sábado, 7 de fevereiro de 2015

BREVIÁRIO DIGITAL - CATECISMO ILUSTRADO DE 1910 (X)





(Catecismo Ilustrado de 1910, parte X)

PRIMEIRO SÁBADO DE FEVEREIRO


Mensagem de Nossa Senhora à Irmã Lúcia, vidente de Fátima: 
                                                                                                                           (Pontevedra / Espanha)

‘Olha, Minha filha, o Meu Coração cercado de espinhos que os homens ingratos a todo o momento Me cravam, com blasfêmias e ingratidões. Tu, ao menos, vê de Me consolar e diz que a todos aqueles que durante cinco meses seguidos, no primeiro sábado, se confessarem*, recebendo a Sagrada Comunhão, rezarem um Terço e Me fizerem 15 minutos de companhia, meditando nos 15 Mistérios do Rosário com o fim de Me desagravar, Eu prometo assistir-lhes à hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação.’
* Com base em aparições posteriores, esclareceu-se que a confissão poderia não se realizar no sábado propriamente dito, mas antes, desde que feita com a intenção explícita (interiormente) de se fazê-la para fins de reparação às blasfêmias cometidas contra o Imaculado Coração de Maria no primeiro sábado seguinte.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A BÍBLIA EXPLICADA (XIII)


(Mc 15, 1 - 15):

Logo pela manhã se reuniram os sumos sacerdotes com os anciãos, os escribas e com todo o conselho. E tendo amarrado Jesus, levaram-no e entregaram-no a Pilatos. Este lhe perguntou: 'És tu o rei dos judeus?' Ele lhe respondeu: 'Sim'. Os sumos sacerdotes acusavam-no de muitas coisas. Pilatos perguntou-lhe outra vez: 'Nada respondes? Vê de quantos delitos te acusam!'

Mas Jesus nada mais respondeu, de modo que Pilatos ficou admirado. Ora, costumava ele soltar-lhes em cada festa qualquer dos presos que pedissem. Havia na prisão um, chamado Barrabás, que fora preso com seus cúmplices, o qual na sedição perpetrara um homicídio. O povo que tinha subido começou a pedir-lhe aquilo que sempre lhes costumava conceder.

Pilatos respondeu-lhes: 'Quereis que vos solte o rei dos judeus?' (Porque sabia que os sumos sacerdotes o haviam entregue por inveja.) Mas os pontífices instigaram o povo para que pedissem de preferência que lhes soltasse Barrabás. Pilatos falou-lhes outra vez: 'E que quereis que eu faça daquele a quem chamais o rei dos judeus?' Eles tornaram a gritar: 'Crucifica-o!' Pilatos replicou: 'Mas que mal fez ele?' Eles clamavam mais ainda: 'Crucifica-o!' Querendo Pilatos satisfazer o povo, soltou-lhes Barrabás e entregou Jesus, depois de açoitado, para que fosse crucificado.

Barrabás significa literalmente 'filho do pai' (bar significa 'filho de' e abba significa 'pai'). Diante da escolha proposta por Pilatos, o povo judeu optou pela libertação do 'filho do pai' gerado nas hostes do mal, um ladrão e um assassino, e condenou à morte, e morte de cruz, o verdadeiro 'Filho do Pai', o próprio Filho do Deus Vivo, nascido e sacrificado como vítima inocente para a salvação dos homens. Esta escolha incisiva pelo falso 'filho do pai', em um momento crucial, impactou para sempre a história do povo judeu e de toda a humanidade.

PORQUE HOJE É A PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS


A Grande Revelação do Sagrado Coração de Jesus foi feita a Santa Margarida Maria Alacoque durante a oitava da festa de Corpus Christi  de 1675...

