sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

GLÓRIAS DE MARIA: AS SETE DORES DE NOSSA SENHORA (III)

REFLEXÕES SOBRE AS SETE DORES DE NOSSA SENHORA 
                                                                                                                      (Arcebispo Fulton Sheen)

'Oh Santa Mãe, fixai as chagas do Crucificado 
fortemente em meu coração; 
de Vosso Filho ferido que por mim quis sofrer, 
partilhai comigo as dores.'


SEXTA FERIDA: A LANÇADA E A DESCIDA DA CRUZ


'Eis que descem o Salvador da Cruz em que morrera!
Ó Virgem sacrossanta, destes com tanto amor
Vosso Filho ao Mundo,
e vede como ele vo-lo entrega!'

(Santo Afonso Maria de Ligório)

Nosso Senhor curva a cabeça e morre. Os planetas, descrevendo no espaço um imenso círculo, voltam, ao fim de certo tempo, ao ponto de partida, como que para saudarem Aquele que os lançou na rota do Céu. Ele, que veio do Pai, volta ao seu Pai, proferindo estas últimas palavras: 'Pai, nas vossas mãos entrego o meu espírito.' Foi preciso proceder a um duplo inquérito, para se ter certeza de que Ele estava bem morto. 

Um sargento do exército romano mergulha a sua lança num dos flancos de Jesus. Ele, que tantos testemunhos de amor acumulou em seu Coração, de súbito os derrama nesta água e neste sangue: a água, símbolo da nossa regeneração; o sangue, preço da nossa redenção. Cristo, Espada com que Ele próprio se mata, continua a ferir, mesmo depois da Sua morte. É ela que abre os tesouros que se transforma na nova Arca, onde podem entrar as almas que querem ser salvas do dilúvio do pecado.

Mas, depois de ter aberto os tesouros do seu Coração, a Espada penetra em Maria. Simeão predissera que uma espada trespassaria a sua alma; desta vez, ela lhe veio do flanco entreaberto de Seu Filho. Literalmente para Jesus, metaforicamente para Maria, foi o transpassamento de dois corações com uma só lança. É esta simultaneidade das feridas, esta transfixão simultânea do Coração de Jesus e da alma de Maria, que nos une na adoração do Sagrado Coração de Jesus e na veneração do Imaculado Coração de Maria.

Nunca nos sentimos tão unidos na alegria como o somos na dor. Os prazeres da carne podem unir, mas neles se encontra sempre uma parte de egoísmo, porque o ego se transpõe no ego de outra pessoa, onde encontra a sua própria alegria. Mas, nas lágrimas e nas dores, o egocentrismo não existe: para outrem, só queremos bem. Nesta sucessão de feridas, Jesus sofre por sua Mãe que tanto deve sofrer por Ele, e Maria sofre por seu Filho, pouco cuidando do que possa acontecer a ela própria. Quantas mais consolações tiramos das criaturas, menos recebemos de Deus. Poucos são os que podem consolar. De fato, só podem realmente consolar aqueles que nos deixaram.

Nenhum ser humano pode consolar Maria na sua solidão; apenas o seu Filho o pode fazer. A fim de que as mães que perderam seus filhos nos campos de batalha e as esposas que perderam seus esposos no meio das alegrias de seu amor não fiquem sem consolação, fez Nosso Senhor de Maria a sua consolação e o seu modelo, e tornou-se n'Aquele que é chorado. Ninguém jamais poderá dizer: 'Deus não sabe o que a gente sofre junto de um leito de morte; não conhece o amargor das minhas lágrimas.' Esta sexta dor ensina-nos, pelo contrário, que, em tal provação, só Deus nos pode consolar.

