sexta-feira, 11 de outubro de 2019

O CULTO DEVIDO AO ESPÍRITO SANTO (II)

Qual culto deve o mundo ao Espírito Santo? Como o Pai e o Filho, o Espírito Santo é Deus. Como o Pai e o Filho, tem direito ao culto de latria. O culto soberano é interior e exterior, público e privado. Todos estes aspectos, obrigatórios em relação ao Pai e ao Filho, devem-se também guardar em relação ao Espírito Santo. Ousemos acrescentar que, em desagravo do longo esquecimento, cuja culpa recai na Europa moderna e em razão da ameaçadora invasão do espírito do mal, a terceira pessoa da Santíssima Trindade há de ser atualmente objeto de culto preferencial, ardentíssimo como nenhum outro.

Consiste o culto interior na fé, na esperança e na caridade (Santo Agostinho). Crer que o Espírito Santo é Deus, como o Pai e o Filho; como eles, pessoa distinta; com eles, uma só natureza; neles, em tudo igual; como eles, eterno, todo-poderoso, infinitamente bom e perfeito. Deve-se crer que é tudo o Espírito Santo, como se crê que é o Pai e o Filho; e esperar no Espírito Santo, como se espera nas duas outras pessoas da Adorabilíssima Trindade; e amar o Espírito Santo com amor soberano, de complacência, de reconhecimento, de esperança, como se ama, pelos mesmos motivos, o Filho e o Pai – eis os três atos fundamentais do culto interior que deve o mundo ao Espírito Santo.

Dizemos: amor de complacência, por causa das infinitas amabilidades do Espírito Santo. Amor de reconhecimento, por suas mercês. Só para falar de algumas, deve-lhe o mundo a Santa Virgem, o Homem-Deus, a Igreja e o cristão. Amor de esperança, por suas magníficas promessas: o céu será o reino excelente do Espírito Santo, pois que há de ser o reino da caridade (Cornélio a Lapide). Como a claridade sai da fornalha, necessariamente o culto exterior sai do culto interior, não menos obrigatório. É ao homem impossível, composto de dupla substância, não manifestar por sinais exteriores os sentimentos que lhe agitam a alma. Melhor ainda: todos seus atos exteriores não passam da tradução dos pensamentos e sentimentos interiores. Além disso, deve violentar de contínuo sua natureza, para recalcar ao fundo da alma o que imperiosa e constantemente teima em se manifestar. Deve o homem a Deus a homenagem dos sentidos, tanto quando lhe deve a do espírito. Assim, os atos exteriores de adoração, as orações, o sacrifício, a ação de graças devidas ao Pai e ao Filho, devem-nas ao Espírito Santo.

O homem não é um ser isolado, mas social. A este título, é obrigado a prestar a Deus um culto público. Deus, autor das famílias, dos povos e da sociedade, e também dos indivíduos, tem direito às homenagens deste ser coletivo, como tem direito às homenagens do ser individual. Enquanto pessoa pública, os seres coletivos só retribuem a Deus o tributo por meio de adorações coletivas. Um povo sem culto público seria um povo ateu; como jamais existisse um povo ateu, desde a origem do mundo e sobre todos os pontos do globo, houve um culto público. Acrescentemos que este culto é todo benesses para as nações, que dele tem necessidade para viver. Um mero raciocínio é bastante para prová-lo: não há sociedade sem religião; não há religião sem culto interior; não há culto interior sem culto exterior. São tais proposições axiomas de geometria moral e também de leis sociais e políticas, que época alguma e nem nação jamais dispensaram impunemente.

Não menos necessário que o culto público, o culto privado se deve manifestar na lembrança do Espírito Santo, na oração, na imitação e no temor de ofendê-lo. A lembrança é o pulso da amizade. Enquanto bata, existe amizade. Com que força ou frequência não deve bater nosso coração pelo Espírito Santo? Amor consubstancial do Pai e do Filho, amor ativo de eternidade, fonte dos bens da natureza e da graça de que gozamos cá embaixo, é também rei do século futuro, quando santificará os eleitos na efusão, ilimitada e infinita, dos divinos deleites. 