         “Eis o Coração que tanto amou os homens, que nada poupou, até se esgotar e se consumir para lhes testemunhar seu amor. Como reconhecimento, não recebo da maior parte deles senão ingratidões, pelas suas irreverências, sacrilégios, e pela tibieza e desprezo que têm para comigo na Eucaristia. Entretanto, o que Me é mais sensível é que há corações consagrados que agem assim. Por isto te peço que a primeira sexta-feira após a oitava do Santíssimo Sacramento seja dedicada a uma festa particular para  honrar Meu Coração, comungando neste dia, e O reparando pelos insultos que recebeu durante o tempo em que foi exposto sobre os altares ... Prometo-te que Meu Coração se dilatará para derramar os influxos de Seu amor divino sobre aqueles que Lhe prestarem esta honra”.


... e as doze Promessas:
  1. A minha bênção permanecerá sobre as casas em que se achar exposta e venerada a imagem de meu Sagrado Coração.
  2. Eu darei aos devotos do meu Coração todas as graças necessárias a seu estado.
  3. Estabelecerei e conservarei a paz em suas famílias.
  4. Eu os consolarei em todas as suas aflições.
  5. Serei seu refúgio seguro na vida, e principalmente na hora da morte.
  6. Lançarei bênçãos abundantes sobre todos os seus trabalhos e empreendimentos.
  7. Os pecadores encontrarão em meu Coração fonte inesgotável de misericórdias.
  8. As almas tíbias se tornarão fervorosas pela prática dessa devoção.
  9. As almas fervorosas subirão em pouco tempo a uma alta perfeição.
  10. Darei aos sacerdotes que praticarem especialmente essa devoção o poder de tocar os corações mais empedernidos.
  11. As pessoas que propagarem esta devoção terão os seus nomes inscritos para sempre no meu Coração.
  12. A todos os que comungarem nas primeiras sextas-feiras de nove meses consecutivos, darei a graça da perseverança final e da salvação eterna.

    ATO DE DESAGRAVO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS 
    (rezai-o sempre, particularmente nas primeiras sextas-feiras de cada mês)

Dulcíssimo Jesus, cuja infinita caridade para com os homens é deles tão ingratamente correspondida com esquecimentos, friezas e desprezos, eis-nos aqui prostrados, diante do vosso altar, para vos desagravarmos, com especiais homenagens, da insensibilidade tão insensata e das nefandas injúrias com que é de toda parte alvejado o vosso dulcíssimo Coração.

Reconhecendo, porém, com a mais profunda dor, que também nós, mais de uma vez, cometemos as mesmas indignidades, para nós, em primeiro lugar, imploramos a vossa misericórdia, prontos a expiar não só as nossas próprias culpas, senão também as daqueles que, errando longe do caminho da salvação, ou se obstinam na sua infidelidade, não vos querendo como pastor e guia, ou, conspurcando as promessas do batismo, renegam o jugo suave da vossa santa Lei.

De todos estes tão deploráveis crimes, Senhor, queremos nós hoje desagravar-vos, mas particularmente das licenças dos costumes e imodéstias do vestido, de tantos laços de corrupção armados à inocência, da violação dos dias santificados, das execrandas blasfêmias contra vós e vossos santos, dos insultos ao vosso vigário e a todo o vosso clero, do desprezo e das horrendas e sacrílegas profanações do Sacramento do divino Amor, e enfim, dos atentados e rebeldias oficiais das nações contra os direitos e o magistério da vossa Igreja.

Oh, se pudéssemos lavar com o próprio sangue tantas iniquidades! Entretanto, para reparar a honra divina ultrajada, vos oferecemos, juntamente com os merecimentos da Virgem Mãe, de todos os santos e almas piedosas, aquela infinita satisfação que vós oferecestes ao Eterno Pai sobre a cruz, e que não cessais de renovar todos os dias sobre os nossos altares.

Ajudai-nos, Senhor, com o auxílio da vossa graça, para que possamos, como é nosso firme propósito, com a viveza da fé, com a pureza dos costumes, com a fiel observância da lei e caridade evangélicas, reparar todos os pecados cometidos por nós e por nossos próximos, impedir, por todos os meios, novas injúrias à vossa divina Majestade e atrair ao vosso serviço o maior número possível de almas.