Depois da rebelião contra Deus no paraíso terrestre, pelo abuso que o homem fez da sua liberdade, aconteceu que, um dia, Adão tropeçou no corpo de seu filho Abel. Trazendo-o a Eva, estende-o sobre os seus joelhos. Então, Eva falou a Abel - mas este não respondeu. Nunca eles o tinham visto assim. Levantaram-lhe os braços, mas estes novamente caíram. Então se recordaram do que lhes fora anunciado: 'No dia em que comeres o fruto da árvore, morrerás'. Era a primeira morte do mundo.

Retornou o ciclo do tempo. O novo Abel, assassinado pela raça invejosa de Caim, desceu da Cruz e foi colocado sobre os joelhos da nova Eva, Maria. Para a mãe, o filho nunca cresce, é sempre pequenino que ela o vê. Maria deve ter pensado que Belém voltara: o seu Menino tornara a sentar-se nos seus joelhos. E um outro José ali estava; José de Arimatéia. Havia também a mirra e os perfumes para a sepultura, tudo coisas que lhe recordavam os presentes dos magos... Que presságio de morte não fora a mirra dos sábios do Oriente! Mal um menino nascera e já o mundo pensa na morte desse menino - e, aliás, com justiça, por Ele ser o único homem vindo ao Mundo, para neste morrer. Cada um de nós vem ao mundo, para viver. Para Ele, a morte era a finalidade da sua vida, era o fim que Ele queria alcançar. Ai de nós!

Maria, aqui não é Belém: aqui é o Calvário. O seu Corpo não é branco, como se viesse de deu Pai, mas tinto de sangue, como se de nós saísse. Em seu berço, era um cálice de oferenda, cheio de rubro sangue da vida. Agora, junto da Cruz, o seu Corpo é um cálice vazio - vazio de todas as gotas de sangue que Ele verteu para a Redenção da Humanidade. No estábulo não havia lugar para Ele. Morto, também não tinha onde repousar a sua cabeça - a não ser nos braços de sua Mãe.

Quando Nosso Senhor contava as suas parábolas de misericórdia e principalmente a do Filho Pródigo, só ouvíamos falar do bom pai do filho pródigo. Porque será que o Evangelho guardou silêncio a respeito da mãe do Filho Pródigo? Creio que a resposta está na dor de Maria. Cristo é o verdadeiro Filho Pródigo. Maria é a Mãe do Divino Pródigo que deixou a casa celeste de seu Pai, para peregrinar em terra estrangeira- esta nossa Terra. Ele 'dissipou os seus bens', deu o seu Corpo e o seu sangue, a fim de podermos recobrar a nossa herança do Céu.

E, agora, caído entre os cidadãos de um país rebelde às vontades de seu Pai, misturou-se com as varas de porcos que são os pecadores. Depois, prepara-se para voltar à casa de seu Pai. No caminho do Calvário, a Mãe do Filho Pródigo encontra-o. Neste instante, transforma-se ela na Mãe de todos os filhos pródigos do mundo, preparando-os - pelos misteriosos unguentos da sua intercessão - para o dia tão longínquo, em que a vida e a ressurreição correrão nas suas veias, quando eles avançarem nas asas da manhã.


SÉTIMA FERIDA: JESUS É SEPULTADO


'Ó pedra feliz, que agora encerras
Aquele que tive nove meses no seio,
eu te bendigo e invejo.
Deixo-te guardando este meu Filho
Que é todo o meu bem,
Todo o meu amor'.

(do livro: Glórias de Maria - Santo Afonso Maria de Ligório)

Depois da Ressurreição, não é lícito falar de outras dores, por a morte ter sido vencida. Todavia, até ao dia em que não foram vencidos os laços da morte, existia ainda um grande sofrimento que Jesus quisera e que Maria devia aceitar, de maneira a que os que maltratassem as criaturas do seu amor não ficassem sem esperança e sem consolação. Também Nosso Senhor mergulha essa espada em seu próprio Coração, por querer que homem nenhum sofresse castigo (devido ao seu pecado) que Ele próprio não sofresse. Assim como Jonas esteve três dias no ventre do peixe, assim Ele quis que o deixassem três dias no ventre da Terra.

