segunda-feira, 25 de maio de 2020

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (LI)

XLIV

DO ESTADO INTERMEDIÁRIO DAS ALMAS ANTES DA RESSURREIÇÃO UNIVERSAL: O PURGATÓRIO

Para onde guia e conduz Jesus Cristo, por meio dos sacramentos e das inspirações do Espírito Santo com que governa a sua Igreja, a espécie humana redimida com o preço do seu sangue?
Ao reino da glória imorredoura.

É suficiente que a ação redentora de Jesus Cristo atinja os homens, para que instantaneamente e sem transição consigam a vida eterna?
Não, senhor; porque, se bem que os méritos de Jesus Cristo e os sacramentos, por cuja virtude se aplicam aqueles méritos aos homens, têm bastante eficácia para consegui-lo, dispôs a divina Sabedoria que não fosse plenamente restaurada em seus indivíduos a natureza humana, condenada como pecadora a expiar a culpa original, até o término da sua peregrinação na terra. Esta é a razão porque os batizados e os que recebem os sacramentos, ainda que pessoalmente santificados, continuam sujeitos às penalidades da vida presente e à mais terrível de todas, a morte (LXIX, 1).

Logo, só quando acabem as gerações, será completa e definitiva a vitória sobre a morte, e só então poderão ressuscitar os homens e gozar em corpo e alma as delicias da glória celeste?
Só então, e, até que aquele dia chegue, permanecerão, desde o dia da sua morte, num estado intermediário.

Que entendeis quando afirmais que permanecerão num estado intermediário?
Que, ou não recebem total e imediatamente o seu merecimento ou que, se bem que os justos alcançam o prêmio e os réprobos o castigo, devidos pelas respectivas obras que praticaram neste mundo, nem a recompensa dos primeiros é plena, nem o castigo dos segundos alcança a intensidade que há de ter eternamente, até que chegue o dia da ressurreição universal (LXIX, 2).

Como se chama o lugar intermédio onde moram os que não alcançam imediatamente a recompensa dos seus méritos?
Chama-se Purgatório (LXXI, 6; Apêndice, II).

Quais são as almas que vão para o Purgatório?
As dos justos que morrem em graça, porém, no instante de falecer não satisfizeram plenamente a pena temporal devida pelos seus pecados (Ibid).

Logo, o Purgatório é lugar de expiação destinado a satisfazer á Justiça divina antes de entrar no Céu?
Sim, senhor; e não há nada mais conforme com a Misericórdia e Justiça de Deus.

Como e em que resplandece no Purgatório a Misericórdia de Deus?
Primeiramente, em que Deus se digna conceder aos justos, ainda depois da morte, tempo e meios para satisfazer pelos seus pecados e para que, plenamente absolvidos no tribunal divino, se preparem para entrar no céu. Em segundo lugar, porque, mediante a comunhão dos santos, estabeleceu um meio para que os fiéis da Igreja militante possam auxiliá-los e apressar a sua entrada na glória, oferecendo, em compensação pelo que eles devem satisfazer, o valor satisfatório das suas obras e aplicando-lhes, por meio das indulgências, os méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo, da Santíssima Virgem e de todos os Santos (LXXI, 6).

Qual é o meio mais eficaz de que dispõem os justos da terra para mitigar os tormentos das almas do Purgatório?
O de oferecerem por elas o Santo Sacrifício da Missa.

Quando se oferece o sacrifício da missa pelas almas do Purgatório, tem grande importância e especialíssima eficácia o fervor e devoção do oferente, seja este o sacerdote que a celebra ou o simples fiel que a faz celebrar?
Sim, senhor; porque, tratando-se do valor satisfatório de uma obra boa, se bem que Deus atenda ao seu mérito intrínseco (e neste sentido o valor da missa é infinito), olha e atende mais ao fervor e boas disposições de quem o faz (LXXI, 9; Terceira Parte, LXXIX, 5).

Logo, Deus taxa o fruto aplicável da missa conforme a devoção de quem pede que se celebre?
Sim, senhor; e por aqui verão quanto lhes importa ter devoção.

Quando um justo oferece obras satisfatórias em sufrágio pelas almas do Purgatório em geral, por um grupo determinado, ou por alguma em particular, aplica Deus o sufrágio conforme o pede o oferente?
Sim, senhor (LXXI, 6).

