quinta-feira, 8 de novembro de 2018

AMOR E SUBMISSÃO


Através de todos os séculos, dos passados e futuros, sempre se encontraram e sempre se encontrarão homens dispostos a exclamar, perante os Pilatos deste Mundo: 'Não queremos que este Homem reine sobre nós!'. 

Por detrás desta rebelião contra Deus, há duas falsas idéias: a primeira é a de que a inteligência inventa, ou cria a verdade, quando, afinal, simplesmente a descobre ou encontra... a segunda ideia falsa é a seguinte: a de que da submissão a alguém decorre a servidão para com esse alguém. Esta ideia implica a negação de todas as hierarquias, tanto em a Natureza como na Criação, tendendo a colocar todos os homens num mesmo plano de igualdade, considerando-se cada um a si próprio como um Deus. Essa filosofia do orgulho tem para si que, ser independente implica total insubmissão seja ao que for. A verdade, porém, é que a independência é condicionada pela dependência...

Obedecer não significa executar as ordens de um sargento instrutor. A obediência ressalta, principalmente, do amor duma ordem recebida e do amor daquele que a deu. O mérito da obediência está menos no ato em si mesmo do que, acima de tudo, no amor que o motiva; a submissão, a dedicação, e o serviço que a obediência implica, não vêm da servidão, mas, pelo contrário, dos efeitos que derivam do amor e com ele fazem íntima unidade. Obediência só é servilismo para aqueles que não compreenderam a espontaneidade do amor.

Para compreendermos a obediência, devemos considerá-la entre dois grandes fatos. O primeiro deu-se no momento em que uma mulher fez ato de submissão à vontade de Deus: 'Faça-se em mim a Tua palavra'. O outro fato, quando uma mulher pedia ao homem que obedecesse a Deus: 'Tudo que Ele disser vós o fareis'. Entre estas duas expressões, vemos: '... O Menino crescia e se fortificava cheio de sabedoria; e a graça de Deus era com Ele... E desceu com eles, e foi a Nazaré, e era-lhes submisso' (S.Lucas II-51). 

Para reparar o orgulho dos homens, humilhou-se Nosso Senhor, obedecendo a seus pais: 'E a eles era submetido'... Esta humildade, abstração feita da Sua Divindade, era exatamente o contrário do que seria lícito esperar de um homem destinado a vir a ser um reformador da Humanidade. E, no entanto, que faz este carpinteiro, durante esses trinta anos de obscuridade? Fabrica o caixão do mundo pagão. Fabrica um jugo para o mundo futuro e faz uma Cruz sobre a qual será adorado.

Dá a suprema lição dessa virtude, que é fundamento de todo o Cristianismo: a humildade, a submissão e a vida discreta em que nos preparamos para o cumprimento dos nossos deveres. Nosso Senhor passou três horas na Cruz para nos resgatar; passou três anos a ensinar-nos e trinta anos a obedecer, a fim de que o Mundo, rebelde, orgulhoso e satanicamente independente, aprenda o valor da obediência. A vida da família foi instituída por Deus, para, na sua vida do lar, formar o caráter do homem, porque é da infância que nascerá a maturidade do homem – para o bem ou para o mal. 

Os únicos atos da infância de Cristo que nos são conhecidos são atos de submissão a Deus, seu Pai Celeste e, também, a Maria e a José. E desta maneira nos é demonstrado o dever peculiar à infância e à juventude: o da obediência aos pais que representam Deus ... Embora as palavras: 'E a eles vivia submetido' se apliquem, principalmente, a esse período da vida de Nosso Senhor, que decorre entre o encontro no Templo e as Bodas de Caná, nem por isso deixam de se poder aplicar com toda a verdade, ao seu procedimento nos anos seguintes. Toda a sua vida foi uma vida de submissão.

...Jesus se manteve no seu lugar, na sua oficina de carpinteiro, obedecendo aos seus pais, aceitando as restrições da sua posição, considerando os cuidados do dia, com uma visão toda espiritual, alimentando-se e impregnando-se das luzes da sua fé no Padre Eterno, mantendo a sua alma com toda a paciência, apesar do desejo ardente que  impelia para a salvação dos homens. Nele não houve sombra de impaciência ou de precipitação que pudessem prejudicar o desenvolvimento normal de uma força e poder normalmente constituídos.

...O que torna particularmente impressionante a obediência desta Criança é ser Ela o filho de Deus. Ela, o General da Humanidade, faz-se Soldado de linha. O Rei desce do seu trono e desempenha o papel do último dos seus súditos. Se Ele, o Filho de Deus, se submete à sua mãe e ao seu pai adotivo, para reparação dos pecados de orgulho, como é que os filhos hão de escapar a essa doce necessidade de submissão para aqueles que são, para eles, de pleno direito, os seus superiores?

Durante todo esse tempo de obediência voluntária, Ele nos mostrou que o Quarto Mandamento constitui a base da vida familiar. Porque, afinal, se olharmos as coisas do alto, como é que o pecado original da desobediência contra Deus poderia ser aniquilado, a não ser pela obediência do próprio Deus (como homem) que fora desafiado? 

A primeira revolta do Universo de paz criado por Deus foi o trovão de Lúcifer: 'Não obedecerei!' O Paraíso Terrestre deu ressonância a esse trovão, que se perpetuou através das idades, infiltrando-se em todas as famílias onde pai, mãe e filho se encontram reunidos. Submetendo-se a Maria e José, a Divina Criança proclama que a autoridade na família e na vida pública é um poder que provém do próprio Deus.

...Ele garante, pela sua obediência quando criança, esta verdade importantíssima: a de que os pais só exercem a sua autoridade em nome de Deus. Os pais têm, pois, um sagrado direito sobre seus filhos, porque a Deus devem esse privilégio: 'Toda a alma esteja sujeita aos poderes superiores, porque não há poder que não venha de Deus; e os (poderes) que existem foram instituídos por Deus' (Rom., cap. XIII, v. 1).

Se os pais abandonarem a sua autoridade legítima e a responsabilidade natural que têm de seus filhos, o Estado aproveitará da fraqueza deles. Quando a obediência consciente deixa de existir na família, será suplantada pela obediência forçada ao Estado. É pela obediência no lar que aprendemos a obedecer publicamente, porque, em ambos os casos, a consciência submete-se a um representante da autoridade de Deus. 

Se é certo que o mundo perdeu o respeito da autoridade, isso se deve ao fato de o ter perdido, primeiro, na família ... Muitos são, hoje, os homens que tendem a inchar, sem conta, sem peso e nem medida, a sua personalidade. Em Nazaré, o Infinito curva-se para a Terra e – para obedecer – faz-se Menino.

(Excertos da obra 'O primeiro amor do mundo' do Arcebispo Fulton Sheen)