sexta-feira, 13 de novembro de 2020

A VIDA OCULTA EM DEUS: O ESPÍRITO DE ORAÇÃO


A oração é, segundo a definição de Santa Teresa, uma conversa de amizade íntima em que a alma dialoga sozinha com Deus e não se cansa de expressar seu amor por Aquele por quem sabe ser amada. Estar a sós com nosso Deus para dizer a Ele que o amamos: isso é a oração. Daí se tem o claro entendimento da inteligência de que nada vale sem o espírito de oração, aquela inclinação constante de cada alma, coração, inteligência e vontade para o diálogo com Deus.

Deus é pouco conhecido. E é ainda menos amado. É nesta conversa íntima que o coração adquire uma afeição cada vez mais sólida e profunda por Ele, uma afeição que cresce sem cessar. Toda a nossa ocupação deve ser essa: a de estarmos a sós na presença de Deus. Tudo nos deve falar sobre Ele: o grão de areia em que se pisa, a corrente de um riacho, a flor exposta ao nosso olhar, o canto de um pássaro, a estrela que brilha no céu à noite, um sofrimento, uma alegria, uma ordem. Tudo nos deve fazer pensar nEle, levar-nos até Ele, vê-lo em todos os lugares. Porque é dEle todas as coisas e tudo Ele tem suas mãos, envolvendo e em tudo penetrando, criando e continuando a criação. E, mais do que tudo, pela graça Ele habita no mais íntimo do nosso coração.

Ele não se contenta em nos tornar os seus filhos, mas quer viver em intimidade conosco. Ele está dentro de todos nós para que nossos corações possam amá-lo como se ama alguém que está verdadeiramente presente. E todo o nosso desejo deve ser o de penetrar nas profundezas de Deus por meio da nossa inteligência, de conhecê-lo não só pelas suas obras, mas em si mesmo, na medida do que isso seja possível, permitindo-nos, assim, no recolhimento e no silêncio, que Ele nos abra os olhos e nos fale ao coração. Deixando que nos ensine... deixando que Ele nos diga: 'Eu sou o tesouro, a misericórdia e a sabedoria. Eu sou o bem, a verdade, a vida, a beleza, a bondade e o amor. Eu sou este tudo e, ao mesmo tempo, sou a Trindade em sua intimidade mais perfeita e mais profunda, sem distinção alguma, a não ser pela relação de origem [ou seja, o Pai gera; o Filho é gerado; o Espírito Santo é quem procede; de forma que ao Pai atribui-se a criação, ao Filho atribui-se a redenção e ao Espírito Santo atribui-se a santificação].

Deixa, então, o seu coração se expandir em amor. O amor divino é uma coisa misteriosa. Não podemos dá-lo a nós mesmos, mas Deus se derrama na alma silenciosa, na alma de oração. Sem dúvida, esse amor nem sempre é consciente e sentido, mas como é real! E quer tudo dirigir e a tudo envolver; está sempre presente como uma fonte de calor, como uma língua de fogo. É aquele fogo interior de que fala São João da Cruz que, submerso na alma, a queima e a incendeia.

Devemos empreender a busca de Deus, chamá-lo, correr para Ele e dizer-lhe sem cessar, de manhã à noite: 'Onde estais, ó meu Deus? Entregai-vos a mim pois vos quero, vos chamo, vos procuro e porque preciso de Vós. Vós não sereis mais feliz por causa de mim mas eu só poderei ser feliz por meio de Vós. O meu coração foi feito para Vós e viverá inquieto enquanto não repousar em Vós. Ele sofre quando percebe que não o ama, que não o possui inteiramente'. Esse é o espírito de oração: uma troca contínua de conhecimento e de amor, face a face, num diálogo de corações.

Pode existir vida mais bela do que esta? Isso implica o alheamento do mundo e a imposição do silêncio; quem se distrai com ruídos externos não consegue ouvir a voz interior; é impossível. O silêncio provê a liberdade da alma para se abrir com Deus, falar com Ele e contemplá-lo; porque é necessário, deve ser praticado e não apenas em termos do silêncio exterior, mas também pelo silêncio interior. Silencie a sua imaginação, do que se ocupa e do que se preocupa, do que se deve fazer; desligue-se de tudo isso. Liberte o seu coração das mil ninharias inúteis que o possam oprimir.

Sacrifica tudo e então serás livre. No fundo, se não amais a vós mesmos, amareis mais e, necessariamente, amareis a Deus. O amor há de vos elevar e vos unir a Deus. Tereis uma uma vida de oração, ou seja, uma vida de intimidade com Deus, sempre mais amado e sempre melhor amado. Não busqueis outra coisa. Que a vossa vida seja uma vida de recolhimento, imitando a Santíssima Virgem. O que ela fez, durante toda vida, senão dialogar com a Santíssima Trindade? Ele viveu apenas para o seu Jesus, ela pensou apenas em seu Jesus, seu Deus e seu Filho. Era também a verdadeira Esposa do Louvor. Viveu pela oração e, pode-se dizer,  que morreu em oração. Uma alma de oração se aparta, se recolhe, se desprende, se mortifica e a tudo renuncia: tudo para encontrar a Deus; por outro lado, essa alma se dá a Deus. Então, um foco de luz ilumina, uma fonte de energia se expande, uma fagulha de amor incendeia. Não se precisa buscar ou se inquietar como isso haverá de acontecer.

Pelo simples fato de possuirdes uma alma de oração, sereis contados no número daquelas almas verdadeiramente mortificadas e apostólicas, que espraiam pelo mundo inteiro um pouco mais do conhecimento de Deus, e um pouco mais de caridade.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte I -  O Esforço da Alma; tradução do autor do blog)