Podem, também aplicar-se às almas do Purgatório em geral, ou a algumas em particular, as indulgências, quando a Igreja o autoriza?
Sim, senhor; já que neste caso, tudo depende da intenção de quem as ganha e das condições que a Igreja estabelece nos termos da concessão (Ibid.; Código cânon 930).

Entram no céu as almas detidas no Purgatório no momento em que completam a satisfação?
Sim, senhor (LXIX, 2; Apêndice, II, 6).

XLV

O CÉU

Que entendeis por Céu?
O lugar onde, desde o princípio do mundo, moram os anjos bem-aventurados e, desde o dia da gloriosa ascensão de Cristo, os justos redimidos com o seu Sangue.

Que condições hão de reunir os justos para entrar no Céu?
Ter terminado a sua vida mortal e satisfeito à Justiça divina pelos seus pecados (LXIX, 2).

Pode entrar no Céu alguma alma, imediatamente depois da morte?
Sim, senhor; entram as dos justos que, além de morrer incorporadas a Cristo mediante a graça, satisfizeram plenamente neste mundo a pena correspondente aos seus pecados (Ibid).

Entram também no Céu, imediatamente depois da morte, os meninos batizados que falecem antes do uso de razão?
Sim, senhor; porque no batismo se lhes perdoou o pecado original, único que podia impedi-los.

Sucede o mesmo aos que, já adultos e com pecados pessoais, recebem com as devidas disposições o batismo e morrem antes de cometer novas culpas?
Sim, senhor; porque o batismo, recebido com as disposições convenientes, tem eficácia para aplicar-lhes em toda a sua plenitude, os méritos da paixão de Cristo (Terceira Parte, LXIX.1, 2, 7, 8).

E os que, depois do batismo, cometeram pecados mortais ou veniais e não fizeram a penitência suficiente para a remissão da pena temporal, podem entrar imediatamente no Céu, se entregam o espírito a Deus num ato de caridade perfeita?
Sim, Senhor; e especialmente se este ato é o martírio (2.a, 2.a, CXXIV, 3).

Em que se ocupam os bem aventurados no Céu?
Em gozar, desde o primeiro momento, da felicidade quase infinita, que é a visão de Deus (l.a, XII, 11).

Podem os justos no Céu ver a essência divina por virtude própria ou necessitam que Deus lhes infunda uma qualidade nova, ou perfeição intelectual distinta das que já possuíam, originadas na graça, nas virtudes e nos dons?
Necessitam que Deus lhes conceda a perfeição suprema da ordem sobrenatural (Ibid., XII,5).

Como se chama?
A luz da glória (Ibid).

Que entendeis por luz da glória?
Uma qualidade produzida por Deus na mente dos bem aventurados, que lhes permite unirem-se à essência divina, como a princípio do ato da visão intelectual (Ibid).

Que se segue da união da essência divina com a inteligência dos justos, provida da luz da glória?
Que vêem e contemplam a Deus como Deus é em si mesmo (Ibid).

É este modo de ver o que se procura fazer compreender com as palavras: 'ver a Deus face a face'?
Sim, senhor; tal é a visão prometida nas Sagradas Escrituras, última e mais nobre perfeição da obra divina, pois que faz o homem semelhante a Deus, na medida em que pode sê-lo uma criatura.

Logo, a visão da essência divina é o fim que Deus se propõe ao criar, conservar e reger o universo?
Sim, senhor; e quando, devido ao seu governo providencial, se tenha santificado o último eleito, e com sua entrada no céu se complete o número dos predestinados, terminará a evolução e a marcha do mundo atual e começará a que corresponde ao estado da ressurreição.

Podemos saber quando sucederá isto?
Não, senhor; porque depende da ordem da predestinação, que é o segredo mais impenetrável do plano divino.

Interessa aos bem aventurados saber a vida dos homens e os sucessos do mundo em que viveram?
Sim, senhor; porque no mundo continua desenrolando-se o mistério da predestinação, cujo cumprimento há de coincidir com a sua ressurreição gloriosa e com a absoluta plenitude da sua felicidade.

Sabem e vêem o que sucede na terra?
Vêem no mesmo Deus os sucessos que particularmente dizem respeito a cada um, na ordem da predestinação.

Chegam ao seu conhecimento as orações que se lhes dirigem, e conhecem as necessidades espirituais ou temporais de quem lhes toca mais de perto?
Certamente que sim e estão sempre dispostos a atender as orações e prover às necessidades, interpondo a sua valiosa influência junto de Deus (LXXII, 1).

