sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O CALENDÁRIO GREGORIANO

(Papa Gregório XIII)

O Papa Gregório XIII (1572 - 1585) convocou um grupo de especialistas para corrigir o então vigente 'calendário juliano' (implantado pelo imperador romano Júlio César (100 a.C.- 44 a.C.) em 46 a.C.) que não estava ajustado ao ano solar, superando-o em 11 minutos e 14 segundos. Assim, em pouco mais de 1600 anos, o calendário juliano havia defasado cerca de 10 dias, com impacto direto sobre datas fixas do ano (celebração da páscoa, equinócio da primavera, solstícios, etc). Os estudos apresentados pelos especialistas resultaram na elaboração do chamado 'calendário gregoriano', consubstanciado pela promulgação da bula papal Inter Gravissimas em 1582.


A retificação do calendário comportou três grandes alterações: (i) foram omitidos dez dias do calendário, deixando de existir os dias entre 5 a 14 de outubro de 1582. A bula papal prescrevia que o dia seguinte à quinta-feira, 4 de outubro, fosse sexta-feira, 15 de outubro; (ii) os anos seculares só seriam considerados bissextos se divisíveis por 400, eliminando-se, assim, o atraso de três dias a cada quatrocentos anos observada no calendário anterior; (iii) o ano solar foi corrigido para uma duração média de 365 dias, 5 horas, 49 minutos e 12 segundos.


O novo calendário foi sendo adotado aos poucos, inicialmente pelos países e regiões católicas. Portugal e Espanha o adotaram de imediato em outubro de 1582; a França, em dezembro de 1582; a Alemanha e a Áustria, em 1584; a Hungria, em 1587; a Inglaterra, somente em 1752; a Suécia, em 1753, a China em 1912; a Rússia, a partir de 1918 e a Grécia, em 1923.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

SE ADÃO E EVA PECARAM, QUE CULPA TEMOS NÓS?

Apresenta-se aqui aquela questão que algumas pessoas costumam comentar entre si. Ao pecar, estão prontas a acusar seja o que for, exceto a si mesmas. Declaram elas: se foram Adão e Eva que pecaram, que fizemos nós, pobres infelizes, para nascermos na cegueira da ignorância e nos tormentos da dificuldade? 

(...) Dirijo uma breve resposta a essas pessoas para que se tranquilizem e deixem de murmurar contra Deus. Pois poderiam, talvez, se lamentar com razão se homem algum houvesse existido que não tenha podido triunfar do erro e da concupiscência. Uma vez, porém, que Deus se acha em tudo presente e que de tantas maneiras se serve das criaturas para chamar a si — a Ele, que é o Senhor — esse seu servo que dele se desviou, a fim de instruí-lo, caso creia; consolá-lo, caso espere; encorajá-lo, caso ame; ajudá-lo, caso faça esforço; e escutá-lo, caso implore. Não te recriminam pelo fato de ignorares, contra tua própria vontade, mas de negligenciares procurar saber o que ignoras. Tampouco te é imputado como culpa não poderes curar teus membros feridos, mas de menosprezares Aquele que te quer curar. Enfim, são esses os teus verdadeiros pecados. 

(...) As más ações que cometemos por ignorância e as boas que não conseguimos praticar, apesar da boa vontade, denominam-se 'pecados', visto tirarem sua origem daquele primeiro pecado cometido por livre vontade. Esse, com efeito, como antecedente, mereceu os outros pecados, como consequentes. Assim, de modo semelhante, costumamos denominar 'língua' não apenas o órgão que pomos em movimento na boca ao falarmos, mas também aquilo que resulta desses movimentos, isto é, a forma e a sequência sonora das palavras. Nesse sentido, dizemos: uma é a língua grega; outra, a latina. Da mesma maneira, denominamos 'pecado' não apenas o que em sentido próprio é pecado, por ter sido cometido conscientemente e por livre vontade, mas também o que é a consequência necessária do mesmo pecado, como castigo do mesmo. 

(...) Dessa maneira, aprouve, muito justamente a Deus, que governa soberanamente todas as coisas, que nascêssemos daquele primeiro casal, com ignorância e dificuldade no esforço e na mortalidade. Isso porque, ao pecarem, eles foram precipitados no erro, na dor e na morte. Assim, na origem do homem devia se manifestar a justiça daquele que pune; e no decorrer de sua vida, a misericórdia daquele que liberta. 

