sábado, 20 de agosto de 2016

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

'O primeiro grau da contemplação é que consideremos sem cessar o que quer o Senhor, o que lhe agrada, aquilo que é aceito diante dele... humilhemo-nos sob a poderosa mão do Deus altíssimo e procuremos mostrar-nos bem miseráveis aos olhos da misericórdia, dizendo: 'Cura-me, Senhor e ficarei curado; salva-me e serei salvo' (Jr 17,14) e 'Senhor tem compaixão de mim, cura minha alma porque pequei contra ti' (Sl 40, 5). 

Tendo-nos adiantado um pouco no exercício espiritual, guiados pelo Espírito, perscrutador das profundezas de Deus, pensemos na suavidade do Senhor, como é bom em si mesmo. Com o profeta, roguemos ver a vontade de Deus e visitar já não mais nosso coração, mas seu templo, dizendo contudo: 'Dentro de mim, minha alma está perturbada: por isso lembrar-me-ei de ti' (Sl 41,7). Nestes dois pontos consiste toda a nossa vida espiritual: olhando para nós, nos perturbemos e entristeçamos, para nossa salvação; e respiremos desafogados na consideração das coisas divinas, para recebermos a consolação na alegria do Espírito Santo'. 

(São Bernardo)

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

CARTAS A MEU PAI (VII)

Pai:

A igrejinha estava imersa na obscuridade, embora lá fora o sol ainda estivesse a pino. Tive que me acostumar com as sombras até divisar os dois personagens presentes. A velha senhora estava ajoelhada logo no segundo banco. O homem estava sentado quase ao final da igreja, se abanando com uma espécie de lenço. Na verdade, ele estava sentado meio de lado, aparentemente incomodado com alguma coisa. A senhora permanecia quase que imobilizada de joelhos, envolvida completamente em sua oração e recolhimento.

De alguma forma, eu sabia que aquele encontro, aparentemente fortuito, aparentemente trivial, era um complemento de duas vidas que se fechavam no plano dos dias e diante a Vossa misericórdia infinita. Nada para Vós ocorre ao acaso, nada se faz, se fala ou se pensa sem que engrenagens espirituais complexas e extraordinárias sejam mobilizadas e encaixadas de forma admirável para produzir frutos de justiça ou de salvação. Nada é tangido pelo tempo e pela graça sem uma finalidade ensurdecedora que se move do Céu. Mas, para a maioria dos homens, a imensa maioria dos homens e mulheres deste mundo, tudo parece ser fruto das circunstâncias e contingências do acaso.

M.D. continuava a sua oração. Estava na quinta ave-maria do terceiro mistério gozoso. Seus lábios moviam silenciosa e harmonicamente, embebidos de cada palavra. Seu pensamento, naquele momento, não. Havia abandonado o aconchego da igrejinha e voado com a preocupação mundana da necessidade de achar a receita de um certo bolo de cenoura. Seus olhos percorreram a imagem do Crucificado no altar, sem percepção de detalhes ou um gesto de amor, mas na inteira absorção de pousar os olhos no reflexo vazio de quaisquer imagens.

Lá atrás, D. tossiu rapidamente e o ar se impregnou do ricochete do gesto. O som se esvaiu na imensa quietude da nave, mas uma espécie de reverberação continuou percorrendo as alas entre os bancos e as paredes adornadas com as imagens da via crucis, espraiando-se em todas as direções do templo. Por um momento, se endireitou no banco e olhou na direção do altar, depreciando o fato do crucifixo parecer desproporcional ao próprio altar, quase que 'sumido' no espaço central em branco. A distração tomou a forma da figura da senhora que rezava no segundo banco, depois numa estação qualquer da via crucis e, em seguida, no gesto de enfurnar a cabeça entre as mãos e fechar os olhos.  

Ali, na obscuridade da pequena igrejinha, bálsamo do calor e da secura de mais uma tarde de verão, dois dos Vossos filhos construíam tempos e memórias de vida e eternidade. A senhora investia agora, muito mais concentrada na oração, pelo quarto mistério do Rosário. O homem se sentia devidamente refrescado e se preparava para encontrar a família lá fora para visitarem qualquer coisa mais daquele lugar de uma parada não obrigatória. Na toada da vida, que importava a reza diária do terço da velha senhora ou o descanso propício do turista de última hora? Não era apenas mais um dia na vida cotidiana de todos nós, um dia absolutamente comum?

Não, na verdade, não. Não seria um dia comum; pelo contrário: o último dia da vida de um homem é absolutamente incomum. O livre arbítrio não vai poder mais construir qualquer gesto ou distração, nem controlar o olhar ou a tosse, nem optar pela oração ou pela sombra refrescante de um lugar. Tiveram ali a visão do Crucificado, a última chance de estar diante dEle. O homem se levantou e saiu, seguido pelo seu Anjo da Guarda que me dirigiu ainda um olhar que, definido na dimensão humana, emanava algo como um traço de dor. A senhora estava terminando o terço, o seu último terço, e o seu Anjo rezava junto com ela. Quando saí da igrejinha, o sol começava a se por no horizonte, ao final de um dia mais que comum para a maioria dos homens e absolutamente incomum para muitos outros.