Logo, por que nem sempre experimentamos os efeitos da sua intercessão?
Porque no Céu se julga das coisas com critério divino, e pode suceder que não se ache bom, nem conforme com o plano da providência o que, visto com critério humano, assim nos parece (LXXII, 3).

Logo, pode haver comunicação permanente entre nós que vivemos desterrados no mundo e os que gozam a segurança da pátria celestial?
Sim, senhor; pois que consiste em lembrarmo-nos deles, congratularmo-nos da sua ventura, e pedir-lhes que nos ajudem com a sua intercessão a alcançá-la também.

XLVI

DO INFERNO

Existe algum lugar de condições diametralmente opostas às do Céu, e que nome tem?
Sim, senhor; existe e recebe o nome de Inferno (LXIX, 2).

Que é o Inferno?
O lugar onde padecem horríveis tormentos todos os que se rebelaram contra a ordem da divina providência e predestinação, e em seus pecados e crimes se obstinaram para nunca mais se converterem.

Quais são os que se acham em tão miserável estado?
Os anjos rebeldes e os homens que morreram em impenitência final (Ibid).

Que se segue do fato dos condenados jamais poderem arrepender-se das suas culpas?
Que serão eternos os tormentos que por elas padecem.

Não poderia Deus por limites a tais suplícios?
De modo absoluto, sim, senhor, já que é Onipotente; porém, não o fará, porque Ele mesmo decretou (e as suas determinações são irrevogáveis) que os seres racionais, chegados ao termo da sua peregrinação, sejam confirmados para sempre no bem ou no mal e, enquanto dure o pecado, durar deve o seu castigo (XCIX, 1, 2).

Logo, os condenados padecerão eternamente as penas do inferno?
Sim, senhor (Ibid).

Quais são essas penas?
Há penas de duas classes: a pena de dano e a do sentido (XCVIII 1, 2).

Em que consiste a pena de dano?
Em ver-se privado da posse do Bem infinito que os justos contemplam na glória.

É esta a maior pena dos condenados no Inferno?
É e será eternamente o seu tormento mais cruel.

Por que?
Porque, chegados ao seu estado de finalidade, têm noção exata da grandeza do Bem que perderam, por terem corrido atrás de outros bens cuja pequenez agora compreendem, e pela convicção profundíssima que têm de havê-lo perdido exclusivamente por sua culpa. 

Logo, o remorso da consciência e a convicção da sua responsabilidade na perda do Bem infinito, é o que o Evangelho designa com o nome de verme roedor que nunca morre?
Sim, senhor; porque o tormento mais atroz para um ser consciente é este verme roedor, cujas mordeduras seriam suficientes para matá-lo mil vezes se pudesse morrer (Ibid).

Entende-se também em sentido metafórico e puramente espiritual a outra pena do Inferno que o Evangelho chama fogo que não se apaga?
Não, senhor; este é um fogo material, visto que o Evangelho fala da pena do sentido (XCVII, 5 ad 3).

Mas como pode o fogo material atormentar os espíritos e as almas separadas dos seus corpos?
Porque Deus lhe comunica a virtude preternatural para que sirva de instrumento à sua justiça (LXX, 3).

Atormenta por igual a todos os condenados?
Não, senhor; porque, como instrumento da divina justiça, a sua ação será proporcionada à espécie, número e gravidade dos pecados de cada réu (XCVII, 5 ad 3).

Cresce o suplício dos condenados com a companhia e horrível sociedade de todos os criminosos e malfeitores do gênero humano, misturados com os demônios cujo fim é atormentá-los, às ordens do seu príncipe e rei das trevas?
Sim, senhor, e isto parece significar o Evangelho quando fala das trevas exteriores onde só se ouvem prantos e ranger de dentes (XCVII, 3, 4).