Recebei, ó Jesus de Infinito Amor, pelas mãos de Maria Santíssima Reparadora, a espontânea homenagem deste nosso desagravo, e concedei-nos a grande graça de perseverarmos constantes até a morte no fiel cumprimento dos nossos deveres e no vosso santo serviço, para que possamos chegar todos à Pátria bem-aventurada, onde vós, com o Pai e o Espírito Santo, viveis e reinais, Deus, por todos os séculos dos séculos. Amém.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

FOTO DA SEMANA

(cidade alemã de Dresden, destruída após pesados bombardeios ingleses, ao final da Segunda Guerra Mundial)

NO CÉU NOS RECONHECEREMOS (II)

Da Segunda Carta de Consolação

II - Provas da Tradição


O fato simplesmente afirmado por Santo Atanásio, São Paulino, Santo Agostinho, Honório e Berti – As consolações tiradas deste fato, por Santo Ambrósio para os irmãos; por Fócio para os parentes; por São Jerônimo, Santo Agostinho e, mais ainda, São João Crisóstomo, para as viúvas.

A luz despedida sobre este objeto pela tradição católica é tão viva e constante que passa através de todas as nuvens dos sofismas e da preocupação. Os testemunhos podem dividir-se em duas classes: os que afirmam simplesmente o fato, e os que dele tiram uma consolação. Entre as obras muitas vezes atribuídas a Santo Atanásio, esta glória tão pura do IV século, encontra-se uma que tem por título: 'Questões necessárias que nenhum cristão deve ignorar'. Ora, na resposta à XXII questão lê-se: 'Deus concede às almas justas, no Céu, um grande bem, o de se conhecerem mutuamente'. 

No fim do mesmo século, São Paulino, que mais tarde foi Bispo de Nola, escrevia ao seu antigo preceptor, o poeta Ausônio: 'A alma sobrevive ao corpo, e é necessário que ela guarde os seus sentimentos e as suas afeições, tanto quanto a sua vida. Ela não pode esquecer que é imortal. Para qualquer lugar que Nosso Senhor me mande depois da minha morte, levar-vos-ei em meu coração, e o fatal golpe que me separar do meu corpo não porá termo ao amor que vos consagro'. No século V, o grande Bispo de Hipona dizia a seu auditório: 'Conhecer-nos-emos todos no Céu. Pensais vós que me conhecereis, por me haverdes conhecido na terra, mas não conhecereis meu pai, porque nunca o vistes? Repito-vos, conhecereis todos os santos. Eles se conhecerão, não porque vejam a face uns dos outros, mas verão como os profetas costumam ver na terra; ou ainda dum modo bem mais excelente. Verão divinamente. Por isso que estarão cheias de Deus. 'E vós, São Paulo e Santo Estêvão, o perseguidor e a vítima, não reinais juntamente com Jesus Cristo? Aí, vede-vos ambos mutuamente, ouvis o nosso discurso; orai ambos aí, orai ambos por nós. Aquele que vos coroou a ambos, vos ouvirá também a ambos. 

No século XII, Honório d'Antun perguntava a si mesmo: 'Os justos conhecem-se na glória?' Eis a sua resposta: 'As almas dos justos conhecem todos os justos, até mesmo o seu nome, a sua raça e seus merecimentos, como se tivessem vivido sempre com eles. Conhecem também todos os maus, sabendo por que falta cada um deles está no inferno. Os maus conhecem os maus, e ainda conhecem os justos que veem, e até sabem seus nomes, como o rico avarento sabia o nome de Abraão e de Lázaro. Os justos oram por aqueles que amaram no Senhor ou que os invocam. Mas a sua alegria só se completará depois da ressurreição, quando tiverem recuperado os seus corpos e estivermos reunidos com eles; pois a nossa ausência causa-lhes, por enquanto, alguma solicitude - De abcentia lutem nostra sollicitantur' (Honorius d’Autun - Elucidarium, livro III, n. 7, 8). 

