e nela perseverar constantemente, Deus instituiu, por meio de seu Filho Unigênito, a Igreja, e a muniu com os sinais manifestos da sua instituição, para que pudesse ser por todos reconhecida como guarda e mestra da palavra revelada.

Porquanto somente à Igreja Católica pertencem todos os caracteres, tão numerosos e tão admiravelmente estabelecidos por Deus, para tornar evidente a credibilidade da fé cristã. Além disso, a Igreja em si mesma, pela sua admirável propagação, exímia santidade e inesgotável fecundidade em todos os bens, pela sua unidade católica e invicta estabilidade, é um grave e perpétuo motivo de credibilidade, e um testemunho irrefragável da sua missão divina. Donde resulta que a mesma Igreja, como um estandarte que se ergue no meio das nações (Is 11,12), não só convida os incrédulos a entrarem no seu grêmio, mas também garante a seus filhos que a fé que professam se baseia em fundamento firmíssimo. 

A este testemunho acresce o auxílio eficaz da virtude do alto. Porquanto o benigníssimo Senhor excita e ajuda com a sua graça os que vagueiam no erro, a fim de poderem chegar ao conhecimento da verdade (1Tm 2,4). E aos que chamou das trevas à luz maravilhosa (1Pd 2,9), confirma-os com sua graça, para que permaneçam nesta mesma luz, não os abandonando senão quando primeiro abandonado por eles. Pelo que, de maneira alguma é igual a condição daqueles que, pelo dom celeste da fé, abraçaram a verdade católica, e dos que, levados por opiniões humanas, seguem uma religião falsa; pois os que receberam a fé sob o Magistério da Igreja, jamais poderão ter justa razão de alterar ou por em dúvida esta mesma fé (cân. 6). E por isso, dando graças a Deus Pai, que nos fez idôneos de participar da sorte dos santos na luz (Cl 1,12), não menosprezemos tão grande vantagem, mas, pondo os olhos em Jesus, autor e consumador da fé (Hb 12,2), conservemos firme a profissão da nossa esperança (Hb 10,23).

IV – A fé e a razão

O consenso constante da Igreja Católica tem também crido e crê que há duas ordens de conhecimento, distintas não só por seu princípio, mas também por seu objeto; por seu princípio, visto que numa conhecemos pela razão natural, e na outra pela fé divina; e por seu objeto, porque, além daquilo que a razão natural pode atingir, propõe-nos a crer mistérios escondidos em Deus, que não podemos conhecer sem a revelação divina (cân. 1). E eis porque o Apóstolo, que assegura que os gentios conheceram a Deus por meio das suas obras (Rm 1,20), discorrendo, todavia, sobre a graça e verdade que foram anunciadas por Jesus Cristo (cf Jo 1,17), diz: 'Falamos da sabedoria de Deus em mistério, que fora descoberta e que Deus predestinou antes dos séculos, para nossa glória. A qual nenhum dos poderosos deste mundo conheceu… a nós, porém, o revelou Deus pelo seu Espírito; porque o Espírito tudo penetra, também as coisas profundas de Deus' (1Cor 7,8-10). E o próprio Unigênito glorifica ao Pai, porque escondeu essas coisas aos sábios e entendidos e as revelou aos pequeninos (cf Mt 11,25).

Em verdade, a razão, iluminada pela fé, quando investiga diligente, pia e sobriamente, consegue, com a ajuda de Deus, alguma compreensão dos mistérios e ser esta frutuosíssima, seja pela analogia das coisas conhecidas naturalmente ou seja pela conexão dos próprios mistérios entre si e com o fim último do homem; nunca, porém, se torna capaz de compreendê-los como compreende as verdades que constituem o seu objeto próprio, pois os mistérios divinos, por sua própria natureza, excedem de tal modo a inteligência criada, que, mesmo depois de revelados e aceitos pela fé, permanecem ainda encobertos com os véus da mesma fé, e como que envoltos em um nevoeiro, enquanto durante esta vida vivermos ausentes do Senhor; pois andamos guiados pela fé, e não pela contemplação (2Cor 5,6-).