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)

domingo, 24 de maio de 2020

PÁGINAS COMENTADAS DOS EVANGELHOS DOS DOMINGOS


'O Deus de nosso Senhor Jesus Cristo... manifestou sua força em Cristo, quando o ressuscitou dos mortos e o fez sentar-se à sua direita nos céus, bem acima de toda a autoridade, poder, potência, soberania ... Sim, ele pôs tudo sob os seus pés e fez dele, que está acima de tudo, a Cabeça da Igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que possui a plenitude universal' (Ef 1 17.20 - 23)

sábado, 23 de maio de 2020

VIDA DE ORAÇÃO


➤ A oração é a união da mente e do coração com Deus, uma conversação viva com Ele, presença venerável diante da fonte da vida. Por isso durante a oração é preciso se esquecer de tudo aquilo que está ao redor e se apresentar a Deus com profundo reconhecimento de sua incapacidade e indignidade. Uma oração sincera ilumina e reanima a alma, e lhe dá a oportunidade de sentir o sabor da felicidade próxima. Ela dá força à alma e ao corpo, ilumina a face. Ela — que é um fio de linha dourado, une a criatura ao Criador. Ela dá coragem e força diante de quaisquer tentações, contribui no sucesso nos negócios, reforça a fé e outras virtudes, auxilia na melhoria da vida, gera lágrimas de arrependimento e nos dispões para obras de caridade.

➤ Para vivermos uma vida cristã e para que o espírito não se apague dentro de nós, é indispensável a oração caseira e a oração comunitária. Assim como é indispensável adicionar óleo na lamparina para que não se apague, é indispensável frequentar a Igreja, participar dos ofícios e ali rezar com fé, com compreensão e fervor. E como a oração torna-se mais sincera e fervorosa através da abstinência, é preciso viver moderadamente e observar o jejum. Nada extingue o espírito em nós tão depressa quanto a imoderação, o abuso e maneira dispersa de vida...

➤ As pessoas caíram na descrença por não fazerem orações. Seus corações vazios abrem espaço para o príncipe desta era agir neles. Essas pessoas não suplicam ao Senhor pelo orvalho vivificante da graça do Espírito Santo, e assim, seus corações corrompidos por sua natureza, ficam totalmente ressecados e começam a arder com a chama infernal da descrença e diversas impetuosidades...Para poder passar o dia inteiro em total santidade, em paz e sem pecados, o único recurso — é a mais sincera e fervorosa oração matinal logo após o sono. Ela introduzirá Cristo com o Pai e o Espírito Santo dentro do coração, e desta maneira dará forças à alma para resistir ao mal.

➤ Às vezes, ao longo da oração, apenas alguns minutos são agradáveis a Deus e compõem um serviço sincero para Ele. Na oração o principal é levar seu coração a Deus experimentando desse modo a doçura da presença de Deus na alma. O mérito da tua oração será medido pelos critérios humanos. Assim, por exemplo, às vezes nos encontramos com pessoas frias, e por decoro nós as elogiamos e agradecemos hipocritamente, ou fazemos alguma coisa para elas sem a sinceridade do coração. Às vezes porém fazemos isso com sinceridade, calor e amor. Do mesmo modo também agimos com Deus. E não é assim que tem de ser. É preciso sempre manifestar a Deus glória, gratidão e súplicas do fundo do coração. Devemos amá-Lo com todo coração e confiar Nele.

➤ A oração é a elevação da mente e do coração a Deus. Disto é evidente que não consegue rezar aquele que tem a mente e o coração atados a algo carnal, como por exemplo, ao dinheiro, à honra, ou quem odeia ou tem inveja do próximo. Isto acontece porque as paixões amarram o coração no momento em que Deus lhe dá a verdadeira liberdade. Se esforce para a simplicidade da criança no trato com as pessoas e na oração a Deus. A simplicidade é a maior benção e dignidade da pessoa. Deus é totalmente simples, pois é totalmente espiritual e bom. Não permita que a sua alma se divida para o bem e o mal.

➤ Quando estiver orando, é essencial tomar o poder do nosso coração e dirigi-lo até o Senhor... Será que é bom ouvir a repreensão do Senhor? 'Este povo somente Me honra com os lábios; seu coração, porém, está longe de Mim' (Mt 15,8)... O que Deus quer precisamente é o nosso coração: 'Filho, dá-me o teu coração' (Pr 23, 26). Pois o coração é a parte mais importante na pessoa. Consequentemente, aquele que não ora a Deus com todo seu coração, é o mesmo que não tenha rezado. Nossa oração deve ser toda espírito e consciência.

➤ Pronuncie as palavras da oração com o coração firme. Por exemplo, quando rezar à noite, não se esqueça de expor ao Espírito Santo com toda sinceridade e arrependimento do fundo do coração, os pecados que você comete durante o dia. Apenas alguns instantes de arrependimento sincero — e você será purificado pelo Espírito Santo de todo o mal; estará mais branco do que a neve. Então, lágrimas irão escorrer de seus olhos, a vestimenta da verdade de Cristo o cobrirá e você estará unido com Cristo, juntamente com o Pai e o Espírito.

