terça-feira, 22 de outubro de 2019

A CATEDRAL SUBMERSA


Conta uma velha lenda que existia uma ilha aonde o povo era muito virtuoso e nela havia uma belíssima catedral gótica, com torres e sinos de ouro. A catedral assim brilhava porque refletia a piedade e a virtude daquela população. Quanto melhor se comportavam as pessoas, mais intenso era o brilho refletido pela catedral.

Mas – ó desgraça – a partir de um certo momento, a moral das pessoas começou a decair e, com isso, a catedral foi perdendo o brilho, ficando opaca e depois escura e, por fim, quando mal podia ser vista e a população vivia na iniquidade, eis que um maremoto destruiu a ilha e submergiu a antiga catedral. De tempos em tempos, eventos sísmicos fazem a catedral emergir e o vento faz ainda repicar os seus sinos. Mas logo estes se calam e a catedral volta para o fundo do mar, em repouso submersa.

Esta catedral é a figura de muitas almas. Quando virtuosas e plenas de bons exemplos, brilham com destacado esplendor. Mas, na decadência dos seus atos, perdem o brilho e o eco dos seus feitos, tornam-se empalidecidas e depois opacas e submergem, enfim, nas trevas do pecado. Às vezes, uma palavra qualquer ou uma ação isolada fazem renascer das águas a catedral submersa. Por pouco tempo, porém, pois os prazeres e as veleidades do mundo a arrastam de imediato, outra vez, para o fundo de suas próprias misérias.

Caro leitor, mantenha a sua catedral livre das águas turbulentas desse mundo fútil e corrompido. Erga a voz da fé - os sinos da alma! - para com todos os homens e em todos os tempos, sem concessões dúbias ao respeito humano. A oração perseverante, a comunhão frequente e uma piedosa devoção a Nossa Senhora são as âncoras seguras para firmar a catedral da sua alma sobre rocha firme e torná-la o límpido cristal capaz de refletir em plenitude a própria luz de Cristo!

(texto reescrito e adaptado pelo autor do blog de original publicado na revista 'O Desbravador')

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

SEIS ÓDIOS E UMA ABOMINAÇÃO

'Seis coisas há que o Senhor odeia e uma sétima que lhe é uma abominação: olhos altivos, língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente, um coração que maquina projetos perversos, pés pressurosos em correr ao mal, um falso testemunho que profere mentiras e aquele que semeia discórdias entre irmãos' (Pv 6, 16-19)


DA PACIÊNCIA NA POBREZA E NAS PERSEGUIÇÕES

Devemos, em segundo lugar, praticar a paciência nos incômodos da pobreza, quando os bens temporais nos vêm a faltar.  'Que é que vos poderá bastar', pergunta Santo Agostinho, 'se Deus não vos bastar'? Quem tem Deus, tem tudo, ainda que lhe faltem todas as outras coisas. Pode dizer então: 'Meu Deus, sois tudo para mim'! É por isso que o Apóstolo diz que os santos nada têm e possuem tudo (II Cor 6, 10). Quando, portanto, vos faltarem os remédios nas enfermidades, vos faltar a alimentação, vos faltar o fogo no inverno, vos faltarem as vestes, dizei: 'Meu Deus vós só me bastais' e assim contentai-vos.  

Suportai, do mesmo modo, as perdas das criaturas, como bens temporais, parentes e amigos... Dizei-me o que lucrais em abandonar-vos à melancolia? Pensais talvez que assim agradais à pessoa falecida. Não, decerto; desagradais a Deus e também ao defunto. Quanto mais grato seria a esse que vos conformásseis com a vontade divina e vos aplicásseis não a chorar, mas unir-vos mais com Deus e orar pela sua alma, caso se ache no purgatório! Derramar algumas lágrimas com a morte dos seus é fraqueza que se concede à natureza; mas lamentar-se demais é fraqueza de espírito e de amor de Deus. As religiosas santas [o texto foi dirigido originalmente à orientação espiritual de religiosas] sentem também a morte das pessoas amigas, mas logo se resignam, pensando que tal foi a vontade de Deus e com paz vão orar por elas. Em seguida multiplicam suas preces, as comunhões, e se apegam mais com Deus, reavivando a esperança de ir um dia possui-lo juntamente no céu. 

É necessário, em terceiro lugar, praticar a paciência nos desprezos e nas perseguições. 'Eu não cometi falta alguma', direis vós; 'para que hei de sofrer esta afronta, esta perseguição'? Deus não quer isto. Mas ignorais a resposta de Jesus Cristo a São Pedro mártir que se queixava de estar preso injustamente, dizendo: 'Que mal fiz eu, Senhor, para sofrer esta perseguição'? Jesus crucificado lhe respondeu: 'E eu que mal fiz para ser cravado nesta cruz'? 

