quarta-feira, 17 de setembro de 2014

SOBRE A CARIDADE

Aí eis, pois, finalmente, meu caro Teótimo, como, por um progresso cheio de suavidade inefável, Deus conduz a alma que Ele faz sair do Egito do pecado, de amor em amor, como que de alojamento em alojamento, até que a tenha feito entrar na terra de promissão quero dizer, na santíssima caridade, a qual, para dizê-lo numa palavra, é uma amizade e não um amor interesseiro. 

Porquanto, pela caridade, nós amamos a Deus por amor d’Ele mesmo, em consideração da Sua bondade sumamente amável: mas essa amizade é uma amizade verdadeira, pois é recíproca, havendo Deus amado eternamente quem quer que O amou, O ama ou O amará temporalmente. É declarada e reconhecida mutuamente, visto que Deus não pode ignorar o amor que nós Lhe temos, já que Ele mesmo no-lo dá: nem nós, tampouco, podemos ignorar o amor que Ele tem a nós já que Ele tanto o publicou, e que tudo o que temos de bom nós recebemos como verdadeiros efeitos da Sua benevolência; e, enfim, estamos em perpétua comunicação com Ele, que não cessa de falar aos nossos corações por inspirações, atrativos e movimentos sagrados. Ele não cessa de nos fazer bem e de nos dar toda sorte de testemunhos do Seu santíssimo afeto, havendo-nos abertamente revelado todos os Seus segredos como a Seus amigos confidentes. E, para cúmulo do Seu santo comércio conosco, tornou-Se nossa própria comida no santíssimo sacramento da Eucaristia. E, quanto a nós, nós tratamos com Ele a todas as horas quando nos apraz, pela santíssima oração, tendo toda a nossa vida, nosso movimento e nosso ser, não somente com Ele, mas n’Ele e por Ele.

Ora, essa amizade não é uma simples amizade, porém amizade de dileção, pela qual nós fazemos eleição de Deus para amá-lO com amor particular. Ele é escolhido, diz a esposa sagrada, entre mil. Ela diz entre mil (Cânt 5, 10); mas quer dizer entre todos. É por isso que essa dileção não é dileção de simples excelência, mas uma dileção incomparável; pois a caridade ama a Deus por uma estima e preferência da sua bondade tão alta e elevada acima de qualquer outra estima, que os outros amores ou não são verdadeiros amores em comparação deste, ou, se são verdadeiros amores, este é infinitamente mais do que amor. E portanto, Teótimo, não é um amor que as forças da natureza, nem humana, nem angélica, possam produzir, mas é o Espírito Santo quem o dá e o infunde em nossos corações (Rom 8, 5): e, assim como nossas almas, que dão a vida aos nossos corpos, não têm sua origem nos nossos corpos, mas são postas nos nossos corpos pela providência natural de Deus, assim também a caridade que dá a vida aos nossos corações não é atraída dos nossos corações, mas é nele vertida, como um celeste licor, pela providência sobrenatural da sua divina majestade.

Por isto a chamamos, pois, amizade sobrenatural e ademais ainda, por concernir ela a Deus e a Ele tender, não segundo a ciência natural que nós temos da Sua bondade, mas segundo o conhecimento sobrenatural da fé. É por isso que, com a fé e a esperança, ela faz sua residência na ponta e cimo do espírito, e como uma rainha de majestade está sentada na vontade como no seu trono, de onde derrama sobre toda a alma as suas suavidades e doçuras, tornando-a por esse meio toda bela, agradável e amável à divina bondade: de sorte que, se a alma é um reino de que o Espírito Santo seja o rei, a caridade é a rainha sentada à sua destra em veste de ouro recamada de belas variedades (Sl 44, 10). Se a alma é uma rainha, esposa do grande rei celeste, a caridade é a sua coroa que lhe embeleza regiamente a cabeça. Mas, se a alma, com seu corpo é um pequeno mundo, a caridade é o sol que orna tudo, tudo aquece e tudo vivifica.