Posto que, se os primeiros homens, desde a sua condenação, perderam a sua felicidade, não perderam por aí a sua fecundidade. Logo, a sua descendência, mesmo carnal e mortal, poderia tornar-se em seu gênero certo elemento de honra e ornamento para o universo. Na verdade, não era justo que o primeiro homem gerasse filhos melhores do que ele mesmo era. Por outro lado, convinha, ao se converter para Deus, que qualquer homem pudesse triunfar do castigo que havia merecido ao nascer, no afastamento de Deus. Outrossim, não convinha que essa boa vontade de regresso a Deus fosse impedida. Pelo contrário, que fosse ajudada. O Criador de todas as coisas mostrava além do mais, por esse meio, com quanta facilidade o primeiro homem teria podido, se o quisesse, manter-se no estado no qual havia sido criado, visto que sua descendência pôde vir a triunfar do estado em que nascera. 

Em seguida, se supusermos que Deus criou uma só alma, da qual tiraram sua origem as almas de todos os homens que nascem, quem poderia negar não ter cada homem pecado, ao pecar o primeiro homem? No caso, porém, de as almas serem criadas separadamente, uma a uma, na ocasião do nascimento de cada homem,não se pode achar ser contra a razão, mas, ao contrário, perfeitamente conveniente e bem conforme a ordem que os desméritos da primeira alma sejam conaturais à alma seguinte, e que o mérito da segunda seja conatural à antecedente. 

Com efeito, o que há de indigno para o Criador se, ainda assim, ter ele querido demonstrar a dignidade da alma — natureza espiritual — ultrapassar de muito os seres corporais, e que o grau de profundidade ao qual uma alma chegou, em sua degradação, possa ser o ponto de origem de outra alma? Eis por que, quando a alma, ao pecar, cai na ignorância e nas dificuldades, fala-se então, com razão, de castigo, visto que, certamente, ela foi melhor antes de tal castigo. 

(...)  Por outro lado, ao admitirmos que talvez as almas já tenham preexistido em algum lugar secreto disposto por Deus, e serem elas enviadas para animar e governar os corpos de cada uma das pessoas que for nascendo — nesse caso, estão elas destinadas a esse ofício para dar uma boa direção ao corpo em que nascem, sujeito à penalidade do pecado, isto é, padecendo a mortalidade devida ao pecado do primeiro homem. Fazem isso dominando o corpo por meio das virtudes, para submetê-lo a uma servidão perfeitamente legítima e conveniente, para lhe fazer adquirir assim progressivamente, conforme a ordem, em tempo oportuno, um lugar na morada incorruptível do céu. Essas almas, ao entrarem na vida presente, sujeitando-se ao encargo de reger membros mortais, devem também submeter-se ao esquecimento da vida precedente, assim como aceitar os trabalhos desta vida. Aí está a explicação daquela ignorância e dificuldades que foram para o primeiro homem o castigo de sua queda mortal: é para assim ser expiada a miséria da própria alma. 

Mas para as outras almas, elas encontram, desse modo, acesso à sua função de recuperar para o corpo a incorruptibilidade. Assim, tampouco, são denominados pecados a ignorância e a fraqueza, a não ser no sentido de que o corpo, provindo da geração de pecador, comunica às almas que vêm a unir-se a elas aquela mesma ignorância e dificuldade. Mas nem essas almas, nem o Criador devem ser julgados responsáveis, como de uma falta. Pois Deus deu-lhes a capacidade de agir bem, nos deveres penosos, e também ensinou-lhes o caminho da fé, em meio à cegueira da ignorância. E acima de tudo, deu-lhes esse reto julgamento pelo qual toda alma reconhece que é preciso procurar tudo o que não lhe traz utilidade alguma em ignorar. Deu-lhes ainda o poder de fazer esforços perseverantes no cumprimento de seus deveres, para vencerem a dificuldade de agir bem. Implorarem assim a ajuda do Criador para a obtenção de auxílio divino nos seus esforços. 

Deus mesmo ordena que se façam esforços, seja de modo exterior por intermédio da lei, seja por convites pessoais, no íntimo do coração. E ao mesmo tempo, prepara a glória daquela cidade bem-aventurada para os vencedores (do demônio), que arrastou o primeiro homem a tal miséria, tendo-o vencido por uma pérfida persuasão. E é precisamente aceitando essas misérias que os homens triunfam do demônio pela excelência de sua fé. Não é um fato de pouca glória o de vencerem o demônio, tomando sobre si aquele mesmo suplício pelo qual o espírito das trevas glorificava-se de ter vencido os homens. 

(...) Finalmente, se admitirmos a suposição de que as almas, antes de sua união com o corpo, encontravam-se em algum outro lugar e não foram enviadas pelo Senhor nosso Deus, mas, ao contrário, vieram espontaneamente unir-se aos corpos, a consequência é então fácil de ser compreendida. Tudo o que elas experimentam de ignorância e dificuldades, sendo consequência de sua própria vontade, não há aí, de modo algum, nada que se possa incriminar ao Criador. 