Se, pois, o divino Redentor houve por bem abraçar a morte por vosso amor, não é demais que abraceis esta mortificação por seu amor. É verdade que Deus não quer o pecado de quem vos insulta e persegue, mas quer que sofrais esta contrariedade por seu amor e também para vosso bem. Se nós não cometemos a falta que nos é imputada, diz Santo Agostinho, temos todavia outros pecados que merecem estes castigos, e até castigos muitos maiores. 

... Não há remédio, diz o Apóstolo: 'todos aqueles que querem seguir a Jesus Cristo hão de sofrer perseguição' (II Tm 3,12). 'Se, pois, não quereis sofrer coisa alguma', continua Santo Agostinho, 'é para se temer que não tenhais ainda começado a seguir Jesus Cristo'. Quem foi mais inocente e mais santo que o nosso divino Salvador? Entretanto, os homens o perseguiram e o fizeram morrer coberto de chagas e de ignomínias em sua cruz. É por isso que São Paulo para nos animar a sofrer com calma as perseguições, nos exorta a ter sempre diante dos olhos o crucifixo: 'Lembrai-vos constantemente daquele que foi alvo de tantas contradições por parte dos pecadores' (Hb 12, 6). Tenhamos por certo que, se sofrermos com paz as perseguições, Deus tomará a si a defesa da nossa causa; e, se, por acaso, permitir que vivamos desonrados nesta terra, o fará para recompensar depois a vossa paciência com honras maiores em outra vida.

(Excertos da obra 'A Verdadeira Esposa de Jesus Cristo', de Santo Afonso Maria de Ligório)

domingo, 20 de outubro de 2019

PÁGINAS COMENTADAS DOS EVANGELHOS DOS DOMINGOS


'Proclama a palavra, insiste oportuna ou importunamente, argumenta, repreende, aconselha, com toda a paciência e doutrina' (2Tm 4,2)

PÁGINAS DO EVANGELHO (2018 - 2019)

sábado, 19 de outubro de 2019

OS TRÊS MORTOS DOS EVANGELHOS

No Evangelho (Lc 7, 11-17), encontramos três mortos ressuscitados pelo Senhor de forma visível e milhares de forma invisível. A filha do chefe da sinagoga (Mc 5,22-ss), o filho da viúva de Naim e Lázaro (Jo 11) são símbolos dos três tipos de pecadores ainda hoje ressuscitados pelo Senhor. A menina ainda se encontrava em casa de seu pai, o filho da viúva já não estava em casa da sua mãe, mas também ainda não estava no túmulo e Lázaro já estava sepultado. 

Assim, há pessoas com o pecado dentro do coração mas que ainda não o cometeram. Tendo consentido no pecado, ele habita-lhes a alma como morto, mas não saiu ainda para fora. Ora, acontece amiúde aos homens esta experiência interior: depois de terem escutado a palavra de Deus, parece-lhes que o Senhor lhes diz: 'Levanta-te!' E, condenando o consentimento que dantes haviam dado ao mal, retomam fôlego para viver na salvação e na justiça. 

Outros, após aquele consentimento, partem para as ações, transportando assim o morto que traziam escondido no fundo do coração para o expor diante de todos. Deveremos desesperar deles? Não disse o Salvador ao jovem de Naim: 'Eu te ordeno: Levanta-te!'? Não o devolveu a sua mãe? O mesmo acontece a quem atuou desse modo: tocado e comovido pela Palavra da Verdade, ressuscita à voz de Cristo e volta à vida. É certo que deu mais um passo na via do pecado, mas não pereceu para sempre. 

Já aqueles que se embrenham nos maus hábitos, ao ponto de perderem a noção do próprio mal que cometem, procuram defender os seus maus atos e encolerizam-se quando alguém lhes censura. A esses, esmagados pelo peso do hábito de pecar, albergam as mortalhas e os túmulos e cada pedra colocada sobre o seu sepulcro mais não é do que a força tirânica desse mau uso que lhes oprime a alma e não lhes permite, nem levantar-se, nem respirar. Por isso, irmãos caríssimos, façamos de tal modo que quem vive viva, e quem está morto volte à vida e faça penitência. Os que vivem conservem a vida e os que estão mortos apressem-se a ressuscitar.