Enquanto espera, por quantos expedientes solicita nosso amor! O ar que se respira, a estrela que brilha no firmamento, as árvores carregadas de frutos, as ricas colheitas, as flores tão odoríferas, variadas e belas – todas as criaturas, que só têm alento para nosso serviço, parecem gritar-nos com voz infatigável: Amai o Espírito de amor que nos criou como a vós, e que para vós nos criou. Se escutássemos esta voz - e quem não a escutaria - o amor do Espírito Santo extravasaria do nosso coração como o ribeirão da nascente. Manifestando-se o Espírito, a ação de graças, a invocação, a adoração, as confidências íntimas, a oração em suas várias formas, tornar-se-iam um laço de comércio habitual entre o mundo e o Espírito Santo, em que todo lucro seria nosso.

Nas dúvidas, perplexidades, doenças da alma ou do corpo, a quem nos dirigir com maiores oportunidades de êxito? Sobretudo, qual defensor invocar, ao considerar as catástrofes com que nos ameaça o espírito do mal? Somente o Espírito do bem lhe pode obstar o progresso. O mesmo é dizer que a devoção ao Espírito Santo deve ser a favorita dos cristãos atuais, e as orações íntimas, inspirada na fé dos avós, hão de exalar do coração, com frequência semelhante a do alento que nos sai dos lábios: Veni, creator Spiritus Veni, sancte Spiritus!

Aqui se apresenta uma questão: quando da necessidade de luzes, por que se dirigir ao Espírito Santo e não ao Filho, luz do mundo: Ego lux mundi? Tal prática não se opõe ao costume de atribuir ao Pai o poder, ao Filho a sabedoria e ao Espírito Santo a caridade? É fácil responder: a luz é dom de Deus e, como ato de amor, é natural pedi-lo ao Espírito Santo, o amor por essência e, por conseguinte, o princípio de todos os dons. Acrescente-se que, sendo Deus, o Espírito Santo é luz, como é o próprio Filho; e que o amor, principal atributo do Espírito Santo, é a luz verdadeira, por que são esclarecidos a alma e o coração. Donde vem que o melhor conselheiro, o causídico mais confiável, é o amor de Deus e do próximo, cuja fonte é o Espírito Santo.

Ademais, seguindo a prática secular, a Igreja limita-se a se conformar às intenções de Nosso Senhor. Não fora ele mesmo que ensinara a guardar o Espírito Santo como a morada da luz e oráculo da verdade? Na pessoa dos apóstolos, disse ele à sua esposa, de uma vez por todas: 'Quando vier o Espírito que vos enviarei, ele vos instruirá de toda a verdade' (Jo 16, 13). Assim, nada mudou: nem o papel que o Verbo feito carne toma em face do Espírito Santo, nem a missão excelente do Espírito Santo. Luz dos profetas do Antigo Testamento, locutos per prophetas, ele continua a inspirar a Igreja e todos seus filhos.

Entretanto, não bastam as orações e adorações para que haja o verdadeiro culto do Espírito Santo. O culto tem por fim aproximar o adorador do ser adorado. Essencialmente, consiste esta aproximação na imitação. Imitar o Espírito Santo é parte fundamental de seu culto. Ora, a pureza e a caridade são atributos distintivos do Espírito Santo. Segue-se que imitá-los constitui a essência do culto. A pureza de afetos, ou seja, o desapego do coração às paixões desordenadas, é tão almejada pelo Espírito Santo, que somente a sombra de tal imperfeição o impediria de descer ao coração dos apóstolos. Já que é assim, seria ilusão grosseira ter a pretensão de que ele escolheria por morada a alma escrava da carne. Santificar os afetos e pensamentos é o primeiro passo a se dar na imitação e no culto do Espírito Santo.

A caridade é o outro atributo da terceira pessoa da Santíssima Trindade. Por um lado, tende a caridade à união, união que faz a força; por outro, a caridade se manifesta nas obras. Esta segunda parte do culto do Espírito Santo é tão necessária quanto a primeira... Satã é o espírito da divisão. O Espírito Santo é o Espírito de caridade. Se há um meio de unir novamente um reino, cruelmente cindido por guerras de religião e discórdias civis e suas inevitáveis consequências, é com certeza o restabelecimento do reino do Espírito Santo. 

(Excertos da obra 'O Tratado do Espírito Santo', do Pe. Jean-Joseph Gaume; trad. Permanência)