Aliás, mesmo se o próprio Senhor Deus tivesse enviado essas almas, uma vez que não as privou, até em meio da ignorância e das dificuldades, da vontade livre, nem da faculdade de pedir, de procurar e de esforçar-se, propondo-se Ele a dar às que lhe pedissem, de mostrar-se às que procurassem e de abrir-se às que batessem, Ele seria totalmente isento de qualquer culpa. Ele consentiria, assim, a essas almas zelosas e de boa vontade, poderem obter triunfo sobre a ignorância, as dificuldades, e dar-lhes-ia um meio de adquirir a coroa de glória. Quanto às almas negligentes, que pretendem desculpar seus pecados por meio de suas fraquezas, o Senhor Deus não consideraria como crime essa mesma ignorância ou dificuldade. Entretanto, por terem preferido permanecer envoltas nelas, em vez de chegar à verdade e à facilidade, procurando e esforçando-se com zelo, confessando com humildade suas faltas e orando, Ele as haveria de punir com justo castigo.

(Excertos da obra 'O Livre Arbítrio' de Santo Agostinho, Ed. Paulus, 1995, cap. 19-20; p. 210 - 217)

OS BONS E OS MAUS

A vida presente não é senão a preparação para a vida eterna. Aquela é o caminho que conduz a esta. Nós estamos in via, diziam os escolásticos, caminhando ad terminum, na estrada para o céu. Os sábios de hoje exprimiriam a mesma ideia, dizendo que a terra é o laboratório no qual se formam as almas, no qual se recebem e se desenvolvem as faculdades sobrenaturais que o cristão, após a morte, gozará na morada celeste. Como a vida embrionária no seio materno, é também uma vida, mas uma vida em formação, na qual se elaboram os sentidos que deverão funcionar na estada terrestre: os olhos que contemplarão a natureza, o ouvido que recolherá suas harmonias, a voz que a isso misturará seus cantos etc. 

No céu nós veremos a Deus face a face, é a grande promessa que nos foi feita. Toda a religião está baseada nela. E no entanto nenhuma natureza criada é capaz dessa visão. Todos os seres vivos têm sua maneira de conhecer, limitada por sua própria natureza. A planta tem um certo conhecimento das substâncias que devem servir à sua manutenção, posto que suas raízes se estendem em direção a elas, procurando-as para ingeri-las. Esse conhecimento não é uma visão. O animal vê, mas ele não tem a inteligência das coisas que seus olhos abarcam. O homem compreende essas coisas, sua razão as penetra, abstrai as ideias que elas contêm e através delas se eleva à ciência. Mas as substâncias das coisas permanecem escondidas, porque o homem é apenas um animal racional e não uma pura inteligência. 

Os anjos, inteligências puras, vêem a si mesmos na sua substância, podem contemplar diretamente as substâncias da mesma natureza da deles, e com mais razão as substâncias inferiores. Deus é uma substância à parte, de uma ordem infinitamente superior. O maior esforço do espírito humano conseguiu qualificá-Lo de 'ato puro', e a Revelação nos diz que Ele é uma trindade de pessoas na unidade da substância, a segunda engendrada pela primeira, a terceira que procede das outras duas, e isso numa vida de inteligência e de amor que não tem começo nem fim. Ver a Deus como Ele é, amá-Lo como Ele Se ama - e nisto consiste a beatitude prometida - está acima das forças de toda natureza criada e mesmo possível. 

Para compreendê-Lo, essa natureza não deveria ser nada menos que igual a Deus. Mas aquilo que não tem cabimento pela natureza pode sobrevir pelo dom gratuito de Deus. E isto é: nós o sabemos porque Deus no-lo disse ter feito. Isto serve para os anjos e isto serve para nós. Os anjos bons vêem a Deus face a face, e nós somos chamados a gozar da mesma felicidade. Nós não podemos chegar a isso senão por alguma coisa de sobre-acrescentado, que nos eleva acima de nossa natureza, que nos torna capazes daquilo de que somos radicalmente impotentes por nós mesmos, como seria o dom da razão para um animal ou o dom da visão para uma planta. Essa alguma coisa é chamada aqui em baixo de 'graça santificante'. É, diz o apóstolo São Pedro, uma participação na natureza divina. 