R.

('Cartas a Meu Pai' são textos de minha autoria e pretendem ser uma coletânea de crônicas que retratam a realidade cotidiana da vida humana entranhada com valores espirituais que, desapercebidos pelas pessoas comuns, são de inteira percepção pelo personagem R. As pessoas e os lugares, livremente designados apenas pelas suas iniciais, são absolutamente fictícios).

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

A VIA CRUCIS DOS AMIGOS DA CRUZ

I. Não procurar cruzes propositadamente ou pela própria culpa

Não procureis cruzes propositadamente ou por vossa culpa; não se deve fazer o mal para que dele resulte um bem; não se deve, sem inspiração especial, fazer as coisas de maneira má, para atrair sobre si mesmo o desprezo dos homens. É antes preciso imitar Jesus Cristo, de quem se disse fez bem todas as coisas, não por amor próprio ou por vaidade, mas para agradar a Deus e conquistar a alma do próximo. E se executardes os vossos trabalhos o melhor que puderdes, não vos hão de faltar contradições, perseguições, nem desprezos, que a Divina Providência vos enviará contra vossa vontade e sem vos consultar.

II. Consultar o bem do próximo

Se praticais algum ato indiferente, mas do qual o próximo se escandaliza, ainda que fora de propósito, abstende-vos dele, por caridade, para que cesse o escândalo dos pequenos; o ato heroico de caridade que praticardes nessa ocasião vale infinitamente mais do que aquilo que fazíeis ou pretendíeis fazer. Se, entretanto, o bem que fazeis é necessário ou útil ao próximo, e escandalizar, sem razão, algum fariseu ou mau espírito, consultai uma pessoa prudente, para saber se o que fazeis é necessário e muito útil ao bem do próximo; e, se ela assim o julgar, continuai e deixai falar, contanto que vos deixem agir, e respondei, em tais ocasiões, o que Nosso Senhor respondeu a alguns de seus discípulos que vieram dizer-lhe que os fariseus se haviam escandalizado com as suas palavras e ações: 'Deixai-os falar, são cegos'  (Mt 15, 14).

III. Admirar, sem pretender atingi-la, a sublime virtude dos santos

Apesar de alguns santos e pessoas importantes terem pedido, procurado e, por meio de ações ridículas, atraído sobre si mesmos, cruzes, desprezos e humilhações, adoremos e admiremos apenas a ação do Espírito Santo sobre as suas almas e humilhemo-nos diante de tão sublime virtude, sem ousar voar tão alto, um vez que, comparados a essas rápidas águias e rugidores leões, não passamos de criaturas sem coragem e sem força de vontade. 

IV. Pedir a Deus a sabedoria da Cruz

Podeis, entretanto, e mesmo o deveis, pedir a sabedoria da cruz, que é uma ciência saborosa e experimental da verdade, que nos faz ver, à luz da fé, os mais ocultos mistérios, entre os quais o da cruz, e isto só se obtém mediante grandes trabalhos, profundas humilhações e orações fervorosas. Se precisardes do espírito principal, que nos faz levar corajosamente as mais pesadas cruzes; do espírito bom e manso, que nos faz saborear, na parte superior da alma, as mais repugnantes amarguras; do espírito são e reto, que procura só a Deus; da ciência da cruz, que encerra todas as coisas; numa palavra, do tesouro infinito cujo bom emprego torna a alma participante da amizade de Deus, pedi a sabedoria; pedi-a incessante e fortemente, sem hesitar, sem receio de não a obter, e ela vos será dada, infalivelmente, e em seguida vereis claramente, por experiência própria, como pode ser possível desejar, procurar e saborear a cruz.

V. Humilhar-se das próprias faltas, sem se perturbar

Quando, por ignorância ou mesmo por vossa culpa, cometerdes algum erro de que resulte para vós alguma cruz, humilhai-vos imediatamente diante de vós mesmos, sob a mão poderosa de Deus, sem vos perturbar voluntariamente, dizendo: 'Eis, Senhor, uma peça que me pregou meu ofício'! E se houver pecado na falta que cometestes, aceitai a humilhação de vosso orgulho. Algumas vezes, e até muitas vezes, Deus permite que seus maiores servos, os mais elevados em graça, cometam as faltas mais humilhantes, a fim de humilhá-los aos seus próprios olhos e aos olhos dos homens, a fim de tirar-lhes a vista e o pensamento orgulhoso das graças que lhes dá e do bem que fazem, a fim de que, segundo a palavra do Espírito Santo, nenhuma carne se glorifique diante de Deus.