(São João de Kronstadt – Minha Vida em Cristo)


sexta-feira, 22 de maio de 2020

22 DE MAIO - SANTA RITA DE CÁSSIA


A santa, que padeceu uma vida doméstica de sofrimentos e provações, tornou-se a advogada dos desesperados e a padroeira das causas impossíveis. Filha única de pais já envelhecidos - Antonio Mancini e Amata Ferri - Margherita (que ficou Rita) nasceu no vilarejo de Roccaporena, na região de Cascia, na Úmbria (centro da Itália) em 1381. Inclinada à vida religiosa, cedeu às tratativas paternas e aos rigores da época, desposando, logo após a adolescência um homem chamado Paulo Ferdinando, com o qual teve dois filhos.

Sua vida matrimonial, entretanto, foi um período de enormes provações e humilhações em relação ao marido, sempre violento e agressivo. Depois de muitas orações pelo marido, este se converteu e passaram a formar uma igreja doméstica até que uma tragédia a desfez por completo: Paulo foi assassinado numa ato de vingança devido às suas desavenças passadas. Outra tragédia se anunciava: os dois filhos estavam decididos a vingar a morte do pai. Rita preferiu perdê-los do que eles ao Céu e ofereceu as suas vidas a Deus antes de cometerem tal crime. Com efeito, cerca de um ano após a morte do pai, ambos faleceram, arrependidos do sentimento de vingança.

Rita ficou, então, sozinha no mundo e buscou, sem sucesso, a vida religiosa, por já ter vivido uma união matrimonial por 18 anos. A opção por converter-se em uma monja agostiniana foi-lhe repetidamente negada. Entregando a sua vocação nas mãos de Deus e sobrecarregando-se em orações, alcançou a causa impossível por um milagre extraordinário. Certa feita, foi conduzida por três pessoas à capela interna do mosteiro, totalmente fechado e a altas horas da noite: São João Batista (também concebido na velhice dos pais), Santo Agostinho (fundador da ordem agostiniana) e São Nicolau de Tolentino (religioso agostiniano). Diante do relato e dos fatos sobrenaturais, Rita foi aceita na ordem, dedicando o resto da sua vida aos votos de pobreza, obediência e castidade. 

A sua extrema capacidade de servir, obedecer e aceitar mesmo o que aparentemente poderia ser improvável pode ser compreendido no milagre que transformou um ramo seco, regado periodicamente e com grande diligência pela santa, numa videira que produziu muitos e muitos frutos. Ou, quase no final de sua vida, com a roseira que, sob os seus cuidados, floriu viçosa em pleno inverno rigoroso. Por 15 anos, estigmatizada, padeceu os sofrimentos e as dores de uma ferida repugnante na testa, que expelia pus e que exalava mau odor, o que a a levou a uma vida de isolamento e de absoluto confinamento numa cela do convento.

Aos 76 anos, Santa Rita de Cascia (adaptado como Cássia) faleceu no convento, em 22 de maio de 1457, sem deixar quaisquer registros escritos, mas os exemplos heroicos de uma vida de santidade. Morta, a ferida tornou-se limpa e passou a exalar um odor perfumado. Foi beatificada em 1627, ocasião em que o seu corpo mostrou-se no mesmo estado quando da sua morte, mais de cento e cinquenta anos antes. Seu corpo atualmente repousa no Santuário de Cascia, desde 18 de maio de 1947, numa urna de prata e cristal.  Exames médicos recentes efetuados no corpo confirmaram os traços de uma ferida óssea (osteomielite) na testa. A santa das causas impossíveis foi canonizada em 24 de maio de 1900, sob o pontificado do Papa Leão XIII.


(urna de cristal com o corpo de Santa Rita de Cássia)

Santa Rita de Cássia, rogai por nós!

quinta-feira, 21 de maio de 2020

CANTOS DA MISSA TRADICIONAL (II): VIDI AQUAM

Vidi Aquam (Ez 47,9; Sl 117,1) é a antífona cantada no início das missas dos domingos do Tempo Pascal, durante o cerimonial da aspersão da água benta, em substituição ao canto Asperges Me, entoado nos domingos fora do Tempo Pascal. Ao receber a aspersão, o fiel deve fazer o Sinal da Cruz. Durante a entoação das palavras: 'Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo', o sacerdote se volta para o altar e reclina respeitosamente a cabeça, continuando, a seguir, a prática da aspersão aos presentes. Caso necessário, o canto é repetido em sua parte inicial ou no todo.