A caridade, pois, é um amor de amizade, uma amizade de dileção, uma dileção de preferência, mas de preferência incomparável, soberana e sobrenatural, a qual é como um sol em toda a alma para embelezá-la com seus raios, em todas as faculdades espirituais para aperfeiçoá-las, em todas as potências para moderá-las, mas na vontade, como na sua sede, para nela residir e fazer-lhe querer e amar ao seu Deus sobre todas as coisas. Ó quão bem-aventurado é o espírito em que essa santa dileção é infundida, já que todos os bens lhe chegam igualmente com ela (Sab 7, 11)!

(Excertos da obra 'Tratado do Amor de Deus' - Livro II, de São Francisco de Sales)

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

GLÓRIAS DE MARIA: NOSSA SENHORA DAS DORES


Nossa Senhora das Dores ou Mater Dolorosa (Mãe Dolorosa) é o título dado à Virgem Maria em relação às dores que Nossa Senhora sofreu ao longo de sua vida, principalmente nos momentos da Paixão de Cristo: 1. A profecia de Simeão sobre Jesus (Lc 2, 34-35); 2. A fuga da Sagrada Família para o Egito (Mt 2, 13-21); 3. O desaparecimento do Menino Jesus durante três dias (Lc 2 41-51); 4. O encontro de Maria e Jesus a caminho do Calvário (Lc 23, 27-31); 5. O sofrimento e morte de Jesus na Cruz (Jo 19, 25-27); 6. Maria recebe o corpo do filho tirado da Cruz (Mt 27, 55-61); 7. O sepultamento do corpo do filho no Santo Sepulcro (Lc 23, 55-56). Você pode ver em SENDARIUM as reflexões sobre as sete dores de Nossa Senhora pelo Arcebispo Fulton Sheen aqui e por São Josemaria Escrivá aqui.

O culto a Nossa Senhora das Dores teve início no ano 1221 no Mosteiro de Schönau, na Germânia (atual Alemanha) e sua festa foi instituída inicialmente em Florença (Itália), no ano de 1239, por meio da chamada Ordem dos Servos de Maria. A festa é comemorada no dia 15 de setembro, para ser associada diretamente às dores de Jesus Cristo na Festa da Exaltação da Cruz


domingo, 14 de setembro de 2014

CRUZ BENDITA, CRUZ SANTA, CRUZ DE REDENÇÃO ETERNA

Páginas do Evangelho - Festa da Exaltação da Cruz de Cristo


'Ninguém subiu ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do Homem. Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna' (Jo 3, 13 - 15). Cristo, levantado do mundo, para manifestar aos homens a glória de Deus, pelo seu sacrifício cruento de Cruz. Cruz santa, cruz de redenção eterna. Eis o madeiro santo, patíbulo de adoração, pelo qual qual Deus remiu o mundo pelo derramamento do Sangue Preciosíssimo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Eis o lenho da cruz, do qual pendeu a salvação do mundo.

O caminho da santidade perpassa pela experiência do Calvário. Quem não subir pelo Gólgota e levar a sua cruz não é digno do Reino dos Céus. O caminho da 'Terra Prometida' começa na Cruz de Cristo e termina na Porta do Céu. Por isso, Jesus desceu à terra para fazer novas todas as coisas e 'subiu ao Céu', para fazer da eternidade o tempo final dos eleitos da graça. Antes de Jesus, os justos tiveram que esperar, na paz dos que se sabiam salvos, o anseio da felicidade eterna junto de Deus.

Acabou-se o tempo de louvação a imagens nascidas do imaginário humano; o maná descido do Céu tomou a forma do próprio Deus feito homem. É Cristo que passa, é Cristo que ensina nas sinagogas, nas praças, nos montes, nas barcas da vida: tudo, entretanto, tudo em Cristo leva a um mesmo lugar e a um mesmo momento: a agonia da cruz, cruz bendita, cruz santa, cruz de salvação: 'Pois Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna. De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele' (Jo 3, 16-17).