Se quisesse interrogar sobre isto os teólogos modernos, seriam unânimes em responder afirmativamente. Que um só fale em nome de todos: 'Os santos', diz ele, 'veem-se reciprocamente; assim o pede a unidade do reino e da cidade em que vivem na companhia do próprio Deus. Revelam espontaneamente uns aos outros os seus pensamentos e as suas afeições, como pessoas da mesma casa que estão unidas por um sincero amor. Entre os seus concidadãos celestiais, conhecem aqueles mesmos que não conheceram neste mundo, e o conhecimento das belas ações leva-os a outro conhecimento mais pleno daqueles que as praticaram' (Berti, De Theologicis disciplinis, livro III, cap. XIII, n. 2).

Os maiores santos e os homens mais eminentes da Igreja não receavam de recorrer a esta verdade, como a um fecundo manancial, para daqui haurirem as cristalinas águas das celestes consolações que distribuíam às pessoas aflitas. Quem, pois, ousaria ainda acusar de imperfeição este vivo desejo e esta doce esperança? Perdestes um irmão ou uma irmã? Consolai-vos como Santo Ambrósio se consolava a si mesmo: 'Ó meu irmão', dizia ele, 'visto que me precedestes aí, preparai-me um lugar nessa habitação comum, que daqui por diante será para mim a mais desejada. E assim como neste mundo tudo foi comum entre nós, também no Céu desconheceremos a lei de partilhas. Não façais esperar por muito tempo, eu vos suplico, aquele que experimenta um tão vivo desejo de se vos reunir. Esperai aquele que avança, auxiliai aquele que se apressa e, se vos parece que ainda tardo muito, fazei-me ir com mais ligeireza. Nunca estivemos na terra separados um do outro por muito tempo; mas éreis vós que costumáveis visitar-me. Agora, visto que o não podeis fazer, pertence-me ir para junto de vós. Ó meu irmão, que consolação me resta, a não ser esta esperança de nos reunirmos o mais breve possível? Sim, consola-me a esperança de que a separação que se efetuou entre nós pela vossa partida, não será de longa duração, e que por vossas súplicas obtereis a graça de atrair a vós com mais brevidade aquele que vos chora tão vivamente'. 

Perdestes um filho ou uma filha? Recebei as consolações que um Patriarca de Constantinopla dirigia a um pai aflito. Este Patriarca não pode ser contado entre os homens eminentes, e ainda menos entre os santos. É Focio, o autor do cruel cisma que separa o Oriente do Ocidente. Mas suas palavras provam tanto mais, quanto que indicam ser idêntico o parecer dos gregos e latinos sobre este ponto. Ei-las: 'Se vossa filha vos aparecesse e vos falasse, tendo a sua mão apertada na vossa e o seu risonho semblante chegado ao vosso, não vos faria ela a descrição do Céu?' Depois acrescentaria: 'Por que vos afligis, ó meu pai? Estou no paraíso, onde a felicidade não tem limites. Ireis para lá um dia com minha querida mãe, e então achareis que nada vos disse de mais deste lugar de delícias, cuja realidade excede muito as minhas palavras. Ó querido pai, não me retenhais por mais tempo em vossos braços, mas deixai-me com satisfação voltar para o Céu, onde me arrasta a violência do meu amor! Expulsemos, portanto, a tristeza', conclui Focio, 'porque vossa filha está cheia de felicidade no seio de Abraão. Expulsemos a tristeza; porque, dentro de pouco tempo, a veremos ali exultar de alegria e contentamento' (Focio, Epistol. t. III, epist. 63, Tarasio, patricio, fratri).

Perdestes vosso marido? Ai! os vestidos de luto, que trajais continuamente, manifestam bem a desgraça que vos feriu, e a afeição que sobrevive ao vínculo que a morte quebrou. Aproveitai-vos, pois, das consolações que os Padres da Igreja ofereceram por tantas vezes às viúvas cristãs.