E é preciso que seja assim; pois, como acabamos de ver, em nenhum ser a operação ultrapassa, pode ultrapassar, a natureza desse ser. Se um dia somos capazes de ver a Deus, é porque alguma coisa de divino terá sido depositada em nós, ter-se-á tornado uma parte do nosso ser, e o terá elevado até torná-lo semelhante a Deus. 'Bem amados', diz o apóstolo São João, 'agora somos filhos de Deus, e aquilo que um dia seremos ainda não se manifestou: seremos semelhantes a Ele, porque nós O veremos tal como Ele é' (I Jo., III, 2). Essa alguma coisa nós a recebemos desde este mundo, no santo Batismo. O apóstolo São João a chama um germe (I Jo., III, 9), isto é, o início de uma vida. Era o que Nosso Senhor nos assinalava quando falava a Nicodemos sobre a necessidade de um novo nascimento, de uma geração para a nova vida: a vida que o Pai tem nEle mesmo, que Ele dá ao Filho, e que o Filho nos traz ao nos enxertar nEle pelo Santo Batismo. Essa palavra enxerto, que dá uma imagem tão viva de todo o mistério, São Paulo a tomara de Nosso Senhor, que disse a Seus apóstolos: 'Eu sou a videira, vós sois os ramos. Assim como o ramo não pode dar fruto por si só, sem permanecer na videira, assim também vós, se não permanecerdes em Mim'.

(...) Toda a vida presente deve tender a esse desabrochar, à transformação do velho homem, do homem da pura natureza e mesmo da natureza decaída, em homem deificado. Eis o que acontece aqui em baixo ao cristão fiel. As virtudes sobrenaturais, infundidas em nossa alma no batismo, desenvolvem-se a cada dia pelo exercício que nós lhes damos com os socorros da graça, e tornam assim a graça capaz das atividades sobrenaturais que deverá desdobrar no céu. A entrada no céu será o nascimento, assim como o batismo foi a concepção.

(...) Isto não quer dizer que desde o momento em que o cristianismo foi pregado os homens não pensaram em mais nenhuma outra coisa que não fosse a sua santificação. Eles continuaram a perseguir as finalidades secundárias da vida presente, e a cumprir, na família e na sociedade, as funções que elas requerem e os deveres que elas impõem. Ademais, a santificação não se opera unicamente pelos exercícios espirituais, mas pelo cumprimento de todo dever de estado, por todo ato feito com pureza de intenção. 'Tudo quanto fizerdes, diz o apóstolo São Paulo, por palavras ou por obras, fazei-o em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo... Trabalhai para agradar a Deus em todas as coisas, e dareis frutos em toda boa obra' (Col., I, 10 e III, 17).

Além disso, permaneceram na sociedade, e nela permanecerão até o fim dos tempos, as duas categorias de homens que a Santa Escritura tão bem denomina: os bons e os maus. Todavia é de se reparar que o número dos maus diminui e o número dos bons aumenta à medida que a fé adquire mais influência na sociedade. Estes, porque têm a fé na vida eterna, amam a Deus, fazem o bem, observam a justiça, são os benfeitores de seus irmãos, e por tudo isso fazem reinar na sociedade a segurança e a paz. Aqueles, porque não têm fé, porque seus olhares ficaram fixados nesta terra, são egoístas, sem amor, sem piedade por seus semelhantes: inimigos de todo o bem, eles são na sociedade uma causa de discórdia e de impedimento para a civilização. Misturados uns aos outros, os bons e os maus, os crentes e os incrédulos, formam as duas cidades descritas por Santo Agostinho: O amor a si, que pode ir até ao desprezo de Deus, constitui a sociedade comumente chamada 'o mundo'; o amor a Deus, levado até ao desprezo de si mesmo, produz a santidade e povoa 'a vida celeste'.

(Excertos da obra 'A Conjuração Anticristã' de Monsenhor Henri Delassus, Tomo I, Cap. II, 1910).

terça-feira, 27 de agosto de 2013

CONCÍLIOS DA IGREJA (III)

 17. FLORENÇA - 1431/45

(Basel: 25/07/1431 a 07/05/1437; Ferrara: 18/09/1437 a 8/01/1438; Florença: de 26/02/1439 a 1445)

