quarta-feira, 12 de maio de 2021

O DOGMA DO PURGATÓRIO (VII)

 

Capítulo VII

Localização do Purgatório - Santa Liduína de Schiedam

Vamos narrar uma terceira visão relativa ao interior do Purgatório, a de Santa Liduína de Schiedam, falecida em 11 de abril de 1433, e cuja história, escrita por um sacerdote contemporâneo, tem a mais perfeita autenticidade. Esta admirável virgem, verdadeiro prodígio da paciência cristã, foi presa de todas as dores das mais cruéis doenças durante o período de trinta e oito anos. Seus sofrimentos tornaram o sono impossível para ela e, assim, passou longas noites em oração, e então, frequentemente envolta em êxtases, foi conduzida por seu anjo da guarda às misteriosas regiões do Purgatório. Lá ela viu moradias, prisões, masmorras diversas, uma mais sombria que a outra; ela conheceu, também, almas que ela conhecia, e ainda vislumbrou os seus diversos castigos.

Pode-se perguntar: 'qual foi a natureza dessas viagens de êxtase?' o que é difícil de explicar, mas podemos concluir de certas outras circunstâncias que havia mais realidade nelas do que podemos ser levados a acreditar. A santa prostrada e doente fazia viagens e peregrinações semelhantes na terra, aos lugares sagrados da Palestina, às igrejas de Roma e aos mosteiros das redondezas. Ela tinha um conhecimento exato dos lugares onde teria percorrido. Certa ocasião, um religioso do mosteiro de Santa Elisabeth, conversando com a santa, recebeu dela informações das celas, do oratório, do refeitório e da sua comunidade, com uma descrição tão exata e detalhada como se ela tivesse vivido a sua vida inteira ali. Tendo o religioso expressado a sua surpresa diante estes fatos, ela respondeu: 'Saiba, padre que eu que já visitei o seu mosteiro'.

Um infeliz pecador, enredado pelas corrupções do mundo, foi finalmente convertido. Graças às orações e exortações constantes de Liduína, fizera uma sincera confissão de todos os seus pecados e recebera a absolvição, mas teve pouco tempo para praticar a penitência, pois pouco depois morreu de peste. A santa ofereceu muitas orações e sofrimentos por sua alma; algum tempo depois, tendo sido levada por seu anjo da guarda ao Purgatório, ela desejou saber se ele ainda estava lá e em que condições. 'Ele está lá', disse o anjo, 'e sofre muito. Você estaria disposta a suportar um pouco de dor para diminuir a dele?' 'Certamente', respondeu ela, 'estou pronta para sofrer qualquer coisa para ajudá-lo'.

Instantaneamente, o seu anjo da guarda a conduziu a um lugar de terrível tortura. 'É esse, então o inferno, meu irmão?' perguntou a santa, tomada de grande horror. 'Não, irmã', respondeu o anjo, 'mas esta parte do Purgatório faz fronteira com o Inferno'. Olhando em volta por todos os lados, ela viu o que parecia ser uma imensa prisão, cercada por paredes de uma altura prodigiosa, cuja escuridão, associada às pedras monstruosas, lhe inspirou enorme horror. 

Aproximando-se deste recinto sombrio, ela ouviu um barulho ensurdecedor de vozes de desespero, gritos de fúria, de correntes e de instrumentos de tortura, e golpes violentos que os algozes desferiram sobre suas vítimas. Esse barulho era tal que todo o tumulto do mundo, de tempestades ou batalhas, não podia ser comparado a ele. 'O que seria então aquele lugar horrível?' perguntou Santa Liduína ao seu anjo protetor. 'Você deseja que eu lhe mostre para você?' 'Não, eu te imploro', disse ela, recuando de terror, 'o barulho que ouço é tão terrível que não posso mais suportá-lo; como, então, eu poderia suportar a visão daqueles horrores?' 

Continuando a sua misteriosa jornada, ela viu um anjo, envolto em tristeza, sentado na beira de um poço. 'Quem é aquele anjo?' perguntou ao seu guia. Ele respondeu: 'É o anjo da guarda do pecador em cujo destino você está interessado;  a sua alma encontra-se neste poço, onde há um Purgatório especial'. Diante essas palavras, Liduína lançou um olhar inquiridor para o seu anjo; ela desejava ver aquela alma que lhe era tão querida e se dedicar a libertá-la daquele terrível calabouço. O anjo, compreendendo o seu empenho pessoal, removeu a tampa do poço pelo seu poder e imediatamente um redemoinho de fogo escapou para fora, acompanhado de terríveis gritos de desespero.

'Você reconhece essa voz?' disse o anjo para ela. 'Ai de mim, sim!', respondeu a serva de Deus. 'Você deseja ver essa alma?' retrucou o anjo. Quando ela respondeu afirmativamente, o anjo chamou a alma pelo seu nome e, imediatamente, a santa viu elevar-se sobre a abertura do poço um espírito todo envolto em chamas, à forma de um metal incandescente, que disse a ela em voz quase inaudível: 'Ó Liduína, serva de Deus, o que me darás em meu favor para que eu possa contemplar a face do Altíssimo?' A visão desta alma, encarcerada num abismo de fogo, deu à nossa santa um tal choque que o cinto que ela usava ao redor do corpo partiu-se em dois e, não sendo mais capaz de suportar a visão, ela despertou repentinamente do seu êxtase.

As pessoas presentes, percebendo o seu estado, perguntaram-lhe a causa. 'Ai de mim!' ela respondeu, 'quão terríveis são as prisões do Purgatório! Foi para ajudar as almas que consenti em descer até lá. Sem esse motivo, ainda que o mundo inteiro fosse dado a mim, eu não sofreria o terror que aquele horrível espetáculo me inspirou'. Alguns dias depois, o mesmo anjo que ela vira tão abatido apareceu-lhe com um semblante alegre; ele disse a ela que a alma de seu protegido havia deixado o poço e passado para o purgatório comum. Esse alívio parcial não bastou à caridade de Liduína; ela continuou a rezar em intenção daquela pobre alma e a aplicar a ela os méritos dos seus sofrimentos, até o dia em que viu as portas do céu finalmente abertas para ela.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)