Porém, ainda que a fé esteja acima da razão, jamais pode haver verdadeira desarmonia entre uma e outra, porquanto o mesmo Deus que revela os mistérios e infunde a fé, dotou o espírito humano da luz da razão; e Deus não pode negar-se a si mesmo, nem a verdade jamais contradizer à verdade. A vã aparência de tal contradição nasce principalmente ou de os dogmas da fé não terem sido entendidos e expostos segundo a mente da Igreja ou de se terem as simples opiniões em conta de axiomas certos da razão. Por conseguinte, definimos como inteiramente falsas qualquer asserção contrária a uma verdade de fé (V Concílio de Latrão).

Ademais a Igreja que, juntamente com o múnus apostólico de ensinar, recebeu o mandato de guardar o depósito da fé, tem também de Deus o direito e o dever de proscrever a ciência falsa (1Tm 6,20), a fim de que ninguém se deixe iludir pela filosofia ou por sofismas pagãos (cf Cl 2,8; cân 2). Eis por que não só é vedado a todos os cristãos defender como legítimas conclusões da ciência tais opiniões reconhecidamente contrárias à fé, máxime se tiverem sido reprovadas pela Igreja, mas ainda estão inteiramente obrigados a tê-las por conta de erros, revestidas de uma falsa aparência de verdade.

E não só não pode jamais haver desarmonia entre fé e a razão, mas uma serve de auxílio à outra, visto que a reta razão demonstra os fundamentos da fé, e cultiva, iluminada com a luz desta, a ciência das coisas divinas; e a fé livra e guarda a razão dos erros, enriquecendo-a de múltiplos conhecimentos. Por isso a Igreja, longe de se opor ao cultivo das artes e das ciências humanas, até as auxilia e promove de muitos modos. Porquanto não ignora nem despreza as vantagens que delas dimanam para a vida humana; pelo contrário, ensina que, derivando elas de Deus, o Senhor das ciências (1Rs 2,3), se forem bem empregadas, conduzem para Deus, com o auxílio de sua graça. Nem proíbe que tais disciplinas, dentro de seu respectivo âmbito, façam uso de seus princípios e métodos próprios; mas, reconhecendo embora esta justa liberdade, admoesta cuidadosamente que não admitam em si erros contrários à doutrina de Deus ou ultrapassem os próprios limites, invadindo e perturbando o que é do domínio da fé.

Pois a doutrina da fé, que Deus revelou, não foi proposta ao engenho humano como uma descoberta filosófica a ser por ele aperfeiçoada, mas foi entregue à Esposa de Cristo como um depósito divino, para ser por ela finalmente guardada e infalivelmente ensinada. Daí segue que sempre se deve ter por verdadeiro sentido dos dogmas aquele que a Santa Madre Igreja uma vez tenha declarado, não sendo jamais permitido, nem a título de uma inteligência mais elevada, afastar-se deste sentido (cân. 3). Cresçam, pois, e multipliquem-se abundantemente, tanto em cada um como em todos, tanto no homem individual como em toda a Igreja, segundo o progresso das idades e dos séculos, a inteligência, a ciência e a sabedoria, mas somente no seu gênero, isto é, na mesma doutrina, no mesmo sentido e no mesmo pensamento (Vicente de Lirino, Commonitorium, nº 28 - ML 50, 668 c. 23).

Cânones Sobre a Fé Católica

Sobre Deus - Criador de todas as coisas

Cân. 1 – Se alguém negar que há um só Deus verdadeiro, Criador e Senhor das coisas visíveis e invisíveis – seja excomungado [cf nº 1782].

Cân. 2 – Se alguém não envergonhar de afirmar que além da matéria nada existe – seja excomungado [cf nº 1783].

Cân. 3 – Se alguém disser que a substância ou essência de Deus é a mesma que a substância ou essência de todas as coisas – seja excomungado [cf nº 1782].

Cân. 4 – Se alguém disser que as coisas finitas tanto as corpóreas como as espirituais, ou ao menos as espirituais, emanaram da substância divina; ou que pela manifestação ou evolução da essência divina se originaram todas as coisas; ou, finalmente, que Deus é um ser universal ou indefinido, que, ao ir-se determinando, daria origem à universalidade das coisas, distinta em gênero, espécie e nos indivíduos – seja excomungado.