(Sermões, Santo Agostinho)

terça-feira, 15 de outubro de 2019

15 DE OUTUBRO - SANTA TERESA DE ÁVILA


Terceira dos nove filhos do segundo casamento de Alonso Sanchez Cepeda e Beatriz D'Ávila y Ahumada, Teresa nasceu em 28 de março de 1515 na cidade medieval de Ávila, na região de Castela (Espanha). Inteligente e extremamente afável, desenvolveu desde muito cedo um espírito de intensa oração e vida interior que a levaria, antes dos 20 anos, a ingressar no Convento da Encarnação das Carmelitas onde vivenciou fenômenos místicos extraordinários, como a transverberação de seu coração por um Serafim e o 'desposório místico' com Cristo.

Superando doenças e provações diversas, transformou-se, então, na grande reformadora da Ordem dos Carmelitas, a partir de 1562, quando passou a aplicar à mesma as regras formais dos antigos conventos, impondo o rigor das orações, do silêncio completo e de meditações contínuas. Neste modelo, fundou vários outros conventos e, junto com São João da Cruz, o ramo masculino dos Descalços. Seus escritos e obras expressam a singular inspiração mística de sua vida interior e a poesia de sua intimidade espiritual com Cristo.  

Em 1582, durante uma viagem a Alba de Tormes, seu estado de saúde piorou rapidamente e a santa teve a certeza que era chegada a hora de sua morte. Ao receber os últimos sacramentos do Pe. Antônio de Heredia, ergueu-se de repente do leito exclamando: 'Oh, Senhor, por fim chegou a hora de nos vermos face a face!' e, em seguida, pronunciou sua última frase: 'Morro como filha da Igreja'. Eram 9 horas da noite do dia 4 de outubro de 1582. Uma vez que, exatamente no dia seguinte efetuou-se a mudança para o calendário gregoriano com a supressão de dez dias do mesmo, a data de sua celebração é comemorada no dia 15 de outubro.

Suas relíquias repousam ainda em Alba de Tormes. Teresa foi beatificada pelo Papa Paulo V em 1614 e canonizada por Gregório XV em 1622. O Papa Paulo VI, em 27 de setembro de 1970, proclamou Santa Teresa de Ávila como Doutora da Igreja.

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XL)

XI

DA UNIDADE E MULTIPLICAÇÃO EM CRISTO CONSIDERADAS QUANTO AO SER, À VONTADE E ÀS OPERAÇÕES

Constitui Jesus Cristo um só ser ou um agregado de seres?
Um só, Deus e homem ao mesmo tempo, porque uma só é a pessoa que subsiste em ambas as naturezas divina e humana (XVIII, 1, 2)*.

Há em Cristo mais de uma vontade?
Sim, Senhor; possui a vontade divina como Deus; e como homem, a vontade humana (XVIII, 1).

A vontade humana de Cristo é uma ou múltipla?
Se entendermos por vontade não só o apetite afetivo intelectual, mas também o sensível e ainda os atos diversos da mesma potência afetiva, é múltipla (XVIII, 2, 3).

O Verbo Encarnado teve e tem livre arbítrio?
Sim, Senhor; e em grau excelente e perfeitíssimo, apesar do que, de maneira alguma, pode pecar, porque a sua vontade deliberada esteve sempre de acordo com a divina até nas coisas em que o apetite sensitivo e as propensões naturais da vontade o inclinavam a desviar-se do que a vontade deliberada exigia, conforme ao divino querer (XVIII, 4).

Houve e há em Jesus Cristo diversas classes de operações?
Sim, Senhor, visto que, se bem que a pessoa a quem os atos se atribuem é uma única, atendendo aos princípios imediatos de operação, estes se multiplicam quanto se multiplicam as potências ou faculdades da natureza humana, mesmo sem ter em conta a variedade dos atos divinos, distintos dos próprios da humanidade (XIX 1, 2).

Logo, em que sentido falamos de 'operações teândricas' em Jesus Cristo e o que significa esta expressão?
Significa que em Jesus Cristo, Deus e homem ao mesmo tempo, existiam subordinação e dependência entre as faculdades ou princípios operativos próprios da natureza humana e os exclusivos da divina, de tal forma, que nele as obras humanas revestiam um gênero especialíssimo de perfeição e enobrecimento, sob a influência da natureza divina, e as divinas, poderíamos dizer, como que se humanizavam, manifestando-se ao exterior por meio da natureza humana e com o seu concurso (XIX, 1 ad 1).

Pôde Jesus Cristo merecer alguma coisa com suas obras humanas?
Pôde e foi conveniente que merecesse tudo aquilo cuja falta não redundava em desdouro de sua perfeição e suprema dignidade, e assim mereceu a glória do corpo e a exaltação do seu nome no céu e na terra (XIX, 3).