A cruz de Cristo é o símbolo da glória de Deus, da redenção da humanidade pecadora, do triunfo da fé cristã. E essa expressão máxima de fé e do gáudio celeste foi manifestada a Nicodemos, um fariseu e membro do Sinédrio, que foi capaz de abandonar o imaginário dos homens para se iluminar da glória de Deus. No Evangelho deste domingo, proclamamos que Nicodemos foi o primeiro a ser irradiado pela revelação da cruz; neste dia da Exaltação da Santa Cruz, referendamos essa dádiva e nos unimos a ele para compartilhar de tão grandes privilégios: 'Per crucem ad lucem — É pela cruz que se chega à luz'.

14 DE SETEMBRO - EXALTAÇÃO DA SANTA CRUZ


'Quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim' (Jo 12, 32)

A festa da Exaltação da Santa Cruz, tem origem na descoberta do Sagrado Lenho por Santa Helena, mãe do imperador Constantino, e na dedicação de duas basílicas construídas por ele, uma no Calvário e outra no Santo Sepulcro, dedicação esta realizada no dia 14 de setembro de 335. No ano de 629, a celebração tomou grande vulto com a restituição da Santa Cruz pelo imperador Heráclio, que a retomou dos persas que a haviam furtado. Levada às costas pelo próprio imperador, de Tiberíades até Jerusalém, a Santa Cruz foi entregue, então, ao Patriarca Zacarias de Jerusalém.


O imperador Constantino e sua mãe, Santa Helena, veneram a Santa Cruz 

Conta-se, então, que o imperador Heráclio, coberto de ornamentos de ouro e pedrarias, não conseguia passar com a cruz pela porta que conduzia até o Calvário; quanto mais se esforçava nesse sentido, mais parecia ficar retido no mesmo lugar. Zacarias, diante desse fato, ponderou ao imperador que a sua ornamentação luxuosa não refletia a humildade de Cristo. Despojado, então, da vestimenta, e com pés descalços, o imperador completou sem dificuldades o trajeto final, encimando no lugar próprio a Cruz no Calvário, de onde tinha sido retirada pelos persas.

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo converteu a Cruz de um objeto de infâmia e repulsa na glória maior da fé cristã. A Festa da Exaltação da Cruz celebra, portanto, o triunfo de Jesus Cristo sobre o mundo e a imprimação do Evangelho no coração de toda a humanidade.

SALVE CRUX SANCTA

Salve, crux sancta, salve mundi gloria,
vera spes nostra, vera ferens gaudia,
signum salutis, salus in periculis,
vitale lignum vitam portans omnium.

Te adorandam, te crucem vivificam,
in te redempti, dulce decus sæculi,
semper laudamus, semper tibi canimus,
per lignum servi, per te, lignum, liberi.

Originale crimen necans in cruce
nos a privatis Christe, munda maculis, 
humanitatem miseratus fragilem 
per crucem sanctam lapsis dona veniam.

Protege salva benedic sanctifica 
populum cunctum crucis per signaculum, 
morbos averte corporis et animae 
hoc contra signum nullum stet periculum.

Sit Deo Patri laus in cruce filii 
sit coequalis laus sancto spiritui, 
civibus summis gaudium et angelis 
honor sit mundo crucis exaltatio. Amen.

sábado, 13 de setembro de 2014

BREVIÁRIO DIGITAL - CATECISMO ILUSTRADO DE 1910 (II)



(Catecismo Ilustrado de 1910, parte II) 

PALAVRAS DE SALVAÇÃO





'Ó Jesus Cristo, amável Senhor, por que, em toda a minha vida, amei, por que desejei outra coisa senão vós? Onde estava eu quando não pensava em vós?' 

(Santo Agostinho)

DEPOIS DA MINHA MORTE


Amar o mundo é realmente uma loucura. Se o mundo se recordasse de mim depois da minha morte, se mostrasse algum pesar de me haver perdido, seria caso para eu sentir alguma pena ao ter de abandoná-lo. Mas, como me tratará o mundo, quando eu deixar de existir?

Fará comigo como tem feito com todos os outros: não se incomodará absolutamente com a minha sorte. Parece-me vê-lo a prosseguir o seu caminho, exatamente como faz agora, sem pensar sequer em que eu já estarei debaixo da terra. A cova, que há de acolher o meu cadáver, será comigo bem mais benévola que o mundo, porque, quando este já não conservar de mim a menor recordação, a cova conservará ainda os meus ossos... Coisa singular! O sepulcro causa-me agora horror, mas um dia será o único a ocupar-se de mim; e o mundo, que me fascina e tenta seduzir-me, dentro em breve me tratará como se eu nunca tivesse existido.