São Jerônimo escrevia a uma viúva: 'Chorai vosso Lucínio como um irmão, mas regozijai-vos por ele reinar com Jesus Cristo. Vitorioso e seguro da sua glória, olha-vos do alto do Céu, anima-vos nas vossas aflições, e prepara-vos um lugar junto de si, com tal amor e caridade que, esquecendo-se do seu direito de esposo, começa ainda na terra por vos considerar como sua irmã, ou antes, como seu irmão, porque uma casta união não conhece esta diferença de sexo que se requer para o matrimônio'. Santo Agostinho escrevia a outra viúva: 'Não perdemos aqueles que saem dum mundo donde nós devemos também sair; mas enviamo-los, primeiro que nós, para essa outra vida, onde nos serão tanto mais queridos quanto mais conhecidos nos forem – Ubi nobis erunt quanto notiores, tanto utique cariores. Vós víeis melhor o seu rosto, mas ele via melhor o seu coração. Ora, quando o Senhor vier, porá em plena luz tudo o que estiver envolvido nas trevas, e manifestará os pensamentos do coração. Então cada um saberá o que disser respeito a todos, e não haverá distinção alguma entre os nossos e os estranhos para revelar um segredo aos primeiros e ocultá-lo aos segundos, pois na pátria celeste não haverá estranhos. Mas qual será a natureza, qual a intensidade da luz que assim manifestará tudo quanto o nosso coração encerra agora na obscuridade? Quem poderá dizê-lo? Quem poderá somente concebê-lo?'

São João Crisóstomo, numa das suas homilias sobre o Evangelho de São Mateus, dizia a cada um de seus ouvintes: 'Desejais ver aquele que a morte vos arrebatou? Segui a mesma vida que ele no caminho da virtude, e muito brevemente gozareis desta santa visão. Mas quereríeis vê-lo aqui mesmo? Ah! quem vos poderá estorvar? Se sois prudente, é-vos permitido e fácil vê-lo; porque a esperança dos bens futuros é mais clara do que a própria vista'.

Este sublime orador encontrava, na sua própria história, tudo o que podia torná-lo mais sensível às tristezas da esposa que perdera seu marido. Filho único de uma viúva, que vivia no meio da sociedade, entregue à fraqueza de sua idade e do seu sexo, tinha sido ele o confidente das suas lágrimas e da sua dor, até que a deixara só, como em segunda viuvez, fugindo ao seu amor para encerrar-se na solidão. Ele mesmo nos contou que Libânio, orador pagão, sabendo que sua mãe conservava casta viuvez desde a idade de vinte anos, e nunca tinha querido passar a segundas núpcias, exclamou, voltando-se para os que o cercavam: 'Oh! que mulheres são as cristãs!'

A Providência soube proporcionar a São João Crisóstomo a ocasião de aproveitar estas disposições do seu coração, consolando outra jovem, que só tinha vivido cinco anos com Terásio, seu marido, um dos principais homens do seu tempo. Escreveu a seu respeito dois tratados, que são tidos na conta dos seus mais notáveis livros. Entre outras palavras muitas mais consoladoras, diz-lhe: 'Se desejais ver o vosso marido, se quereis gozar da vossa mútua presença, fazei brilhar em vós a mesma pureza de vida que resplendecia nele, e estai certa que ireis assim fazer parte do mesmo coro angélico em que ele está. Habitareis em sua companhia, não por espaço de cinco anos, como na terra, mas por toda a eternidade. Tornareis então a encontrar vosso marido, não já com aquela beleza corpórea de que era dotado neste mundo, mas com outro esplendor, com outra beleza, que excederá em brilho os raios do Sol. Se vos tivessem prometido de dar a vosso esposo o império de toda a terra, com a condição de vos separardes dele por espaço de vinte anos; e se, além disto, prometessem restituir-vo-lo passado este espaço de tempo, ornado com o diadema e a púrpura, colocando-vos no mesmo grau de honra; não vos resignaríeis a esta separação, observando a castidade? Veríeis mesmo nesta proposição um insigne favor e um objeto digno de todos os vossos desejos. 