Pode merecer pelos outros?
Sim, Senhor; e com mérito adequado, visto que, como temos dito, forma unidade mística com todos os membros da Igreja, da qual Ele a cabeça é, de tal sorte que os seus atos não só foram meritórios para Ele pessoalmente, mas também em favor de todos os que de algum modo pertencem à sua Igreja, no sentido e com a extensão explicada quando tratamos da sua graça capital (XIX, 4).

Que é necessário para que aproveitem aos homens os méritos de Jesus Cristo?
Que se unam a Ele mediante a graça do batismo, que é graça de incorporação, como logo veremos (XIX, 4, ad 3).

XII

CONSEQUÊNCIAS DA ENCARNAÇÃO DO FILHO DE DEUS COM RESPEITO AO PAI — SUJEIÇÃO AO PAI, ORAÇÃO E SACERDÓCIO DE CRISTO

Que se segue do fato da Encarnação, atendendo às relações do Filho de Deus com o Pai e às deste com o Filho?
Segue-se que o Verbo Encarnado esteve sujeito ao Pai; que orou, que o serviu como sacerdote e que, permanecendo Filho natural e não adotivo, pode e deve ser sujeito de predestinação divina (XX-XXIV).

Que entendeis, quando afirmais que Jesus Cristo esteve sujeito ao Pai?
Que, considerando que o Pai é a bondade por essência, e o Filho, atendendo à natureza humana, só tem bondade participada, segue-se que, no que se refere à vida humana, tudo estava regulado, disposto e ordenado pelo Pai, e que, enquanto homem, viveu a Ele sujeito com a obediência mais perfeita e absoluta (XX, 1).

Podemos deduzir destas razões que também estava sujeito a si mesmo enquanto Deus?
Sim, Senhor; porque a natureza divina, base da superioridade do Pai sobre o Filho, é comum aos dois (XX, 2).

Por que devemos admitir que o Verbo Encarnado pôde e pode orar?
Porque a sua vontade humana, independentemente da divina, não podia realizar todos os seus anelos; isto é razão suficiente para que o Filho se dirija ao Pai, suplicando-lhe que, com sua vontade onipotente que é também a sua enquanto Deus, execute o que a vontade humana não pode realizar (XXI, 1).

Pode Jesus Cristo orar e pedir alguma coisa em seu favor?
Sim, Senhor, para pedir ao Pai os bens do corpo e a exaltação do seu nome, coisas que não possuía enquanto viveu na terra, como também para dar-lhe graças por todos os dons e privilégios que lhe havia concedido na natureza humana e, neste sentido, durará a sua oração eternamente XXI, 3).

Foram sempre bem acolhidas as orações de Jesus Cristo enquanto viveu na terra?
Tomando a oração no sentido de súplica e desejo deliberado e firme de alguma coisa, sim, Senhor; porque, Jesus Cristo, que conhecia maravilhosamente os planos divinos, jamais quis com vontade deliberada coisa menos conforme com o querer do Pai, que era o seu enquanto Deus (Ibid).

Que entendeis por sacerdócio de Cristo?
Entendo que a Ele, por excelência, pertence distribuir aos homens os dons celestiais e em nosso nome apresentar-se diante de Deus, para oferecer-lhe as nossas súplicas, aplacar a sua cólera e reconciliar-nos com Ele (XXII, 1).

Podemos dizer que Jesus Cristo foi, ao mesmo tempo, sacerdote e vítima?
Sim, Senhor; já que, ao aceitar a morte por nós, verificou em sua pessoa os três antigos sacrifícios de vítima pelos pecados, hóstia pacífica e holocausto, porque lavou nossos pecados, satisfazendo por eles, alcançou-nos a graça e abriu-nos as portas da glória, onde definitivamente nos uniremos com Ele (XXII, 2).

Foi Jesus Cristo sacerdote em benefício próprio?
Não, Senhor; porque estava capacitado de que, para acercar-se de Deus, não tinha necessidade de intermediários e porque, isento de pecado, do qual só tinha tomado a aparência, não necessitava oferecer sacrifícios expiatórios por si mesmo, mas por nós (XXII, 4).

É eterno o sacerdócio de Cristo?
Sim, Senhor; porque eternamente durará o seu efeito que é a glória consumada dos santos, purificados em virtude do seu sacrifício (XXII, 5).

Por que se diz que Jesus Cristo é sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque?
Para fazer notar a superioridade do sacerdócio de Cristo sobre o levítico, sombra e figura sua (XXII, 6).

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)