Como são bem punidos os idólatras do mundo! Este mundo, do qual tantos procuram as honras, o afeto e o reconhecimento, não lhes conservará no coração o mais pequenino posto; quando muito lhes inscreverá os nomes num registro, que abandonará depois à poeira dos arquivos. Não há um lugar onde se morra duma maneira tão perfeita, irrevogável e definitiva como na memória e no coração dos pândegos e senhores deste mundo. É positivo que naqueles cérebros e naqueles corações não se ressuscita jamais. E poderia eu, portanto, esperar depois da minha morte alguma coisa dum mundo que, por minha causa, não suspenderá um só minuto os seus costumes, não se privará do mais insignificante dos seus prazeres, não me conservará o mais exíguo dos seus afetos? Se ele esquece com tanta facilidade e com a mais abominável frieza os homens mais ilustres e benemerentes, que fará de mim, pobre grãozinho de areia?

E tu, ó meu Jesus, como me tratarás quando eu já não existir? Ah! Como és diverso do mundo! Como é diverso o teu Coração do coração dos homens! Tu me recordarás certamente e para sempre; recordarás que vim tantas vezes encontrar-te; recordarás as batalhas que travei comigo mesmo para dar-te um pouco de oração recolhida e um pouco de amor; recordarás a tua pobre criatura que, ignorada de todos, estava junto do Tabernáculo a chorar culpas em segredo, a esperar perdões e a invocar misericórdias; recordarás que terei consumado o meu longo sacrifício, sem dizer nada a ninguém, mas confiando a ti somente todas as minhas penas; recordarás toda a minha obscura existência, desde o primeiro instante em que saí das tuas mãos, até o último em que expirei sobre o teu Coração. E, recordando-me, continuarás a amar-me como antes, ou ainda mais; recordando-me, tomarás cuidado daqueles que ficarem chorando junto do meu cadáver e, pelas vias admiráveis da Providência, as conduzirás à salvação; recordando-me, ordenarás à Igreja que faça memória perene de mim no Santo Sacrifício da Missa, e que todos os dias recite uma oração pelo eterno descanso da minha alma.

A minha alma! Eis o que é mais importante! Que vale elevar monumentos e até pirâmides para honrar quatro ossos descarnados, se nada se faz em favor da alma? Que diferença entre mim e os grandes conquistadores e perturbadores do mundo! Aqueles terão os seus nomes esculpidos sobre o granito e o corpo deposto numa urna de pórfiro; e eu terei o meu nome escrito na memória de Jesus, e a minha alma repousará no seu Coração.

Portanto, a um mundo que fará comigo como tem feito e fará sempre com os outros; que continuará a rir, a gozar e a pecar, mesmo quando o meu esquife lhe passar vizinho a caminho do cemitério; que por mim não verterá uma lágrima, não terá uma palavra de compaixão, nem sequer a recordação de vinte e quatro horas; a este mundo com todas as suas lisonjas, com as suas efêmeras promessas, com todas as suas delícias e todas as suas culpas, a este mundo eu voto o meu desprezo mais profundo, o meu abandono mais resoluto, a minha mais cordial aversão! 

E a Jesus!... A Jesus eu consagro a minha fé mais viva na grandeza eterna e imensa da sua divindade, a minha esperança mais inabalável na fidelidade às suas promessas e na grandiosidade infinita das suas recompensas, a minha caridade mais ardente pela sua bondade tão grande e tão terna, que o fez descer à terra para unir-se a mim, e que me conduzirá um dia ao Paraíso para me ter sempre unido a Ele. Depois da morte, portanto, o mundo abandonará para sempre os seus adoradores; Jesus terá sempre no próprio coração os seus amantes. Portanto, ó mundo, adeus... ó Jesus, eis-me aqui, que estarei sempre contigo.

(Excertos da obra 'Centelhas Eucarísticas', de original italiano, 1906; trad. de Adolfo Tarroso Gomes, 1924)