VI. Deus nos humilha para purificar-nos

Ficai bem persuadidos de que tudo o que existe em nós está inteiramente corrompido pelo pecado de Adão e pelos pecados atuais; e não apenas os sentidos do corpo, mas todas as potências da alma; e que, logo que o nosso espírito corrompido olha, refletida e complacentemente, algum dom de Deus em nós, esse dom, ação ou graça fica todo poluído e corrompido e Deus dele desvia os seus olhos divinos. Se os olhares e os pensamentos do espírito do homem estragam assim as melhores ações e os mais divinos dons, que diremos dos atos da própria vontade, que são ainda mais corrompidos que os do espírito?

Não é de espantar, depois disto, que Deus sinta prazer em esconder os seus no segredo de sua face, para que não sejam manchados pelos olhares dos homens e pelos seus próprios conhecimentos. E, para escondê-los assim, o que não faz e não permite este Deus ciumento?! Quantas humilhações lhes proporciona! Em quantas faltas os deixa cair! De que tentações permite sejam atacados, como São Paulo! Em que incertezas, trevas e perplexidade os deixa! Ah! como Deus é admirável nos seus santos e nos caminho pelos quais os conduz à humildade e à santidade!

VII. Evitar, nas cruzes, o perigo do orgulho

Procurai bem, portanto, evitar crer, como os devotos orgulhosos e cheios de si, que vossas cruzes são grandes, que são provas de vossa fidelidade e testemunhas de um singular amor de Deus para convosco. Esta armadilha do orgulho espiritual é muito sutil e delicada, mas cheia de veneno. Deveis crer: 

(i) que vosso orgulho e moleza vos levam a considerar palhas como se fossem traves; picadas como se fossem chagas, um rato como se fosse um elefante; e uma palavrinha no ar - um nada, na verdade - como se fosse uma injúria atroz e um cruel abandono; 

(ii) que as cruzes que Deus vos envia são antes castigos amorosos de vossos pecados - e de fato o são - que sinais de especial benevolência;

(iii) que, seja qual for a cruz que Ele vos enviar, ainda assim vos poupa infinitamente, em virtude do número e da enormidade dos vossos crimes, que só deveis considerar à luz da santidade de Deus, que nada de impuro tolera e que atacastes; à luz de um Deus moribundo e aniquilado de dor, por causa de vosso pecado, e à luz de um inferno sem fim, que merecestes mil vezes e talvez cem mil; 

(iv) que na paciência com que sofreis há muito mais de humano e natural do que o julgais: provam-no as pequenas mitigações; as procuras secretas de consolação; as aberturas de coração - tão naturais - a vossos amigos e, talvez, ao vosso diretor; as desculpas tão finas e prontas; as queixas, ou melhor, as maledicências tão bem urdidas e tão caridosamente expressas, contra os que vos fizeram algum mal; as referências e complacências delicadas para com vossos males; a crença de Lúcifer de que sois algo de grande, etc. Nunca terminaria se me fosse necessário descrever as voltas e reviravoltas da natureza, mesmo nos sofrimentos.

VIII. Tirar maior proveito dos pequenos sofrimentos que dos grandes

Tirai proveito dos pequenos sofrimentos e mesmo mais que dos grandes. Deus não olha tanto o sofrimento quanto a maneira por que se sofre. Sofrer muito e mal é sofrer como condenado; sofrer muito e corajosamente, mas por uma causa má, é sofrer como mártir do demônio; sofrer pouco ou muito, mas sofrer por Deus, é sofrer como santo.

Se é verdade que se pode escolher as cruzes, isto é mais certo quanto às cruzes pequenas e escondidas quando nos vêm paralelamente às grandes e visíveis. O orgulho da natureza pode pedir, procurar e mesmo escolher e abraçar as cruzes grandes e visíveis; mas escolher e levar bem alegremente as cruzes pequenas e ocultas só pode ser o efeito de uma grande graça e de uma grande fidelidade a Deus. Fazei, pois, como o comerciante com o seu negócio: tirai proveito de tudo, não deixeis perder-se a mínima parcela da verdadeira Cruz, mesmo que seja uma picada de mosca ou de alfinete, a indelicadeza de um vizinho, uma injúria por descuido, a perda de um níquel, uma perturbaçãozinha da alma, um leve cansaço do corpo, uma dorzinha num dos membros, etc. 

Tirai proveito de tudo, como o merceeiro em sua mercearia, e, assim como ele enriquece em dinheiro, juntando moeda por moeda em seu cofre, breve estareis ricos em Deus. Ao menor contratempo que sobrevier, dizei: 'Deus seja bendito! Meu Deus, eu Vos agradeço', depois escondei na memória de Deus, que é vosso cofre, a cruz que acabais de ganhar, e só vos lembreis dela para dizer: Obrigado! ou Misericórdia!