Cân. 5 – Se alguém não professar que o mundo e todas as coisas nele contidas, quer espirituais, quer materiais, foram por Deus tiradas do nada segundo toda a sua substância [cf nº 1783]; ou disser que Deus criou, não com vontade inteiramente livre, mas com a mesma necessidade com que se ama a si mesmo [cf. nº 1783]; ou negar que o mundo foi feito para a glória de Deus – seja excomungado.

Sobre a revelação

Cân.1 – Se alguém disser que o Deus uno e verdadeiro, Criador e Senhor nosso, não pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, por meio das coisas criadas – seja excomungado [cf nº 1785].

Cân. 2 – Se alguém afirmar ser impossível ou ao menos inconveniente que o homem seja instruído por revelação divina sobre Deus e o culto a ele devido – seja excomungado [cf nº 1786].

Cân. 3 – Se alguém disser que o homem não pode ser por Deus guindado a um conhecimento e perfeição que excedam o natural, mas que ele se deve por si mesmo, progredindo sempre, chegar finalmente a possessão de toda a verdade e de todo o bem – seja excomungado.

Cân. 4 – Se alguém não admitir como sagrados e canônicos os livros da Sagrada Escritura, inteiros e com todas as suas partes, conforme foram enumerados pelo sacrossanto Concílio de Trento, ou lhes negar a inspiração divina – seja excomungado.

Sobre a fé

Cân. 1 – Se alguém afirmar que a razão humana é de tal modo independente, que Deus não possa impor-lhe a fé – seja excomungado [cf nº 1789]

Cân. 2 – Se alguém disser que a fé divina não se distingue do conhecimento natural de Deus e da moral, e que portanto para a fé divina não se requer que a verdade revelada seja crida por causa da autoridade de Deus que a revela – seja excomungado [cf nº 1789].

Cân. 3 – Se alguém disser que a revelação divina não pode tornar-se mais compreensível por meio de sinais externos, e que portanto os homens devem ser motivados à fé só, pela experiência interna individual ou por inspiração privada – seja excomungado [cf nº1790].

Se alguém disser que não pode haver milagres, e que portanto todas as narrações deles, também aquelas contidas na Sagrada Escritura, se devem relegar ao reino da fábula e do mito; ou disser que os milagres nunca podem ser conhecidos com certeza, nem se pode por eles provar a origem divina da religião cristã – seja excomungado [cf nº 1790].

Cân. 5 – Se alguém disser que o assentimento à fé cristã não é livre, mas resulta necessário dos argumentos da razão humana; ou disser que a graça de Deus só é necessária para a fé viva, que opera pela caridade [Gl 5,6 ] – seja excomungado [cf nº 1795-].

Cân. 6 – Se alguém afirmar ser idêntica a condição dos fiéis e a daqueles que ainda não chegaram a fé única e verdadeira, assim que os católicos possam ter justa razão para duvidar da fé que abraçaram sob o Magistério da Igreja, suspendendo o assentimento até terem concluído a demonstração científica da credibilidade e veracidade da sua fé – seja excomungado [cf. nº 1795 s].

Sobre a fé e a razão

Cân. 1 – Se alguém disser que na revelação divina não há nenhum mistério verdadeiro e propriamente dito, mas que todos os dogmas da fé podem ser compreendidos e demonstrados pela razão, devidamente cultivada, por meio dos princípios naturais – seja excomungado [cf nº 1795].

Cân. 2 – Se alguém disser que as ciências humanas devem ser tratadas com tal liberdade que as suas conclusões, embora contrárias à doutrina revelada, possam ser retidas como verdadeiras e não possam ser proscritas pela Igreja – seja excomungado [cf nº 1797-1799].

Cân. 3 – Se alguém disser que às vezes, conforme o progresso das ciências, se pode atribuir aos dogmas propostos pela Igreja um sentido diverso daquele que ensinou e ensina a Igreja – seja excomungado [cf nº 1800].