Vidi aquam  egredientem de templo, a
latere dextro, alleluja: et omnes, ad quos
pervenit aqua ista, salvi facti sunt, et dicent:
alleluia, alleluia. Confitemini Domino,
quoniam bonus: quoniam in sæculum
misericordia ejus.
Gloria Patri, et Filio, et Spiritui Sancto
.sicut era in principio, et nunc, et semper,
et in saecula saeculorum. Amen. 

Vi a água jorrando do lado direito
do Templo, aleluia; e todos a quem
chegou esta água, serão salvos
e dirão: aleluia, aleluia.
Confessai ao senhor porque Ele é bom;
porque é eterna a sua misericórdia.
Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo
assim como era no princípio, agora e sempre,
por todos os séculos dos séculos. Amém.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

LEMBRANDO OS MÁRTIRES DE ABITENE...


Em 24 de fevereiro de 303, o imperador Diocleciano publicou um decreto proibindo aos cristãos, sob pena de morte, ter posse das Escrituras, reunir-se aos domingos para celebrar a Eucaristia e construir templos para os cultos da sua religião. Em Abitene, pequena localidade da África romana (na atual Tunísia), o bispo local (chamado Fundano) sucumbiu covardemente ao edito e entregou os Textos Sagrados às autoridades romanas. 

Alguns cristãos, porém, se recusaram a abdicar da fé cristã e continuaram professando a devoção corrente aos sacramentos. Num certo domingo, rezando a missa clandestinamente, 49 cidadãos de Abitene foram denunciados, presos e levados à presença das autoridades romanas em Cartago. Um a um, foram interrogados sobre a ilegalidade destes encontros e um a um, mesmo sob tortura, ratificaram os seus atos e a sua participação no santo sacramento da eucaristia por vontade e consciência próprias. 

O presbítero Saturnino, que havia presidido o culto, morreu sob tortura sem abdicar da sua fé cristã, sendo o seu ato seguido igualmente pelos seus quatro filhos: Saturnino, Felix, Maria e Hilarião, o mais novo. Quando perguntaram a Emérito porque participara do culto, ele respondeu: Sine Dominico non possumus! [Sem o domingo, não podemos (viver)!]. Isto é, sem o domingo, sem o sacramento da missa e da eucaristia, não podemos ser realmente católicos, não podemos viver sem celebrar o Dia do Senhor! Todos os demais proclamaram esse mesmo princípio e, por ele, foram todos assassinados como mártires da eucaristia.

Segundo a Tradição, eis os nomes dos 49 mártires de Abitene: Saturnino (pai), Saturnino (filho), Felix, Maria, Hilarião, Emérito, Dativo, Ampélio, Felix (outro), Rogaciano, Quinto, Maximiano ou Máximo, Tecla ou Tazelita, Rogaciano (outro), Rogado, Januário, Cassiano, Vitoriano, Vicente, Prima, Ceciliano, Restituta, Eva, Rogaciano (terceiro com o mesmo nome), Givalio, Rogado (outro), Pompônia, Secunda, Januária, Saturnina, Martino, Clautus, Felix (terceiro com o mesmo nome), Margarida, Maggiora, Honorata, Regiola, Vitorino, Pelúsio, Fausto, Deciano, Matrona, Cecília, Vitória, Herculina, Secunda (outra), Matrona (outra), Januária (outra) e Benigno, filho recém-nascido de Ampélio.

Acabamos de viver uma Páscoa sem sacramentos - um cenário indescritível nos 2000 anos da Igreja. Fundano é exemplo para quem? Pelo sangue destes mártires, a Igreja primitiva nos faz recordar que é melhor um cristão morrer do que abdicar da eucaristia e dos santos sacramentos... Quantos homens de Deus, nestes tristes tempos, seriam capazes de seguir até o fim o exemplo extremado dos 49 mártires de Abitene: sem o Domingo, o dia do Senhor, nós já não podemos viver?