IX. Amar a cruz, não com amor sensível, mas racional e sobrenatural

Quando vos dizemos para amar a cruz, não falamos em amor sensível, que é impossível à natureza. Distingui bem, portanto, estes três amores: o amor sensível, o amor racional, o amor fiel e supremo; ou, em outras palavras: o amor da parte inferior, que é a carne; o amor da parte superior, que é a razão; e o amor da parte suprema, ou cimo da alma, que é a inteligência esclarecida pela fé.

Deus não vos pede que ameis a cruz com a vontade da carne. Sendo ela inteiramente corrompida e criminosa, tudo o que dela se origina é corrompido e ela não pode, por si mesma, estar sujeita à vontade de Deus e à sua lei crucificadora. Eis por que, ao falar dela no Horto da Oliveiras, Nosso Senhor exclama: 'Meu Pai, seja feita a Vossa vontade e não a minha!' Se a parte inferior do homem em Jesus Cristo, ainda que santa, não pôde amar a cruz sem desfalecimento, com mais forte razão a nossa, que é toda corrompida, há de a repelir. Podemos, é verdade, experimentar, por vezes, até mesmo alegria sensível pelo que sofremos, como aconteceu a vários santos; mas essa alegria não vem da carne, ainda que nela esteja; vem apenas da parte superior, que se acha tão cheia da divina alegria do Espírito Santo, que a faz estender-se até à parte inferior, de tal sorte que em tal ocasião até mesmo a pessoa mais crucificada pode dizer: 'Meu coração e minha carne estremeceram de alegria no Deus vivo!' (Sl 83, 3).

Há outra espécie de amor, que denomino racional, e que se acha na parte superior, que é a razão. Este amor é todo espiritual e, como nasce do conhecimento da felicidade de sofrer por Deus, é perceptível e mesmo percebido pela alma, rejubilando-a interiormente e fortificando-a. Este amor racional e percebido, porém -apesar de bom e de muito bom - nem sempre é necessário para que se sofra alegre e divinamente.

É porque há outro amor, do cimo ou ápice da alma, dizem os mestres da vida espiritual - ou da inteligência, afirmam os filósofos - pelo qual, sem experimentar qualquer alegria dos sentidos, sem perceber nenhum prazer racional na alma, é possível amar e saborear, pela visão da fé pura, a cruz que carregamos, muito embora tudo esteja em guerra e estado de alarme na parte inferior, que geme, se queixa, chora e procura lenitivo, de tal sorte que se possa dizer, como Jesus Cristo: 'Meu Pai, seja feita a Vossa vontade e não a minha!' ou com a Santíssima Virgem: 'Eis aqui a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a Vossa palavra!' É com um desses dois amores da parte superior que devemos amar e aceitar a cruz.

X. Sofrer toda sorte de cruzes, sem exceção e sem escolha

Decidi-vos, queridos Amigos da Cruz, a sofrer toda sorte de cruzes, sem exceção e sem escolha: toda pobreza, toda injustiça, toda humilhação, toda contradição, toda calúnia, toda aridez, todo abandono, toda pena interior ou exterior, dizendo sempre: 'Meu coração está preparado, meu Deus, meu coração está preparado'. Preparai-vos, pois, para ser abandonados pelos homens, pelos anjos e pelo próprio Deus; para ser perseguidos, invejados, traídos, caluniados, desacreditados e abandonados por todos; para sofrer fome, sede, mendicidade, nudez, exílio, prisão, tortura e todos os suplícios, ainda que não os tenhais merecido pelos crimes que vos impuserem. 

Imaginai enfim que, depois de ter perdido vossos bens e vossa honra, de haver sido lançados para fora de vossa casa, como Jó e Santa Isabel, rainha da Hungria, vos joguem na lama, como àquela santa, e vos arrastem por sobre o estrume, como a Jó, todo purulento e coberto de úlceras, sem vos darem ataduras para vossas chagas ou, para comerdes, um pedaço de pão que não recusariam a um cavalo ou a um cão; e que, além desses males extremos, Deus vos deixe à mercê de todas as tentações dos demônios, sem derramar sobre vossa alma a mínima consolação sensível. Crede firmemente que esse é o ponto supremo da glória divina e a felicidade perfeita de um verdadeiro e perfeito Amigo da Cruz.

XI. Os quatro estimulantes do bom sofrimento

Para ajudar-vos a sofrer bem, tomai o santo hábito de olhar quatro coisas:
 
(i) O olhar de Deus

Primeiramente o olhar de Deus, que, como um grande rei, do alto de uma torre, olha complacentemente e louvando-lhe a coragem, o seu soldado que peleja. Que olhará Deus na terra? Os reis e imperadores em seus tronos? Muitas vezes Ele os contempla com desprezo. As grandes vitórias dos exércitos do Estado? As pedras preciosas? Numa palavra: as coisas que são grandes aos olhos dos homens? O que é grande aos olhos dos homens é abominação diante de Deus. Que olhará Ele então com prazer e complacência e de que pedirá notícias aos anjos e aos próprios demônios? Um homem que, por Deus, se bate com a sorte, o mundo, o inferno e ele próprio, um homem que carrega alegremente a sua cruz. Não viste na terra uma grande maravilha que todo o céu contempla com admiração?, disse o Senhor a Satanás:'“Não viste meu servo Jó, que sofre por mim?'