Por isso nós, cumprindo o supremo ofício pastoral que nos cabe exercer, pedimos insistentemente, na intimidade do coração de Jesus Cristo, a todos os fiéis cristãos, especialmente aos chefes e aos que exercem o ofício de ensinar, e mandamos, com a autoridade do mesmo Deus e Salvador nosso, que se esforcem por eliminar e afastar da Santa Igreja tais erros, e por difundir a luz da fé pura e verdadeira. Porém, já que não é possível evitar a heresia, a não ser fugindo também daqueles erros que se aproximam mais ou menos dela, lembramos a todos o dever de observar também as Constituições e os Decretos pelos quais esta Santa Sé proscreve e proíbe tais opiniões perversas, mas que não vêm aqui enumeradas.

terça-feira, 16 de maio de 2023

SOBRE A ORAÇÃO NOTURNA

 

A oração feita durante a noite tem um grande poder, maior do que aquela que é feita durante o dia. É por isso que todos os santos tinham o hábito de rezar à noite, combatendo a sonolência do corpo e o deleite do sono, vencendo a sua natureza física. O salmista assim se expressa: 'Estou exausto de tanto gemer: à noite choro na cama, rego o meu leito com lágrimas' (Sl 6,7), enquanto suspirava do fundo do coração com uma oração apaixonada. E em outro lugar ele diz: 'Levanto-me em meio à noite para agradecer os seus justos julgamentos' (Sl 118, 62). Para cada um dos pedidos que os santos queriam dirigir a Deus com confiança redobrada, eles se armavam da oração durante a noite e assim recebiam o que pediam.

O próprio Satanás nada teme tanto quanto a oração oferecida durante as vigílias. Embora sejam acompanhadas de distrações, não param de dar frutos, a menos que se peça o que não convém. Por isso, o diabo trava duras batalhas contra aqueles que fazem vigílias à noite, para fazê-los recuar desta prática, tanto quanto possível, principalmente se mostrarem ser nela perseverantes. Mas aqueles que combatem com fervor essas astúcias perniciosas e acolhem os dons de Deus concedidos nestas vigílias, experimentam pessoalmente grandes graças, desprezando e superando todas as investidas do mal e todos os seus estratagemas. 

('Sermões Ascéticos', de Santo Isaac da Síria)

segunda-feira, 15 de maio de 2023

O DOGMA DO PURGATÓRIO (LVI)

 

Capítulo LVI

Auxílio às Santas Almas - A Santa Missa - A Aparição de Eugenie Van de Kerchove - O Camponês e o Príncipe Polonês

Nada é mais conforme ao espírito cristão do que oferecer o Santo Sacrifício para o alívio das almas que partiram, e seria uma grande desgraça se o zelo dos fieis esfriasse a esse respeito. Deus parece multiplicar prodígios para nos impedir de cair em tão fatal relaxamento. O seguinte incidente é atestado por um digno padre da diocese de Bruges, que o recebeu de sua fonte primitiva, e cujo testemunho carrega toda a certeza de uma testemunha ocular sobre o fato. Em 13 de outubro de 1849, morreu com a idade de cinquenta e dois anos, na freguesia de Ardoye, na Flandres, uma mulher chamada Eugenie Van de Kerchove, cujo marido, John Wybo, era agricultor. Ela era uma mulher piedosa e caridosa, dando esmolas com uma generosidade proporcional aos seus meios.

Ela teve, até o fim de sua vida, uma grande devoção à Santíssima Virgem e, em sua honra, fazia abstinência nas sextas-feiras e nos sábados de cada semana. Embora sua conduta não fosse isenta de certas falhas domésticas, ela levou uma vida exemplar e edificante. Uma criada chamada Barbara Vennecke, de vinte e oito anos, uma jovem virtuosa e dedicada, e que havia ajudado sua patroa nos momentos finais de doença, continuou a servir a John Wybo, o viúvo de Eugenie.

Cerca de três semanas após a sua morte, a falecida apareceu à sua serva em circunstâncias que vamos relatar. Foi no meio da noite; Bárbara dormia profundamente, quando ouviu distintamente ser chamada três vezes pelo seu nome. Ela acordou sobressaltada e viu diante de si a sua patroa, sentada ao lado de sua cama, vestida em roupas de serviço, compostas por saia e jaqueta curta. Diante da visão, por estranho que pareça, Bárbara não se assustou nem um pouco e conservou a sua presença de espírito. A aparição falou com ela: 'Bárbara' - disse, simplesmente pronunciando seu nome.  'O que você deseja, Eugenie?' - respondeu a serva. 'Pegue o pequeno ancinho que muitas vezes lhe disse para colocar em seu lugar; remexa o monte de areia no quartinho; você sabe ao qual me refiro. Lá você encontrará uma certa quantia em dinheiro; use-a para rezar missas em minha intenção, dois francos para cada uma, pois ainda estou sofrendo'. 'Farei isso, Eugenie' - respondeu Bárbara, e no mesmo instante a aparição desapareceu. A serva, ainda bastante serena, adormeceu novamente e repousou tranquilamente até de manhã.