                                Embora seja chamado Concílio de Florença, foi iniciado em Basel (Basileia), na Suíça, continuado em Ferrara (Itália) e Florença e encerrado em Roma em 1445. Este concílio foi convocado pelo papa Martinho V que não viveu para lhe fazer a abertura (morreu em 20 de fevereiro de 1431). Eugênio I, seu sucessor, considerando a natureza da organização e os resultados desastrosos desse evento (uma assembleia de padres na Basileia), proclamou a dissolução do concílio por meio de uma bula em 18 de setembro de 1437 e reconvocou a continuidade do concílio para a cidade de Ferrara. Além da excomunhão dos que ainda permaneciam reunidos em Basel (e que induziram novo cisma à Igreja, com a eleição do antipapa Félix V), o novo concílio debateu-se exaustivamente na chamada 'Questão Filioque', relativa à inserção ou não da expressão 'filioque' (e do Filho), presente no credo da Igreja Latina ('que procede do Pai e do Filho') e ausente do credo da Igreja Oriental ('que procede do Pai'), fator de confronto vital para as tentativas de reunião das igrejas e superação do Grande Cisma do Oriente. Devido aos efeitos calamitosos da peste na cidade, o concílio foi novamente transferido, agora para Florença. Retomados os trabalhos no sentido de uma reaproximação, a chamada União de Florença pareceu dar fim ao cisma do oriente, o que na verdade nunca aconteceu, sendo desfeita por completo em face da queda de Constantinopla em 1453. A fase final do concílio compreendeu uma série de tratativas com as igrejas orientais, entre 1439 e 1445, encontros estes realizados na Catedral de Latrão, em Roma. Uma singular contribuição desse concílio foi a proclamação da supremacia da autoridade do papa sobre os prelados conciliares e a ratificação do dogma de que 'fora da Igreja não há salvação', proclamado pelo papa Eugênio IV em sua bula Cantate Domino

18. LATRÃO V - 1512/17
(10 de maio de 1512 a 16 de março de 1517)

Visando re-estabelecer as primícias doutrinárias e evitar práticas abusivas (e mesmo escandalosas, como as praticadas durante o mandato do papa Alexandre VI), o papa Júlio II convocou o décimo oitavo concílio ecumênico da Igreja, realizado novamente na Catedral de Ladrão, em Roma, a partir de 1512. Com a morte de Júlio II em 1513, o concílio foi coordenado em grande parte pelo papa Leão X (1513 - 1521), seu sucessor. O concílio ficou restrito apenas a uma mera reforma de costumes disciplinares e à condenação de algumas heresias, mas sem resoluções importantes e, principalmente, sem se ater profundamente nas grandes questões doutrinárias que, pouco mais tarde, iriam ser colocadas duramente à prova pela Reforma Protestante.

19. TRENTO - 1545/63
(13/12/1545 a 04/12/1563, em 3 períodos)


O maior e o mais longo de todos os grandes concílios ecumênicos foi convocado pelo papa Paulo III em 13 de dezembro de 1545 na aldeia montanhosa de Trento, no norte da Itália. Promoveu uma profunda reforma na estrutura interna da Igreja, definindo a jurisdição episcopal, prescrevendo os deveres do clero, as normas para a fundação e disciplina dos seminários. Aprovou decretos dogmáticos sobre a Bíblia, a tradição histórico-religiosa, o pecado original, a missa (promulgação da Missa Tridentina), a eucaristia, as indulgências, os sacramentos, o purgatório e a veneração das imagens e dos santos. É considerado o concílio da Contra-Reforma, por se opor à Reforma Protestante e condenar como anátemas Lutero e o protestantismo. Foi realizado em três diferentes períodos: 1545-48; 1551-52 e 1562-63, estendendo-se por 18 anos e contemplando cinco papas: Paulo III, Júlio III, Marcelo II, Paulo IV e Pio IV , que fechou a última sessão do concílio em 04 dezembro de 1563. O papa Pio IV emitiu uma bula específica em 7 de fevereiro de 1564, ratificando todas as deliberações tomadas em Trento. É considerado um dos três grandes concílios da Igreja e referência do Magistério da Igreja como depositária perene das verdades e tradições da autêntica fé cristã.

20. VATICANO I - 1869/70
(8 de dezembro de 1869 a 18 de julho de 1870)

Convocado pelo papa Pio IX (1846 - 1878), este concílio foi realizado na Catedral de São Pedro no Estado do Vaticano, com início em 08 de dezembro de 1869. Deliberou sobre diversas questões doutrinárias e promulgou as constituição dogmáticas Dei Filius sobre a fé católica e Pastor Aeternus, sobre o primado e a infalibilidade do Papa quando se pronuncia 'ex-catedra' em assuntos de fé e de moral (infalibilidade papal).