Suportai, pois, agora, com resignação e paciência, uma separação que dá a vosso marido a realeza, não da Terra, mas do Céu; suportai-a para o encontrardes entre os bem-aventurados habitantes do Paraíso, coberto, não dum manto de ouro, mas dum vestido de glória e de imortalidade. Portanto, pensando nas honras de que Terásio goza no Céu, ponde termo às vossas lágrimas e aos vossos suspiros. Vivei como ele viveu, ou ainda com mais perfeição, para que, depois de haverdes praticado as mesmas virtudes, sejais recebida nos mesmos tabernáculos, unindo-vos novamente com ele por toda a eternidade, não pelo vínculo do matrimônio, mas por outro ainda melhor. O primeiro une somente os corpos, entretanto que o segundo, mais puro, mais agradável e mais santo, une também as almas'.


(Excertos da obra 'No Céu nos reconheceremos', do Pe. F. Blot, 1890)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

NO CÉU NOS RECONHECEREMOS (I)

Da Segunda Carta de Consolação

I - Provas da Sagrada Escritura 

A parábola do rico avarento, explicada por Santo Irineu, e sobretudo por São Gregório Magno – Fato que ele cita em apoio. O Juízo Final, base da argumentação de São Teodoro Studita 

Todos os bem-aventurados admitidos no Céu conhecem-se perfeitamente, antes mesmo da ressurreição geral. Provam-no tanto a Sagrada Escritura como a Tradição. Limitar-me-ei a citar-vos o Novo Testamento, tomando apenas dele a parábola do rico avarento e algumas palavras que se referem ao juízo final. Está parábola é tão bela que não posso resistir ao desejo de apresentar a vossos olhos as suas passagens principais: Havia um homem rico que se trajava esplendidamente e se banqueteava com magnificência, todos os dias. Havia também ao mesmo tempo um pobre, chamado Lázaro, deitado à sua porta, todo coberto de úlceras, que desejava ardentemente saciar a fome com as migalhas que caíam da mesa do rico, mas ninguém lhas dava, e os cães vinham lamber as suas feridas. Ora, aconteceu morrer este pobre, e foi transportado pelos anjos ao seio de Abraão. O rico morreu também e teve por túmulo o inferno. E quando estava em tormentos, levantou os olhos para o Céu e viu, ao longe, Abraão e Lázaro em seu seio; e, exclamando, disse estas palavras: 'Pai Abraão, tende piedade de mim, e enviai-me Lázaro, a fim de que molhe na água a ponta do seu dedo para me refrescar a língua, porque sofro horríveis tormentos nesta chama'.

Mas Abraão respondeu-lhe: 'Meu filho, lembra-te que recebeste muitos benefícios na terra, e que Lázaro só teve por companheira a miséria e o sofrimento; e é por isso que está gozando agora das maiores consolações, e tu estás em tormentos'. Replicou o avarento: 'Suplico-vos então, Pai Abraão, que o envieis à casa de meu pai, onde tenho cinco irmãos, a fim de adverti-los, pois receio que venham também para este lugar de tormentos' (Lc 16, 19-28). 