Ao acordar, Bárbara acreditou ter sido tudo um sonho, mas estava profundamente impressionada, pois tinha a impressão de ter ficado desperta e ter visto a sua velha patroa de forma tão distinta e tão cheia de vida, e da qual recebera instruções tão precisas, que não pôde deixar de pensar: 'Não é assim que sonhamos; vi a minha senhora pessoalmente; ela se apresentou diante dos meus olhos e falou comigo. Isto não é um sonho, mas uma realidade'. A seguir, ela pegou o ancinho conforme lhe fôra indicado, remexeu na areia e ali encontrou uma bolsa contendo a quantia de quinhentos francos.

Diante de circunstâncias tão estranhas e extraordinárias, a jovem julgou ser seu dever consultar o pastor e foi relatar-lhe tudo o que havia acontecido. O venerável Abade R., então pároco de Ardoye, respondeu que as missas pedidas pela falecida deviam ser celebradas mas, considerando a quantia em dinheiro, era necessário o consentimento prévio do marido. Este último consentiu de bom grado que o dinheiro fosse empregado para tão santo propósito, e as missas foram celebradas, sendo aplicados dois francos por cada missa. Chamamos a atenção para a circunstância da taxa, porque correspondia ao piedoso costume da falecida. A taxa para uma missa fixada pela tarifa diocesana à época era de cerca de um franco e meio, mas a esposa de Wybo, por consideração pessoal e ao clero, obrigado naquele momento de escassez a socorrer um grande número de pobres, concedia dois francos para cada missa que costumava celebrar.

Dois meses após a primeira aparição, Bárbara foi novamente acordada durante a noite. Desta vez, seu quarto foi iluminado por uma luz brilhante, e sua senhora revelou-se tão bela quanto nos seus dias de juventude, vestida com um manto de deslumbrante brancura, olhando-a com um sorriso amável. 'Bárbara' - disse com uma voz clara e audível - 'eu te agradeço; estou libertada'. Dizendo essas palavras, ela desapareceu e o quarto tornou-se escuro como antes. A serva, maravilhada com o que tinha visto, foi tomada de grande alegria. Essa aparição causou a impressão mais viva em sua mente, e ela preserva até hoje a lembrança mais consoladora de tudo. É dela que temos esses detalhes tão específicos, por especial concessão do venerável abade R., então pároco em Ardoye quando esses fatos ocorreram.

O célebre Padre Lacordaire, no início das conferências sobre a imortalidade da alma, que ministrou alguns anos antes de sua morte aos alunos de Soreze, relatou-lhes o seguinte incidente: o príncipe polonês de X., infiel e materialista declarado, acabara de compor uma obra contra a imortalidade da alma. Ele estava a ponto de enviá-la  à imprensa quando certo dia, passeando pelos seus parques, encontrou uma mulher que, em prantos, prostrou-se aos seus pés e tomada de profunda dor lhe disse: 'Meu bom príncipe, meu marido acaba de falecer. Neste momento, a sua alma talvez esteja sofrendo no Purgatório. Estou em estado de tal pobreza que não tenho nem mesmo a pequena quantia necessária para celebrar uma missa pelos defuntos. Por sua bondade, intervenha em meu auxílio em favor da alma do meu pobre marido'.

Embora o príncipe estivesse convencido da falsa credulidade daquela mulher, não teve coragem de recusar o seu pedido, dando-lhe então uma moeda de ouro. A pobre mulher correu em direção à igreja e fez a oferta ao sacerdote para oferecer algumas missas pelo repouso da alma do seu marido. Cinco dias depois, ao entardecer, o príncipe, no isolamento de seu escritório, estava lendo o manuscrito e retocando alguns detalhes do texto de sua autoria quando, erguendo os olhos, viu, diante de si, um homem vestido com trajes de camponês. 'Príncipe' - disse o visitante desconhecido - 'venho agradecer-lhe, pois sou o marido daquela pobre mulher que outro dia lhe implorou para lhe dar uma esmola, com a qual pudesse oferecer o Santo Sacrifício da Missa em intenção da minha alma. A tua caridade agradou a Deus: foi Ele quem me permitiu vir agradecer-te pessoalmente'. Ditas essas palavras, o camponês desapareceu como uma sombra. A emoção do príncipe foi indescritível e, de pronto, lançou os seus escritos às chamas, e se rendeu tão inteiramente à convicção da verdade que sua conversão foi imediata e completa, nela perseverando até a sua morte.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.