21. VATICANO II - 1962/65
(11 de outubro de 1962 a 07 de dezembro de 1965, em 4 períodos)

O Concílio Vaticano II foi convocado em 25 de dezembro de 1961 pelo Papa João XXIII e realizado na Catedral de São Pedro no Estado do Vaticano, que fez a sua abertura oficial em 11 de outubro de 1962. O concílio compreendeu quatro etapas diferentes, cada uma com períodos entre 2 e 3 meses. A primeira ocorreu entre 11 de outubro a 07 de dezembro de 1962. Entretanto, em 03 de junho de 1963, falecia o Papa João XXIII, que teria por sucessor o Cardeal Giovanni Montini, como Papa Paulo VI que, então, coordenou as três etapas seguintes do concílio: a segunda, entre 29 de setembro e 04 de dezembro de 1963, na qual foi promulgada a Constituição sobre a Sagrada Liturgia (Sacrosanctum Concilium); a terceira, entre 14 de setembro e 21 de novembro de 1964, na qual foi promulgada a Constituição Dogmática Lumen Gentium e a quarta etapa, realizada entre 15 de setembro a 08 de dezembro de 1965, na qual foram promulgados, além de vários Decretos e Declarações, a Constituição Pastoral Gaudium et Spes e a Constituição Dogmática Dei Verbum. É de longe o mais controverso e polêmico concílio da Igreja, e moldou, de forma decisiva e impactante, as perdas das referências cristãs da autêntica Igreja de Cristo, em nome dos 'deuses' do modernismo, ecumenismo, humanismo e indiferentismo religioso.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

SOBRE A TRISTEZA

Não se pode enxertar um cavaco de carvalho em uma pereira; são duas árvores de naturezas opostas. Também não é possível enxertar a ira, nem a cólera, nem o desespero, na caridade, ou pelo menos seria extremamente difícil. Quanto à ira, já falamos dela no discurso do zelo (Livro X, caps. XV-XVI); quanto ao desespero, a não ser que o reduzamos à justa desconfiança de nós mesmos, ou então ao sentimento que devemos ter da vaidade, fraqueza e inconstância dos favores, assistência e promessas do mundo, não vejo que serviço possa prestar ao divino amor.

E, quanto à tristeza, como pode ela ser útil à santa caridade, já que a alegria está entre os frutos do Espírito Santo, junto à caridade? Não obstante, o Grande Apóstolo diz assim: 'A tristeza que Deus inspira opera a penitência estável em salvação, mas a tristeza do mundo traz em si a morte' (Gal 3, 22; 2 Cor 7, 10). Há, pois, uma tristeza segundo Deus, a qual é exercida ou pelos pecadores na penitência ou pelos bons na compaixão pelas misérias temporais do próximo, ou pelos perfeitos que deploram, se queixam e se compadecem das calamidades espirituais das almas. Davi, São Pedro e Madalena choraram pelos seus pecados. Agar chorou vendo seu filho quase morto de sede. Jeremias chorou sobre as ruínas de Jerusalém e Nosso Senhor, sobre os Judeus. O Seu grande Apóstolo gemendo, diz estas palavras: 'Muitos há, de quem vos falei muitas vezes e de novo vos digo com mágoa, que são inimigos da cruz de Jesus Cristo' (Filip 3, 18).

Há, pois, uma tristeza deste mundo que provém igualmente de três causas:

(i) Do inimigo infernal, que, por mil sugestões tristes, melancólicas e molestas, obscurece o entendimento, debilita a vontade e conturba toda a alma; é assim como um nevoeiro espesso que enche de secreções a cabeça e o peito e, por esse meio, torna a respiração difícil, colocando o viajante perplexo e sem rumo; assim também o maligno, enchendo o espírito humano de pensamentos tristes, tira-lhe a facilidade de aspirar a Deus, e dá-lhe um aborrecimento e desânimo extremo, a fim que desesperá-lo e de perdê-lo. 

Diz Plínio em sua História Natural que há um peixe a que chamam 'diabo do mar', o qual, revolvendo e empurrando para cá e para lá o lodo, turva a água à volta de si, para se manter nela como na emboscada, e dela, logo que avista os pobres peixinhos, atira-se sobre eles, assalta-os e os devora; é daqui que procede a expressão 'pescar em água turva', de que se faz uso comumente. Com o diabo do inferno se dá o mesmo, pois ele arma suas emboscadas na tristeza, quando, tendo tornado a alma perturbada por uma multidão de pensamentos aborrecidos, lançados aqui e acolá no entendimento, precipita-se depois sobre os afetos, afligindo-os com desconfianças, ciúmes, aversões, invejas, apreensões supérfluas dos pecados passados, e fornecendo uma quantidade de sutilezas vãs, acres e melancólicas, a fim de que rejeitemos toda sorte de razões e consolações.