O Credo dos Apóstolos diz bem, ao afirmar que Ele esteve sepultado. Nosso Senhor não transpassou a sua alma com o castigo da sepultura sem, ao mesmo tempo, ter transpassado, com essa dor, o coração de Maria. Quando isso aconteceu, a Terra estava coberta de trevas, sobre um crime de deicídio. A Terra tremeu... nesse cataclismo da natureza, Maria prepara para a sepultura o corpo do seu Divino Filho. O paraíso terrestre volta de novo, no momento em que Maria planta na Terra a Árvore da Vida, que florirá durante três dias. As dores de todos aqueles que perderam os seus, e que tão custosas são de suportar pelos corações humanos, caíam, com todo o seu peso, sobre a alma de Maria.

O mais que um mortal pode ter perdido é uma criatura: Maria, porém, sepultava o Filho de Deus! É doloroso perder um filho, mas mais doloroso ainda é sepultar a Cristo. É trágico ficar-se órfão de mãe, mas perder Cristo é o Inferno. Não é em escravidão - por mais suave que esta seja - que se encontram dois corações que verdadeiramente se amam, mas numa intimidade que desses dois corações faz um só. Quando a morte chega, não se dá a separação de dois corações; o que, então, se abandona é um único coração. 

Tudo isto era particularmente verdadeiro, em relação a Jesus e Maria. Assim como Adão e Eva tinham cedido ao prazer de comerem o fruto proibido, assim também Jesus e Maria se uniram no prazer de comerem o fruto da Vontade do Pai. Em tais momentos, não há solidão - mas uma grande desolação. Não a desolação exterior, como a dos três dias em que o Menino Jesus se considerava perdido para os seus pais, mas a desolação interior, profunda, ao ponto de ultrapassar as lágrimas.

Certas alegrias são tão intensas que podem nem mesmo provocar um sorriso. Analogamente, certas dores são tais que não fazem correr uma só lágrima. A dor de Maria, no enterramento de Nosso Senhor, foi, porventura, dessa espécie. Se lhe tivesse sido possível chorar, talvez experimentasse alívio. Mas as suas lágrimas eram de sangue, no jardim oculto do seu coração. Desolação nenhuma se poderia comparar à sua. A Divina Espada não poderia trazer novas dores, nem para Jesus, nem para Maria. Mergulhara em seus corações, até aos copos, até onde já não são possíveis as consolações do corpo. Para as outras dores, havia a consolação da presença. Agora, nem mesmo essa. 

O Calvário estava mergulhado no lúgubre silêncio de uma igreja, na Sexta-feira Santa, quando o Santíssimo Sacramento dela é retirado. Dentro de pouco tempo, será arrancada a Espada porque a Ressurreição cura as feridas. No dia da Páscoa, o Salvador exibirá as cicatrizes da sua Paixão, de modo a provar que o amor é mais forte que a morte. Mas não exibirá Maria, também, as cicatrizes das sete feridas da sua alma? A Ressurreição será, para ambos, o embainhar da Espada: a dívida está paga e o homem encontra-se resgatado.

Ninguém poderá dar conta das dores que Eles sofreram. Ninguém, outrossim, poderá dizer quanta santidade Maria alcançou pela sua cooperação de criatura humana, no ato da Redenção de Cristo. A partir desse dia, quando Deus permitir, aos seus cristãos, dores, penas, provações, elas mais não serão do que leves arranhaduras, se comparadas com aquilo que Ele e Maria sofreram. A Espada que Cristo mergulhou em seu próprio Coração e na alma de Maria embotou-se, por virtude, das feridas que neles fez. E, assim, nunca mais ela voltará a ferir tão terrivelmente. Quando ela voltar a tocar-nos, saibamos ver, como Maria, 'a sombra da mão de Jesus a estender-se sobre nós, num gesto de carícia.'