domingo, 14 de maio de 2023

EVANGELHO DO DOMINGO

  

'Aclamai o Senhor Deus, ó terra inteira, 
cantai salmos a seu nome glorioso!(Sl 65)

Primeira Leitura (At 8,5-8.14-17) - Segunda Leitura (1Pd 3,15-18)  -  Evangelho (Jo 14,15-21)

 14/05/2023 - Sexto Domingo da Páscoa 

25. 'NÃO VOS DEIXAREI ÓRFÃOS, EU VIREI A VÓS' 


A liturgia deste Sexto Domingo da Páscoa é centrada na ação santificadora do Espírito Santo, nas almas e na vida da Igreja, como primícias da Festa de Pentecostes que se aproxima. A graça santificante, que nos torna filhos adotivos de Deus, nos é atribuída pela apropriação do Divino Espírito Santo, na chamada 'inabitação trinitária', que procede e se faz na encarnação do próprio Deus, Uno e Trino, em nossas almas.

Estamos inseridos no contexto dos capítulos do Evangelho de São João, que integram o chamado 'testamento espiritual' de Cristo, que reproduzem o longo discurso feito por Jesus aos seus discípulos, logo após o banquete pascal, e no qual o Senhor expõe e revela, de forma abrangente e maravilhosa, a síntese e a essência dos seus ensinamentos e da sua doutrina. Doutrina que se resume no amor sem medidas, no chamado a viver plenamente a presença de Jesus Ressuscitado em nossas vidas, como testemunhas da fé e da fidelidade aos seus mandamentos: 'Se me amais, guardareis os meus mandamentos' (Jo 14, 15).

Eis aí o legado de Jesus aos seus discípulos: a graça e a salvação são frutos do amor, que é manifestado em plenitude, no despojamento do eu e na estrita submissão à vontade do Pai: 'Amai ao Senhor vosso Deus com todo vosso coração, com toda vossa alma e com todo vosso espírito. Este é o maior e o primeiro dos mandamentos' (Mt 22, 37-38). A graça nasce, manifesta-se e se alimenta do nosso amor a Deus, pois 'quem me ama será amado por meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele ' (Jo 14, 21). Nos mistérios insondáveis de Deus, somos transformados no batismo, pela infusão do Espírito Santo em nossas almas, em tabernáculos da Santíssima Trindade, moradas provisórias do Pai, do Filho e do Espírito Santo, como sementes da glória antecipada das moradas eternas na Casa do Pai.

A presença permanente da Santíssima Trindade em nossas vidas vem por meio da manifestação do Espírito Santo, o Defensor, o Paráclito, conforme as palavras de Jesus: 'Não vos deixarei órfãos. Eu virei a vós' (Jo 14, 18) e ainda 'eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro Defensor, para que permaneça sempre convosco' (Jo 14, 16). Como templos do Espírito Santo e tabernáculos da Santíssima Trindade, somos moldados como obras de Deus para viver em plenitude o Espírito da Verdade. Sob a ação do Espírito Santo, podemos, então, trilhar livremente o caminho da santificação, até os limites de um despojamento absoluto do próprio ser para a plena manifestação da glória de Deus em nós.

sábado, 13 de maio de 2023

FÁTIMA - 106 ANOS (1917 /2023)

  

'Santíssima Trindade, Pai, Filho, Espírito Santo, adoro-Vos profundamente e ofereço-Vos o Preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrários da Terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele mesmo é ofendido. E pelos méritos infinitos de seu Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos pobres pecadores'.

Ver Postagem Especial na Biblioteca Digital do Blog
(a história completa de Fátima resumida em 100 questões):


FÁTIMA EM 100 FATOS E FOTOS