(ii) De, outras vezes, a tristeza provém da condição natural, quando a melancolia nos é característica. Esta não é verdadeiramente viciosa em si mesma mas, no entanto, nosso inimigo serve-se dela fortemente para urdir e tramar mil tentações em nossas almas; como as aranhas que fazem suas teias quando o tempo está encoberto e o céu nublado, assim também esse espírito maligno nunca tem tanta facilidade para armar as ciladas das suas sugestões nos espíritos doces, benignos e alegres, como faz nos espíritos sombrios, tristes e melancólicos; pois os agita facilmente com mágoas, suspeitas, ódios, murmurações, censuras, invejas, preguiça e entorpecimento espiritual.

(iii) Finalmente, há uma tristeza que a variedade dos acidentes humanos nos acarreta. 'Que alegria posso eu ter', dizia Tobias, 'não podendo ver a luz do céu?' (Tob 5, 12). Assim Jacob ficou triste com a notícia da morte de seu José, e Davi com a do seu Absalão. Ora, essa tristeza é comum aos bons e aos maus, porém nos bons é moderada pela aquiescência e resignação à vontade de Deus; como se viu em Tobias, que, de todas as adversidades de que foi tocado, deu graças à divina majestade, e em Job que, por elas, bendisse o nome do Senhor; e em Daniel, que converteu suas dores em cânticos. Pelo contrário, quanto aos mundanos, essa tristeza lhes é ordinária, e converte-se em pesares, desespero e atordoamentos de espíritos; pois eles são semelhantes aos macacos que na lua minguante estão sempre sorumbáticos, tristes e zangados mas, ao contrário, na lua crescente, saltam, dançam e fazem as suas momices. O mundano é ronhento, intratável, acre e melancólico na falta das prosperidades terrenas e, na afluência destas, é quase sempre fanfarrão, alegre e insolente.

Realmente, a tristeza da verdadeira penitência não deve ser chamada propriamente tristeza; antes, é um desgosto ou um sentimento de detestação do mal, tristeza que nunca tem aborrecimentos ou enfado; tristeza que não entorpece o espírito, mas que o torna ativo, pronto e diligente; tristeza que não abate o coração, mas o eleva pela oração e pela esperança, e o leva a fazer os rasgos do fervor de devoção; tristeza que, no maior acesso das amarguras, produz sempre a doçura de uma consolação incomparável, consoante o preceito do grande Santo Agostinho: 'Entristeça-se o penitente sempre, mas sempre se alegre com a sua tristeza'. 

Diz Cassiano que a tristeza que opera a sólida penitência e o salutar arrependimento, nunca nos pesa. Essa é obediente, afável, humilde, bondosa, suave, paciente, porque deriva e descende da caridade. Posto que se estenda a todas as dores do corpo e à contrição de espírito, ela é, de certo modo, alegre, animada e revigorada pela esperança do seu proveito, e retém toda a suavidade da afabilidade e longanimidade, tendo em si mesma os frutos do Espírito Santo que o santo Apóstolo narra: 'Ora, os frutos do Espírito Santo são: caridade, alegria, paz, longanimidade, bondade, benignidade, fé, mansidão, continência' (Gal 4, 22). Tal é a verdadeira e tal é a boa tristeza que, por certo, não é propriamente triste nem melancólica, mas somente atenta e afeiçoada a detestar, rejeitar e impedir o mal do pecado do passado e também do futuro. 

Nós vemos também múltiplas vezes penitências muito apressadas, perturbadas, impacientes, chorosas, amargas, suspirantes, inquietas, fortemente ásperas e melancólicas, as quais, enfim, mostram-se infrutíferas e sem consequência de qualquer verdadeira emenda, porque não procedem dos verdadeiros motivos da virtude da penitência, e sim, do amor-próprio e natural.

'A tristeza do mundo opera a morte' (2 Cor 7, 10), diz o Apóstolo. Teótimo: é necessário evitá-la e rejeitá-la com todas as nossas forças.  Se ela é natural, devemos repeli-la contrariando os seus movimentos, sujeitando-nos a um regulamento e usando dos remédios e procedimentos julgados oportunos pela medicina. Se provém de tentação, devemos descobrir nosso coração a um diretor espiritual, o qual nos prescreverá os meios de vencê-la, conforme o que sobre isso já dissemos na quarta parte da Introdução à Vida Devota (Cap. XIV). Se for acidental, recorramos ao que está assinalado no livro oitavo (Cap. IV, V), a fim de vermos o quanto as tribulações são amáveis aos filhos de Deus e como a grandeza das nossas esperanças na vida eterna deve tornar quase desprezíveis todos os acontecimentos passageiros da vida temporal.