terça-feira, 19 de maio de 2020

A VIDA OCULTA EM DEUS: A MANSIDÃO


A mansidão é uma das virtudes morais mais importantes para a vida contemplativa. Para nos dedicarmos à contemplação, precisamos da paz interior e exterior. A mansidão acalma a agitação de nossa alma e nos permite preservar a mais valiosa paz interior e exterior; facilita a oração, o diálogo em família e a conversa íntima com Deus; graças a isso, podemos ouvir a voz de Deus e segui-la. Existe em nós um poder de reação e irritação que nos permite lutar contra os obstáculos e combater o mal presente. É bom e lícito em si; sem ele, não seríamos capazes de agir, nossa alma tenderia a ser como uma roupa gasta e inerte e não seríamos capazes de reagir sensivelmente contra mal nenhum, nem mesmo contra o pecado.

Mas esse apetite, que por si só não é ruim, torna-se facilmente desordenado e repreensível quando se fica com raiva de coisas que não importam ou por razões que não são boas. Então, nasce na alma um desejo de vingança. Quando somos contrariados e feridos, sofremos e, porque sofremos, mantemos em nossos corações o desejo secreto de revidar no momento oportuno.

Portanto, é aconselhável ter muito cuidado porque essa é a pior coisa que existe na raiva, não só por ser contrária à caridade para com o próximo, a quem devemos querer bem, mas também muitas vezes contra a justiça. O terreno é escorregadio; pois esse desejo de vingança totalmente consentido, exceto no caso de matéria leve, poderia tornar-se um pecado mortal. Numa alma piedosa, o desejo surdo de vingança não é totalmente consentido, mas é perturbador por princípio e, como uma corrente profunda e semi-consciente, pode inspirar toda a nossa atividade sem que percebamos disso.

Daí aquelas estocadas, as provocações, aquelas palavras pretensamente amáveis ​​que têm suas gotas de amargura no final e com que habilidade o momento propício é capturado para machucar, morder ou espetar! Mas isso não é bom, pois é essencialmente contrário à virtude da mansidão e intimidade com Deus. Nunca uma alma que mantém esse sentimento - e nem estou falando de um grande desejo de vingança, mas daquele desejo que está oculto e que nem mesmo alguém deseja confessar a si mesmo - nunca esta alma poderá alcançar a paz. Este é um mal-estar espiritual muito doloroso que impede a completa tranquilidade e serenidade necessárias para contemplar a Deus.

A segunda e mais comum forma de imperfeição oposta  à virtude da mansidão é a impaciência, o mau humor. Quando nosso julgamento é contrariado, sentimos irritação, descontentamento, birra. Parece que se tira algo de nós, da nossa alma: uma preferência, um gosto por alguma coisa secundária que nos agradava, uma vontade que assumimos como nossa ... e sentimos a necessidade de demonstrar o nosso descontentamento por uma manifestação externa e, daí, o encolher dos ombros, a resposta inflamada e altiva, o olhar furtivo.

É aí que a virtude da mansidão deve intervir para paralisar o apetite irascível, com força reativa a outra força, para impedir de extravasar o que sentimos. Temos que ficar calados. Nenhuma palavra. Nem mesmo uma daquelas frases que parecem tão oportunas, tão justas. Não tente se  explicar. Mantenha-se calado! Se for possível, fale em um tom absolutamente moderado, totalmente amigável. Mas se não for possível, mantenha-se calado para deter, reprimir e sufocar a erupção vulcânica que está prestes a acontecer.

Para nos entregarmos a Deus na vida contemplativa, precisamos nos possuir primeiro. Uma alma que não sabe ter autocontrole não pode alcançar a paz. Existem mais ou menos dificuldades neste caminho, dependendo do temperamento de cada um, mas os movimentos desordenados devem ser dominados por esforços longos e pacientes. Caso contrário, a pessoa está sempre ocupada em ficar aborrecida ou aborrecer os outros. Está sempre refém de ficar ruminando na mente as coisas ditas, o que vai dizer ou o que poderia ter dito, e a pobre alma não arreda pé daí. É um novelo que não se desata, assim que parece terminar, recomeça. É impossível entregar-se a Deus durante esse tempo. Todo o período de oração será tomado por essa discussão interior com quem e com o que nos machucou. E é pena muito grande perder a própria oração! No final, diremos a nós mesmos: 'O que eu estava pensando? Fui infeliz, sofri e não rezei porque não consegui controlar essa paixão, essa corrente subterrânea que levou tudo consigo'.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte I -  O Esforço da Alma; tradução do autor do blog)