(ii) A mão de Deus

Em segundo lugar, considerai a mão deste poderoso Senhor, que permite todo o mal que da natureza nos advém, desde o maior até o menor; a mão que colocou um exército de cem mil homens no campo de batalha e faz cair as folhas das árvores e os cabelos de vossa cabeça; a mão que, havendo rudemente atingido Jó, vos toca docemente pelo pouco sofrimento que vos envia. Com essa mão Ele formou o dia e a noite, o sol e as trevas, o bem e o mal; permitiu os pecados que se cometem e que vos melindram; não lhes fez a malícia, porém lhes permitiu a ação.

Assim, quando virdes um homem injuriar-vos e apedrejar-vos, como ao rei Davi, dizei a vós mesmos: 'Não nos vinguemos. Deixemo-lo, porque o Senhor lhe ordenou de agir assim. Sei que mereci toda sorte de ultrajes e é justo que Deus me castigue. Parai, braços meus: Parai, língua minha. Não ataqueis. Nada digais. Este homem ou esta mulher me injuriam por palavras ou por obras; são embaixadores de Deus, que vêm de sua misericórdia, para exercer vingança amistosa. Não irritemos sua justiça usurpando os direitos de sua vingança; não desprezemos a sua misericórdia resistindo às suas amorosas chicotadas, para que ela não nos reconduza, por vingança, à pura justiça da eternidade'.

Olhai uma das mãos de Deus, que, onipotente e infinitamente prudente, vos sustenta, enquanto a outra vos atinge; com uma das mãos Ele mortifica e com a outra vivifica; rebaixa e exalta, e, com seus dois braços, doce e fortemente, alcança, de um polo ao outro, a vossa vida; docemente, não permitindo que sejais tentados e provocados acima de vossas forças: fortemente, secundando-vos com graça poderosa e correspondente à violência e duração da tentação e da aflição; fortemente, ainda uma vez, tornando-se Ele próprio, segundo o diz pelo espírito de sua Santa Igreja, 'vosso apoio à borda do precipício perto do qual vos encontrais, vosso companheiro no caminho onde vos perdeis, vossa sombra no calor que vos caustica, vossa vestimenta na chuva que vos molha e no frio que vos enregela; vossa carruagem na fadiga que vos aniquila, vosso socorro na adversidade que vos visita, vosso bastão nos caminhos escorregadios e vosso porto no meio das tempestades que vos ameaçam de ruína e naufrágio'.

(iii) As chagas e as dores de Jesus Cristo Crucificado

Em terceiro lugar, olhai as chagas e as dores de Jesus Cristo Crucificado. Ele mesmo vô-lo diz: 'Ó vós que passais pelo caminho espinhoso e crucificado por que passei, olhai e vede: olhai com os próprios olhos do vosso corpo e vede, com os olhos de vossa contemplação, se vossa pobreza, vossa nudez, vosso desprezo, vossas dores, vossos abandonos são semelhantes aos meus; olhai-me, a mim que sou inocente, e queixai-vos, vós que sois culpados!'

O Espírito Santo nos ordena, pela boca dos Apóstolos, esta mesma contemplação de Jesus Crucificado; ordena que nos armemos com este pensamento mais penetrante e terrível para todos os nossos inimigos que todas as outras armas. Quando fordes atacados pela pobreza, pela abjeção, pela dor, pela tentação e pelas cruzes, armai-vos com um escudo, uma couraça, um capacete e uma espada de dois gumes, a saber: o pensamento de Jesus Crucificado. Eis a solução de toda dificuldade e a vitória sobre qualquer inimigo.

(iv) Ao alto, o céu; em baixo o inferno

Em quarto lugar olhai, ao alto, a bela coroa que vos espera no céu, se carregardes bem vossa cruz. Foi esta recompensa que sustentou os patriarcas e os profetas em sua fé e nas perseguições; que animou os apóstolos e os mártires em seus trabalhos e tormentos. Preferimos - diziam os Patriarcas, com Moisés - sofrer aflições com o povo de Deus, para ser feliz com Ele eternamente, que gozar de um prazer criminoso por um só momento. Sofremos grandes perseguições por causa da recompensa, diziam os profetas com Davi.

Somos como vítimas destinadas à morte, como espetáculo para o mundo, os anjos e os homens pelos nossos sofrimentos, como a escória e o anátema do mundo, diziam os apóstolos e os mártires com São Paulo, por causa do peso imenso da glória eterna que este momento de breve sofrimento produz em nós. Olhemos sobre nossas cabeças os anjos que nos dizem, em alta voz : 'Tende cuidado para não perderdes a coroa marcada pela cruz que vos é dada, se a levardes bem. Se não a carregardes bem, outro o fará e vos arrebatará vossa coroa. Combatei fortemente, sofrendo com paciência, dizem-nos todos os santos, e entrareis no reino eterno'. Ouçamos enfim Jesus Cristo, que nos diz: 'Só darei minha recompensa àquele que sofrer e vencer pela paciência'.