De resto, por entre todas as melancolias que nos podem advir, devemos empregar a autoridade da vontade superior para fazermos tudo o que pudermos em favor do amor divino. Certamente há ações que dependem tanto da disposição e compleição corporal, que não está em nosso poder fazê-las à nossa vontade. Pois um melancólico não poderia manter nem os olhos, nem a palavra, nem o semblante na mesma graça e suavidade que teria se estivesse descarregado desse mau humor; no entanto, ele pode, apesar de sua má disposição, dizer palavras graciosas, bondosas e corteses, e, não obstante o seu temperamento, praticar, por consideração, ações convenientes em palavras e em obras de caridade, doçura e condescendência. 

Tem toda desculpa aquela pessoa que nem sempre é alegre, pois não é dona da alegria para tê-la quando quiser; mas o que não tem desculpa é faltar com a bondade, a condescendência ou a brandura, pois isto está sempre no poder da nossa vontade e, para isso, não é preciso senão a resolução de combater e superar o humor e a inclinação contrária.

(Excertos da obra 'Tratado do amor de Deus' de São Francisco de Sales, Livro Décimo Primeiro, Capítulo XXI, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1950)

DA VIDA ESPIRITUAL (57)




Medite sempre sobre a Paixão de Cristo, o seu abandono na cruz e as três longas horas de agonia... Nas feridas abertas do peito de Jesus, quanto sangue! Este sangue tem o poder de calcinar até os ossos a frigidez cadavérica das almas tíbias... 

domingo, 25 de agosto de 2013

A PORTA ESTREITA

Páginas do Evangelho - Vigésimo Primeiro Domingo do Tempo Comum 


No Evangelho deste domingo, Jesus é indagado, mais uma vez, por alguém da multidão: 'Senhor, é verdade que são poucos os que se salvam? (Lc 13, 23). A pergunta já traduz uma questão que perpassava a mente do questionador, dos homens daquela época, da mente dos homens de todos os tempos: 'existe um conceito estabelecido de que é uma minoria dos homens que estão destinados à felicidade eterna com Deus'. Essa questão, se verdadeira ou não, dominou o interesse e o estudo aprofundado de muitos teólogos e Padres da Igreja. 

Da posição rigorosa de um São Leonardo do Porto Maurício sobre ‘o pequeno número dos que se salvam’ até manifestações totalmente opostas de que certamente a maior parte dos homens está destinada à Glória Eterna, predominam outras tantas proposições, todas não definidas ou consolidadas nem pela Igreja nem pela Tradição Cristã. Na Suma Teológica, São Tomás de Aquino alinha umas tantas suposições, sem se ater a nenhuma delas: 'a respeito de qual seja o número dos homens predestinados, dizem uns que se salvarão tantos quantos foram os anjos que caíram; outros, que tantos como os anjos que perseveraram; outros, enfim, que se salvarão tantos homens quantos anjos caíram e, ademais, tantos quantos sejam os anjos criados (Suma Teológica I, q.23). 

Ouçamos a resposta de Jesus: 'Fazei todo esforço possível para entrar pela porta estreita. Porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão' (Lc 13, 24). A porta é estreita e muitos não conseguirão entrar. Porta estreita, mas aberta aos que perseverarem na sua fé, em meio às provações e inquietações do mundo. Se muitos não poderão entrar, não significa que muitos não o poderão fazer: 'Virão homens do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e tomarão lugar à mesa no Reino de Deus' (Lc 13, 29). Mas é preciso viver a verdadeira vida em Deus, e fazer 'todo esforço possível' (Lc 13, 24) para seguir os caminhos do bem e viver na graça do Pai.

Jesus é a Porta do Céu. E a porta é estreita porque todos os caminhos da salvação passam por Ele e, passar por Jesus, significa estar livre do pecado mortal e guardar o nosso coração do apelo às paixões desordenadas do mundo. Mas a porta é estreita e fechada aos que escolheram o mundo e aos que, se dizendo de Cristo, cumpriram meros preceitos formais, praticaram a injustiça e o pecado livremente, traíram ou refizeram as palavras e os ensinamentos de Cristo às suas próprias interesses e comodidades: 'Uma vez que o dono da casa se levantar e fechar a porta, vós, do lado de fora, começareis a bater, dizendo: ‘Senhor, abre-nos a porta!’ Ele responderá: ‘Não sei de onde sois’ (Lc 13, 25). E estes ficarão de fora do banquete do Senhor. O número dos que se salvam ou que se perdem não é função de se chegar primeiro ou depois, pois 'há últimos que serão primeiros, e primeiros que serão últimos' (Lc 13, 29), mas das escolhas que fazemos em nossas vidas no caminho para a Jerusalém Celeste.