Santo Ireneu, combatendo os hereges, escrevia no princípio do século III: 'O Senhor revelou-nos que as almas se lembram na outra vida das ações que praticaram nesta. Não nos ensina Ele esta verdade por meio da história do rico avarento e de Lázaro? Visto que Abraão conhece o que diz respeito a um e outro, as almas continuam portanto a conhecerem-se mutuamente e a recordarem-se das coisas da terra'. No fim do século IV, o Papa São Gregório Magno perguntava a si mesmo se os bons conheceriam os bons no reino do Céu, e se os maus conheceriam os maus no inferno. Sustentou a afirmativa: 'Vejo', disse ele, 'uma prova disto, mais clara do que o dia, na parábola do rico avarento. Não declara aqui o Senhor abertamente que os bons se conhecem entre si, e os maus também? Porque, se Abraão não reconhecesse Lázaro, como falaria de suas passadas desgraças ao rico avarento que estava no meio dos tormentos? E como não conheceria este mesmo avarento os seus companheiros de tormentos se tem cuidado de pedir pelos que ainda estão na terra? Vê-se igualmente que os bons conhecem os maus e os maus os bons. Com efeito, o avarento é conhecido por Abraão; e Lázaro, um dos escolhidos, é reconhecido pelo avarento, que é do número dos réprobos. 

Este conhecimento põe o remate ao que cada um deve receber. Faz com que os bons gozem mais, porque se regozijam com aqueles que amaram na terra. Faz com que os maus, por isso que são atormentados com aqueles que amaram neste mundo até ao desprezo de Deus, sofram não só o seu próprio castigo, mas ainda, de alguma sorte, o dos outros. Há, mesmo para os bem-aventurados, alguma coisa mais admirável. Além de reconhecerem aqueles que conheceram neste mundo - Agnoscunt quos in hoc mundo noverante - reconhecem também, como se os houvessem visto e conhecido, os bons que nunca viram: Velut visos ac cognitos recognoscunt. Que podem ignorar os bem-aventurados no Céu, vendo em plena luz o Deus que tudo sabe? Um dos nossos religiosos, muito recomendável pela sua santidade, viu, junto de si, por ocasião da sua morte, os profetas Jonas, Ezequiel e Daniel, e designou-os por seus nomes. Este exemplo faz-nos claramente perceber quão grande será o conhecimento que teremos uns dos outros na incorruptível vida do Céu, visto que este religioso, estando ainda revestido da corruptibilidade, conheceu os santos profetas que nunca tinha visto'.

Encontramos um fato muito semelhante na vida da fundadora das Anunciadas Celestinas, Maria Vitória Fornari. Interrogava ela uma irmã conversa, pobre aldeã, sobre os em-aventurados que a honravam com suas aparições, como a Santíssima Virgem, Santo Onofre, Santa Catarina de Sena, etc. Surpreendida por ver que uma rapariga sem letras tinha um tão distinto conhecimento de tantos santos, a bem-aventurada perguntou-lhe onde havia aprendido tudo o que sabia a este respeito: 'Minha madre', disse ela com grande simplicidade, 'todos os santos se conhecem distintamente em Deus'. São Gregório Magno foi citado por escritores eclesiásticos muito antigos: na Alemanha, no século IX, por Haymon, Bispo de Halberstadt; na Inglaterra, no século VIII, pelo venerável Beda; na Espanha, no século VII, por São Julião, Bispo de Toledo. Todos participam do seu sentimento e o afirmam sem rodeios.

São Julião, por exemplo, antes de referir estas palavras do grande Pontífice, disse: 'As almas dos defuntos, privadas de seus corpos podem reconhecer-se mutuamente; o Evangelista assim o atesta. Não se pode duvidar de que as almas dos mortos se reconheçam: 'Non est dubitandum quod se defunctorum spiritus recognoscant’. Sobre o juízo final, temos as seguintes palavras de Jesus Cristo a seus discípulos: 'Em verdade vos digo que, quando chegar o tempo da regeneração, e o Filho do Homem estiver sentado no trono da sua glória, vós, que me tendes seguido, estareis sentados sobre doze cadeiras e julgareis as doze tribos de Israel' (Mt 19, 28). 