Olhamos embaixo o lugar que merecemos e que nos espera no inferno com o mau ladrão e os réprobos, se, como eles, sofremos com murmurações, despeito e vingança. Exclamemos com Santo Agostinho: 'Queimai, Senhor, cortai, talhai e retalhai neste mundo para castigar meus pecados, contanto que os perdoeis na eternidade'!

XII. Nunca se queixar das criaturas

Nunca vos queixeis voluntariamente e entre murmurações, das criaturas de que Deus se serve para vos afligir. Distingui, para tanto, três espécies de queixas nos sofrimentos.

(i) a primeira é involuntária e natural: é a do corpo que geme, suspira, se queixa, chora e se lamenta. Quando a alma, como já disse, está resignada com a vontade de Deus, em sua parte superior, não há nenhum pecado.

(ii) a segunda é razoável; é quando alguém se queixa e descobre seu mal aos que podem e devem tratá-lo, como um superior ou o médico. Esta queixa pode ser imperfeita, quando for muito insistente; mas não é pecado.

(iii) a terceira é criminosa: é quando alguém se queixa do próximo para se isentar do mal que ele nos faz sofrer, ou para se vingar; ou quando alguém se queixa da dor que sofre, consentindo nessa queixa e juntado a ela a impaciência e a murmuração.

XIII. Receber sempre a cruz com reconhecimento

Nunca recebais nenhuma cruz sem beijá-la humildemente e com reconhecimento; e quando Deus, todo bondade, vos houver favorecido com alguma cruz um pouco considerável, agradecei-lhe de maneira especial e fazei-o agradecer por outros, a exemplo daquela pobre mulher, que, tendo perdido todos os seus bens em virtude de um processo injusto que lhe moveram, fez celebrar imediatamente uma missa, com o dinheiro que lhe restava, a fim de agradecer a Deus a ventura que lhe era concedida.

XIV. Carregar suas cruzes voluntárias

Se quereis tornar-vos dignos de receber as cruzes que vos hão de vir sem vossa participação e que são as melhores, carregai outras voluntárias, seguindo os conselhos de um bom diretor. Por exemplo: tendes em casa algum móvel inútil pelo qual tendes afeição? Dai-o aos pobres, dizendo: quererias o supérfluo quando Jesus é tão pobre? Tendes horror a algum alimento? A algum ato de virtude? A algum mau odor? Provai-o, praticai-o, aspirai-o. Vencei-vos.

Amais alguém ou algum objeto um pouco terna e insistentemente demais? Ausentai-vos, privai-vos, afastai-vos do que vos lisonjeia. Tendes uma natureza muito inclinada a ver? A agir? A aparecer? A ir a algum lugar? Parai, calai, escondei-vos, desviai os olhos. Odiais naturalmente algum objeto? Alguma pessoa? Procurai-a frequentemente. Dominai-vos.

Se sois verdadeiramente Amigos da Cruz, o amor, que é sempre operoso, vos fará assim encontrar mil pequenas cruzes, com que vos enriqueceis insensivelmente, sem temor da vaidade, que se mistura tão frequentemente à paciência com que suportamos as cruzes muito visíveis; e porque fostes assim fiéis em pouca coisa, o Senhor vos estabelecerá em muito, como o prometeu; isto é, em muitas cruzes que vos enviará, em muita glória que vos preparará ...

(Da 'Carta Circular aos Amigos da Cruz' de São Luis Maria Grignion de Montfort)

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

GLÓRIAS DE MARIA: ASSUNÇÃO AO CÉU

A Assunção de Maria - Palma Vecchio (1512 - 1514)

"Pronunciamos, declaramos e de­finimos ser dogma de revelação divina que a Imaculada Mãe de Deus sempre Virgem Maria, cumprido o curso de sua vida terrena, foi assunta em corpo e alma à Glória celeste”.

                            (Papa Pio XII, na Constituição Dogmática  Munificentissimus Deus, de 1º de novembro de 1950)


A solenidade da Assunção da Virgem Maria existe desde os primórdios do catolicismo e, desde então, tem sido transmitida pela tradição oral e escrita da Igreja. Trata-se de um dos grandes e dos maiores mistérios de Deus, envolto por acontecimentos tão extraordinários que desafiam toda interpretação humana: 

1. Nossa Senhora NÃO PRECISAVA morrer, uma vez que era isenta do pecado original;

2. Nossa senhora QUIS MORRER para se assemelhar em tudo ao seu Filho, pela aceitação de sua condição humana mortal e para mostrar que a morte cristã é apenas uma passagem para a Vida Eterna;  

3. Nossa Senhora NÃO PODIA passar pela podridão natural da carne tendo sido o Sacrário Vivo do próprio Deus;

4. A morte de Nossa Senhora foi breve (é chamada de 'Dormição') e ela foi assunta ao Céu em corpo e alma;

5. Aquela que gerou em si a vida terrena do Filho de Deus foi recebida por Ele na glória eterna;

6. Nossa Senhora foi assunta ao Céu pelo poder de Deus; a ASSUNÇÃO difere assim da ASCENSÃO de Jesus, uma vez que Nosso Senhor subiu ao Céu pelo seu próprio poder.


Louvor a Ti, Filha de Deus Pai,
Louvor a Ti, Mãe do Filho de Deus,
Louvor a Ti, Esposa do Espírito Santo,
Louvor a Ti, Maria, Tabernáculo da Santíssima Trindade!

15 DE AGOSTO - NOSSA SENHORA DO PILAR



A devoção a Nossa Senhora do Pilar tem origem na Espanha. Segundo a Tradição, o apóstolo São Tiago Maior, enviado à Espanha para anunciar o Evangelho, estava frustrado pelos resultados limitados de sua atuação, quando teve uma visão da Virgem incentivando-o no cumprimento de sua missão. Nossa Senhora lhe apareceu encimando uma coluna (pilar), às margens do Rio Ebro, na região de Saragoza. Nossa Senhora do Pilar é invocada como sendo o Refúgio dos Pecadores e a Consoladora dos Aflitos. Na Espanha e nos países ibéricos, a festa é comemorada em 12 de outubro.  

Nossa Senhora do Pilar é Padroeira da cidade de Ouro Preto/MG, maior acervo arquitetônico barroco do Brasil e patrimônio cultural da humanidade. A festa de Nossa Senhora do Pilar em Ouro Preto é comemorada em 15 de agosto, data de sua entronização. Eu visitei e conheço bem a Igreja do Pilar, a mais imponente e mais rica de Minas Gerais. Recentemente (2012), a Paróquia do Pilar em Ouro Preto comemorou 300 anos como comunidade paroquial (1712 - 2012), 300 anos com Maria, a Senhora do Pilar. À cidade histórica mais importante do Brasil, a minha homenagem nestes versos à sua Padroeira.

Nossa Senhora do Pilar

Estão abertas as portas da Igreja do Pilar.
Entro. E logo nos meus primeiros passos,
meu olhar encontra no mais alto do altar
a Santa Virgem com Jesus nos braços.


Hesito. Diante da bela imagem da Senhora,
de repente, imensa inquietude me possui:
pois o homem que inda sou traz lá de fora
o pobre pecador que eu sempre fui.

Mas, do Vosso olhar materno não viceja
revolta alguma, nada de condenação:
Este caminho que atravessa a igreja
É uma via crucis que só tem perdão!

Sob o Vosso olhar de Mãe na minha fronte,
avanço sem medo a tão grande tesouro:
Sois Porta da terra, aberta para o horizonte,
Sois Pilar do Céu, entronizada em ouro.


Se inda há algo em mim que me pertença,
por mais louvável, quanto mais profano,
que seja apenas o tênue fio da presença,
do amor que pulsa no meu peito humano.


E, assim, diante do Vosso altar, prostrado,
Padroeira de Ouro Preto, ouso suplicar:
que eu seja por Vosso Filho muito amado,
como eu Vos amo, ó Senhora do Pilar!

(Arcos de Pilares)

domingo, 14 de agosto de 2016

FOGO SOBRE A TERRA

Páginas do Evangelho - Vigésimo Domingo do Tempo Comum


'Eu vim para lançar fogo sobre a terra, e como gostaria que já estivesse aceso!' (Lc 12, 49). Com palavras tão incisivas, Jesus proclama as bem aventuranças da graça. Jesus vem à Terra como um incêndio de amor e purificação, para calcinar o pecado e tornar novas todas as coisas. É um fogo não de expiação, mas de santidade, de caridade, de libertação. No mistério da Redenção de Cristo, não somos apenas mais homens, mas nos tornamos co-herdeiros da própria divindade do Pai.

Mistério dos mistérios: por meio dos méritos infinitos da Encarnação, Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, a natureza humana se funde à divina em uma só Pessoa numa efusão de amor absoluto que tem as dimensões de um fogo abrasador. E para que esse fogo seja aceso e possa se propagar pelo mundo inteiro, é preciso que o Senhor passe por um batismo de dor e sofrimento inimagináveis; é preciso que o sacrifício do Filho de Deus feito homem se manifeste no Calvário para que seja acesa a pira do incêndio de amor divino derramado sobre a humanidade pecadora.