Temos também estas palavras do grande Apóstolo aos Coríntios: 'Não sabeis que os santos devem um dia julgar o Mundo? Não sabeis que nós seremos os juízes dos mesmos anjos?' (1 Cor 6, 2-3). Tal é a base da argumentação de São Teodoro Studita, num discurso que fez no fim do século VIII ou princípio do IX, para refutar o erro que nos esforçamos por combater aqui. 'Alguns oradores', disse ele, 'enganam os seus ouvintes, sustentando que as criaturas ressuscitadas não se reconhecerão quando o Filho de Deus vier julgar-nos a todos. Como, exclamam, quando de frágeis nos tornarmos incorruptíveis e imortais; quando já não houver gregos, nem judeus, nem bárbaros, nem citas, nem escravos, nem homens livres, nem esposo, nem esposa; quando formos todos semelhantes em gênios, poderíamos reconhecer-nos mutuamente?'

Respondemos, em primeiro lugar, que o que é impossível aos homens é possível a Deus. Doutra sorte não acreditaríamos na ressurreição da carne, pretextando raciocínios humanos. E, efetivamente, como se poderá reorganizar no último dia um corpo desfeito em podridão, devorado talvez por animais ferozes, pelas aves ou pelos peixes, e estes devorados por outros e isto de muitas maneiras, e sucessivamente? Todavia, assim há de ser, e o secreto poder de Deus reunirá todas as suas partes espalhadas e as ressuscitará. Então, cada alma reconhecerá o corpo com que viveu. 

Mas cada uma das almas reconhecerá também o corpo do seu próximo? Não se pode duvidar, sem que se ponha ao mesmo tempo em dúvida o juízo universal. Porque não se pode ser citado em juízo sem ser conhecido, e para julgar uma pessoa é preciso conhecê-la, segundo estas palavras da Sagrada Escritura: 'Convencer-vos-ei, e porei diante de vossos olhos vossos pecados' (Sl 49, 21). O valor deste raciocínio depende da seguinte distinção: no juízo particular, somos julgados só por Deus; mas, no juízo universal, julgaremos de alguma sorte uns aos outros. Entretanto, o primeiro só manifesta a justiça à alma que é julgada, o último a manifestará a todas as criaturas. Assim todas esperam, para o grande dia, a revelação dos filhos de Deus (Rom 8, 19) que fará mudar muito as apreciações dos homens.

O santo continua nestes termos: 'Portanto, se nos não reconhecermos mutuamente, não seremos julgados; se não formos julgados, não seremos recompensados ou punidos pelo que tivermos feito e sofrido neste mundo. Se não devem reconhecer aqueles a quem hão de julgar, verão porventura os Apóstolos o cumprimento desta promessa do Senhor: 'Assentar-vos-eis sobre doze tronos para julgardes as doze tribos de Israel?' (Mt 19, 28). E por estas palavras: 'Onde o próprio irmão não resgata, um estranho resgatará' (Sl 48, 8), não supõe o santo rei Davi que o irmão reconhecerá seu irmão? Muitas são as razões e autoridades que se opõem àqueles que pretendem negar o mútuo reconhecimento das almas no Céu; asserção insensata, asserção comparada pela impiedade às fábulas de Orígenes. Enquanto a nós, meus irmãos, acreditemos sempre que ainda havemos de ressuscitar, que nos tornaremos incorruptíveis, e que nos reconheceremos mutuamente, como nossos primeiros pais se conheciam no paraíso terrestre, antes do pecado, quando estavam ainda isentos de toda a corrupção.

Sim, é necessário crê-lo: Gredendum fore ut fratrem agnoscat frater, liberos pater, uxor maritum, amicus amicum – o irmão reconhecerá seu irmão, o pai a seus filhos, a esposa ao seu esposo, o amigo ao seu amigo; digo mais: o religioso reconhecerá o religioso, o confessor reconhecerá o confessor; o mártir, o seu companheiro de armas; o apóstolo, o seu colega no apostolado; todos nos conheceremos - quo omnium in Deo laetum domicilium sit - a fim de que a habitação de todos em Deus se torne mais agradável pelo benefício, além de tantos outros, de nos reconhecermos mutuamente'.

(Excertos da obra 'No Céu nos reconheceremos', do Pe. F. Blot, 1890)