Esse fogo de amor exige restauração e não cumplicidade com a tolerância ao pecado: 'Vós pensais que eu vim trazer a paz sobre a terra? Pelo contrário, eu vos digo, vim trazer divisão' (Lc 12, 51). A paz desejada e incensada pelo mundo se atém às primícias do convívio harmônico subjugado pelo respeito humano e por etiquetas sociais. A tolerância do mundo, a convivência do mundo, a paz do mundo, estão assentes em valores puramente humanos e sociais. O fogo divino calcina todos estes valores e impõe uma nova atitude e um novo dogma: a paz verdadeira nasce e se alimenta da Verdade que é Cristo!

E se esse fogo do amor divino não é aceso, o homem submerge no pecado e a graça se esvai sem produzir nenhum fruto, por maior que seja a utópica felicidade humana dos que a vivem. O mal toma posse de tudo e a partilha da graça é então substituída pela miséria dos instintos: 'daqui em diante, numa família de cinco pessoas, três ficarão divididas contra duas e duas contra três; ficarão divididos: o pai contra o filho e o filho contra o pai; a mãe contra a filha e a filha contra a mãe; a sogra contra a nora e a nora contra a sogra (Lc 12, 52 - 53). Que os cristãos não se escondam sob estes escombros, mas que estejam sempre de pé e confiantes diante da Luz que emana de Cristo. E que os nossos corações sejam fornalhas ardentes para acolher e propagar o fogo purificador de Cristo sobre a face da Terra.

sábado, 13 de agosto de 2016

O QUE É A VERDADE?

1. 'Que é a Verdade?' (Jo 18, 38): assim Pilatos questionou Jesus antes de entregá-lo à sanha dos seus assassinos.

2. Pilatos, na verdade, não queria uma resposta de Jesus: 'Falando isso, saiu de novo, foi ter com os judeus...' (Jo 18, 39). Ele sentia apenas desprezo naquele momento e sua pergunta apenas refletia as trevas dos seus sentimentos mundanos. Não havia sido propriamente uma pergunta, mas uma declaração de desprezo. Nunca nenhum homem chegou tão perto da Verdade e nunca foi tão infame em desprezá-la. 

3. Jesus, entretanto, havia respondido a questão antes mesmo que fosse pronunciada: 'Todo o que é da verdade ouve a minha voz... Mas o meu Reino não é deste mundo' (Jo 18, 37, 36). A Verdade é Cristo e a sua Igreja e têm os seus frutos na eternidade. 'A doutrina da fé revelada por Deus não foi proposta ao espírito humano como doutrina filosófica que o homem tivesse de aperfeiçoar, mas foi confiada à Esposa de Cristo como depósito divino que Ela deve conservar fielmente e apresentar sem erro algum' (Denzineor, Enehiridion, 1800).

4. Por não ser o reino de Cristo desse mundo, o mundo será sempre hostil à Verdade, conforme a própria profecia de Simeão no Templo: 'Eis que este menino está destinado a ser uma causa de queda e de soerguimento para muitos homens em Israel, e a ser um sinal que provocará contradições...' (Lc 2, 34 - 35). E assim também a Igreja, em nome da Verdade que possui por primazia e privilégio absolutos, será sempre um sinal de contradição e de escândalo para o mundo por pregar uma doutrina e uma moralidade que o mundo há de sempre rejeitar.

5. O mundo prega valores do mundo: a tolerância do mundo, a convivência do mundo, a paz do mundo. Valores falsos, porque impõem o falso conceito de que é preciso abrir mão da verdade, que passa a ser entendida e analisada como um parâmetro relativo, ao sabor da interpretação subjetiva de cada um e de todos. A verdade do mundo, subjugada pelo relativismo e pelos modismos dos tempos, é tão somente uma aberração comum, que tem por frutos o ceticismo, o indiferentismo religioso, o embotamento espiritual, a tolerância covarde, o bem viver com todos, a felicidade ecumênica. Mas, se este fosse o ideal humano, porque Cristo nos recomendaria o contrário tão enfaticamente: 'Julgais que vim trazer paz à terra? Não, digo-vos, mas separação' (Lc 12, 51). 

6. Quando a Igreja abraça o mundo, ela vai de encontro à Verdade. Não há conciliação possível entre um mundo que quer a paz dos homens e a Igreja que prega a Verdade que é Cristo, pois também ela, por herança, é sinal de contradição e separação deste mesmo mundo. A Verdade não estabelece ideais, conselhos, regrinhas de convivência ecumênica. A Verdade estabelece convicções, dogmas, mandamentos. A Verdade não faz concessões, não se molda por casuísmos e favores, não comporta meias-verdades, não se divide em partes e nem se refaz nos tempos, porque é sempre o mesmo todo, indissolúvel e eterna.

7. A Verdade é tudo o que procede de Cristo e da Igreja com Cristo, derramada sobre aqueles que, sendo cristãos no mundo, esperam o reino que não é deste mundo. O mais é apenas a miserabilidade quase infinita dos homens que se iludem na utopia de viver as suas próprias verdades.

(Arcos de Pilares)